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Um conservador não olha para trás, olha para cima
Henrique Raposo
7:35 Quinta feira, 30 de maio de 2013 in Expresso online
http://expresso.sapo.pt/um-conservador-nao-olha-para-tras-olha-para-cima=f810388#ixzz2UlvydNJg
Meu querido amigo, há dias, no meio da conversa, disseste que eu não era conservador mas sim liberal. Confesso que desisti há muito de procurar o auto-retrato, ou melhor, o auto-rótulo. Chamem-me o que quiserem. Descobri que o rótulo acaba por criar uma persona, um robô interno que começa a pensar e a escrever sozinho. Pior: pensa e escreve sozinho apenas no interior de determinadas balizas. Ou seja, se não tivermos cuidado, acabamos por ser dominados por uma persona que nos diz "não podes escrever isso, porque isso não é ser conservador/liberal/católico/de direita/etc". Seja como for, vale a pena continuarmos a conversa, aqui que ninguém nos ouve.
Se usarmos a tua concepção de conservador, tenho de dizer que não sou conservador, pois não elevo a tradição a um pedestal acima da crítica. Classicamente, a esquerda transforma o Progresso numa entidade que pensa por si, uma entidade que dá sentido à história e que todos têm de seguir. À direita, muita gente faz o mesmo com a Tradição, outra entidade que nos esmaga com o peso da maiúscula. Portanto, os defensores desta sensibilidade acabam por defender acriticamente aquilo que existe; a prática x é para manter só porque existe, só porque sempre existiu. Como é óbvio, este tipo de pensamento acaba no relativismo. Aquilo que existe numa dada cultura não é legítimo só porque existe, caso contrário o canibalismo seria uma questão de gosto culinário e o apedrejamento de mulheres uma questão de pontaria. E o que sucede quando surgem as mudanças que este tradicionalismo rejeita? Se os progressistas desenvolvem uma utopia futurista, os tradicionalistas accionam uma utopia regressiva, uma utopia que não procura a salvação no futuro mas sim num passado supostamente perfeito. Esta utopia regressiva e a utopia da esquerda partilham defeitos e um propósito: anular os dilemas morais e políticos do presente através de uma fuga fácil para um Olimpo sem inquietações ("no meu tempo é que era" ou "temos de mudar o mundo"). Chegados a este ponto, meu caro amigo, tenho de dizer que concordamos na substância mas discordamos na forma: tu achas que esta utopia regressiva é a essência do conservador. Eu acho que estamos no campo do reaccionário, e não do conservador.
Na minha pobre cabeça, o conservador não é um mero tradicionalista que se agarra - de forma relativista, reforce-se - àquilo que existe. A essência que merece conservação não é aquilo que existe na história, mas sim um padrão moral imutável, os tais valores absolutos, os princípios inalienáveis do Direito Natural. O conservador está ligado à ética ou religião do Direito Natural e não a uma fé cega na tradição cultural. O conservador não conserva a tradição de um dado lugar, mas sim uma concepção de Justiça que é imune às variações de tempo e espaço. Sim, com certeza, o conservador respeita a tradição (sem dogmatismo), mas nunca é historicista. Porquê? Porque o historicismo (ie.: aquilo que existe na história é válido só porque existe, só porque venceu) é a negação do Direito Natural. É por isso que costumo dizer que um conservador historicista é uma contradição em termos. Um conservador que rejeita o Direito Natural acaba no reaccionarismo relativista, nos dias bons, ou no vitalismo bélico, nos dias maus. Neste sentido, afastei-me sempre do romantismo alemão e do reaccionarismo francês, e só aceito o termo conservador no quadro da direita americana (os federalistas de Adams e os republicanos de Lincoln ) e do conservadorismo britânico pós-Burke. A direita anglo-saxónica casou-se com a transcendência do Direito Natural. A direita continental casou-se com a imanência da História. Como sabes, estarei sempre com a primeira.
Os EUA e Burke são, aliás, os elementos indicados para terminarmos a conversa. 1776 foi uma revolução conservadora. Os pais fundadores da República americana não rasgaram os princípios de governo inglês, a começar pelo Direito Natural da Magna Carta e de Cromwell ("God, not man, is king"). Os americanos queriam que o rei inglês respeitasse os seus direitos de cidadãos à luz do Direito Natural. Dado que o despotismo do rei não parou, Adams e companhia fizeram uma revolução para repor a normalidade usurpada. Os pais fundadores não estavam a defender aquilo que existia, mas sim aquilo que devia existir. Ora, muito antes de 1776, Burke avisou os ingleses em relação a este pormenor: nas colónias americanas, Londres estava a rasgar os preceitos do Direito Natural, ou seja, estava a incorrer num pecado tirânico, ou seja, Burke legitimou à priori a argumentação dos revolucionários americanos, ou seja, o pai do conservadorismo da nossa Era defendeu uma revolução. E não existe aqui qualquer contradição. 1776 foi uma revolução conservadora destinada a repor os valores conservadores usurpados por um rei ilegítimo. God, not man, is King. Sim, meu querido amigo, já sei o que estás a pensar, Burke era whig e não torie. Mas é precisamente isso que eu estou a tentar dizer há 5000 caracteres: o conservadorismo da nossa Era é a ala direita do liberalismo clássico
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