Obsessão dos conservadores contra a Europa enfraquece Cameron.
Por Ana Fonseca Pereira in Público
19/05/2013
Pressionada pelo UKIP, a ala mais dura dos tories britânicos voltou a desafiar o primeiro-ministro que, com recuo de última hora, deu novas armas aos que contestam a sua liderança
Por alguns dias, o Governo britânico pareceu recuar a 1993, quando o primeiro-ministro John Major teve de lutar para sobreviver à revolta de ministros e deputados contra o Tratado de Maastricht. Agora é David Cameron quem vê a sua autoridade minada pelos eurocépticos que, tentando cortar caminho aos populistas do UKIP, alimentam uma escalada que não só fragiliza o primeiro-ministro como arrisca empurrar Londres para fora da União Europeia.
A tempestade começou a abater-se sobre Cameron no último fim-de-semana, quando os ministros da Educação, Michael Gove, e da Defesa, Philip Hammond, disseram que votariam a favor da saída da UE se a questão fosse agora a referendo.
Ambos disseram apoiar o plano do primeiro-ministro, que em Janeiro prometeu que, se for reeleito, vai renegociar a relação do Reino Unido com Bruxelas e submeter os novos termos da adesão a referendo. Mas ao assumirem a sua oposição à UE, os dois ministros minaram ainda mais a estratégia de Cameron, que a todo o custo quer adiar o explosivo tema para depois das legislativas de 2015.
Só que a Europa (leia-se, a sua recusa) continua a ser uma obsessão para os conservadores, mesmo que tenha sido ela a ditar o fim político da ex-primeira-ministra Margaret Thatcher e a ensombrar os mandatos de John Major (1990-97). E a fixação tornou-se ainda mais forte perante os avanços do Partido da Independência do Reino Unido (UKIP), que arrebatou um quarto dos votos nas eleições locais deste mês.
Esta "peculiar tendência para a autodestruição" dos tories, como lhe chamou jornal Telegraph (conservador), voltou a mostrar-se quarta-feira, quando 114 deputados conservadores votaram a favor de uma moção lamentando que Cameron não se tenha comprometido a aprovar ainda neste mandato uma lei para fixar, preto no branco, o prometido referendo. A moção foi chumbada com os votos da oposição trabalhista e dos liberais-democratas, parceiros na coligação de Governo mas, pela segunda vez desde o início do mandato, Cameron viu parte da sua bancada (desta vez, metade dos deputados sem funções no Governo) rebelar-se contra a sua estratégia europeia.
Contestação interna.
O desafio, por si só, teria sido suficiente para ressuscitar as especulações sobre a contestação interna a um líder que nunca conquistou o coração dos tories. Mas foi a forma como Cameron reagiu à revolta que acabou por fragilizá-lo, dando a impressão de não ser já ele quem comanda o partido: na véspera da votação, enviou ao Parlamento um rascunho de projecto de lei com a pergunta que espera colocar aos britânicos até ao final de 2017. A proposta não é uma iniciativa do Governo (devido à oposição dos lib-dem, terá de ser um deputado conservador a forçar o seu debate), dificilmente será aprovada (os conservadores não têm maioria) e mesmo que isso aconteça nada impede o próximo Governo de deixar a lei esquecida na gaveta.
"O primeiro-ministro deu a sensação de estar a seguir o seu partido em vez de o liderar, adoptando tácticas que se abeiram da infantilidade", escreveu o Telegraph em editorial, acrescentando que, com esta última iniciativa, "um número considerável de deputados conservadores mostrou aos britânicos que a sua atitude em relação ao líder está a resvalar da desconfiança para o desprezo".
Uma análise repetida pela generalidade da imprensa, na qual se recordavam as sucessivas cedências de Cameron aos eurocépticos, a ala mais dura do partido que pôs de sobreaviso quando em 2006, acabado de ser eleito, disse que os tories deveriam deixar "de estar sempre a bater na tecla da Europa". Só que foi ele quem, em 2009, rompeu com o Partido Popular Europeu, juntando-se aos eurocépticos checos e polacos no Parlamento de Estrasburgo. Já no Governo, vetou em 2011 a revisão do Tratado de Lisboa e, com o seu discurso de Janeiro, abriu por fim a porta a uma consulta que terá como uma das opções a saída da UE.
"Haverá sempre um bando incorrigível de radicais na bancada conservadora. Mas o que é mais preocupante é a disponibilidade de Cameron para ceder perante as suas ameaças", escreveu o Financial Times, considerando desconcertante tal falta de firmeza num líder que é mais popular do que o seu partido.
Virar à direita.
O combustível que incendia esta revolta é a ameaça do UKIP, por mais que os analistas insistam que o sucesso do partido de Nigel Farage pouco tem a ver com a sua insistência para que o país saia da UE (ver texto ao lado). Vários deputados temem perder o seu lugar para candidatos do UKIP e "acreditam que mostrar firmeza na questão da UE é essencial para garantir a confiança dos eleitores", escreveu Melissa Kite, colunista da revista conservadora Spectator.
Mas a revolta desta semana é também sintoma de desconfianças mais antigas ou, na explicação do Financial Times, "a Europa tornou-se o pára-raios para os tories ressabiados com o favorecimento de Cameron aos seus amigos ou com a sua recusa em virar à direita".
O primeiro-ministro é a antítese de Thatcher, um político formado nas escolas reservadas às elites, que subiu na hierarquia do partido em Westminster e chegou à liderança prometendo desintoxicá-lo da herança da Dama de Ferro, aproximando-o mais do centro e de temas que lhe eram alheios, como o clima ou o casamento homossexual. Venceu as legislativas de 2010, mas foi obrigado a formar coligação com os lib-dem (centro), a austeridade que impôs para equilibrar as finanças minaram a sua base eleitoral sem conseguirem o desejado crescimento económico e o partido está hoje dez pontos atrás dos trabalhistas nas sondagens.
O UKIP, que por duas vezes remeteu os tories para terceiro lugar em eleições intercalares para o Parlamento, é o óleo deitado sobre a fogueira deste descontentamento, que tanto alimenta notícias sobre um possível desafio à liderança de Cameron - ainda que nenhum dos candidatos falados admita a ambição - como os apelos para que o partido guine à direita, ocupando o terreno que deixou livre para Farage, mesmo que isso ponha em risco a coligação, e afaste os eleitores moderados.
Em público, o primeiro-ministro recusa as pressões, mas a nova cedência aos eurocépticos indica o contrário, apesar dos avisos de que cada recuo será visto como um sinal de fraqueza. "Podemos continuar a atirar carne aos crocodilos, mas se eles quiserem comer o primeiro-ministro, não há muito que possamos fazer", disse um membro do Governo, sob anonimato ao FT. Amanhã, o casamento gay volta a ser discutido no Parlamento e, num sinal da nova revolta que se avizinha, o ministro da Defesa criticou já o tempo gasto com uma lei que gera "um sentimento real de revolta a milhões de pessoas".
UKIP, o partido eurocéptico que colhe o voto de protesto de quem não se revê nos políticos.
É o grande pesadelo dos conservadores britânicos, que ameaça deitar por terra qualquer hipótese de reeleição. É o partido que duplicou num mês as intenções de voto e sonha já com a eleição dos seus primeiros deputados. Ridicularizado durante anos como um grupo de excêntricos, obcecados com a "ditadura de Bruxelas", o Partido da Independência do Reino Unido (UKIP) canibaliza o voto de um número crescente de eleitores que não se revê nos políticos no activo.
A explicação para o crescimento do UKIP pouco ou nada tem a ver com o eurocepticismo, começa por sublinhar Robert Ford, professor de Política da Universidade de Manchester e especialista em movimentos de direita, numa conversa por telefone com o PÚBLICO.
O partido de Nigel Farage, explica, encontrou o passaporte para a ribalta ocupando o espaço deixado vago pela aproximação ao centro quer do Labour, com Tony Blair, quer dos conservadores, pela mão de David Cameron. "Tornaram-se ambos liberais nas questões sociais e centristas nos assuntos económicos", diz Ford, acrescentando que os eleitores "mais velhos, das classes operárias, pessoas que tendem a ter visões mais conservadoras sobre identidade nacional, a lei e ordem, não têm opções em nenhum dos dois partidos".
Uma orfandade que os escândalos políticos - como o das despesas abusivas dos deputados -, a crise económica e os sentimentos anti-imigração transformaram em desconfiança na classe dirigente. Farage aproveitou-se deste caldo, apresentando-se como o único que fala do que preocupa os eleitores e rompe com o politicamente correcto.
"Os britânicos estão a desenvolver uma revolta profunda, visceral, embora serena, contra o que entendem ser o atraiçoar dos cidadãos comuns e dos valores que esperam ser os da governação por parte de uma elite que responde cada vez menos pelo seus actos", escreveu o deputado conservador George Freeman no site Conservative Home, reagindo à forte subida do UKIP, que nas eleições locais de 2 de Maio obteve 25% dos votos. Criticando os que continuam a olhar para o partido populista como um bando de "maluquinhos e racistas encapotados" (a expressão usada em 2006 por Cameron), o seu colega Douglas Carswell admitia que, "para a maioria das pessoas, trabalhistas e conservadores são dois lados da mesma moeda".
Ainda assim, a reacção dos conservadores - os mais atingidos pela subida do UKIP, embora todos percam votos para a formação - tem sido pedir a Cameron que tenha mão firme nas questões europeias e dê aos britânicos a oportunidade de decidirem se querem continuar na UE.
Robert Ford diz que a receita pouco fará para mudar a sorte dos tories, já que a UE não é sequer a principal razão de descontentamento apontada pelos simpatizantes do UKIP (surge em terceiro lugar após a economia e a imigração). "Ao andarem tão centrados nela acabam por reforçar a mensagem de Farage de que os partidos tradicionais não falam do que é mais importante." Uma sondagem revelada nesta semana no jornal Guardian indicava que o UKIP disparou para 19% nas intenções de voto, ao mesmo tempo que descia ligeiramente a percentagem de eleitores que defendem a saída da UE.
Legitimação
Mais do que razões objectivas para repudiar a UE, os eleitores do UKIP olham para Bruxelas como principal responsável pelo aumento da imigração e pela perda de identidade do país. O UKIP afirma-se, no entanto, como um partido "tolerante e anti-racista", distante do Partido Nacional Britânico (BNP), uma formação que os eleitores associam "ao racismo e a violência", diz Ford. "Já o UKIP é visto como um partido aceitável e essa é uma das razões por que o eurocepticismo é tão importante para eles. É o mecanismo de legitimação que lhes permite dizer que não são mobilizados pela intolerância mas pela hostilidade à UE, um assunto totalmente legítimo."
As europeias de 2015 são o próximo alvo de Farage, e Ford não exclui que o partido saia vencedor, se os trabalhistas, à frente nas sondagens, não conseguirem mobilizar os seus eleitores. "Mas é muito provável que terminem em segundo lugar, à frente dos tories", admite, apontando para uma nova tempestade no horizonte de Cameron. A.F.P.
Sketch: Nigel Farage versus the 'fascists'
Michael Deacon listens to Nigel Farage accuse a Scottish interviewer of 'hatred' then hang up on him.
By Michael Deacon, Parliamentary Sketchwriter2:10PM BST 17 May 2013 in The Telegraph.
Ukip leader Nigel Farage needed a police escort in order to leave the pub in Edinburgh's Royal Mile. Photo: ANDREW MILLIGAN/PA
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It’s not often you hear Nigel Farage rattled. Normally he’s as smooth as the real ale he’s always photographed clutching in his various regional campaign headquarters – or, as the rest of us call them, pubs.
But this morning he was rattled – rattled by a Scot. And the Scot in question did it not by shouting abuse at Mr Farage, or by ordering him to go back to England. He did it by asking him questions.
The man was David Miller, a news presenter on BBC Radio Scotland, and he was interviewing the Ukip leader about his unhappy experience the night before. During a visit of Edinburgh, Mr Farage had been set upon by a mob of locals seemingly hell-bent on boosting Mr Farage’s popularity in England by noisily informing him how much the Scots hated him.
Mr Farage normally thrives on opposition, so this should have been a clear PR win. He could come out of it as an innocent victim merely trying to exercise his freedom of speech in the face of opponents who had no better answer than intimidation. The protesters may well have been a mob of demented dolts, but better to leave it to others to say that. For him, the wisest strategy was to play it calmly, and come across as the bigger man.
But, perhaps still shaken from the night before, he overplayed his hand.
The protest against him, he declared, was “deeply racist, with a total hatred of the English… the anger, the hatred, the snarling, the shouting, the swearing, was all linked in to a desire for the union jack to be burnt and extinguished from Scotland forever…” The protesters, he went on, after a brief and peculiar remonstration against the iniquities of opinion pollsters, were “yobbo fascist scum”.
The interviewer suggested to Mr Farage, more than once, that Ukip weren’t very popular in Scotland. For example: “Isn’t that the problem: Ukip isn’t part of Scottish political debate in any meaningful way, and you know very little of Scotland or the politics of Scotland?”
Tough-nut interviews of this type are meant as a test. The trick to dealing with them, as more senior politicians could have told Mr Farage, is to answer calmly, and impress upon the listening public how self-assured and reasonable you are. You, after all, are someone who can handle pressure and takes criticism in his stride. In short: you are a leader.
“I’m sensing similar hatred from this line of questioning as I got on the streets yesterday!” blurted Mr Farage. “We could have had this interview in England a couple of years ago, although I wouldn’t have met with such hatred as I’m getting from your questions, and frankly, I’ve had enough of this interview, goodbye.” Click. Dialling tone.
There are three possibilities here.
1) Mr Farage was still feeling upset from last night and thus wasn’t himself.
2) Mr Farage believes that he can reinforce and broaden Ukip’s support by fostering a collective paranoia among people who either already support Ukip or who might be inclined to do so.
3) Mr Farage simply lost his rag like a huffy teenage boy.
Whichever it was, well-wishers will hope that he recovers swiftly from his ordeal, and continues Ukip’s bold new campaign against yobbos and fascists.
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