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Ajuda das instituições já não chega. Quatro em cada dez carenciados passam fome.
Por Rosa Ramos in (jornal) i online
publicado em 30 Maio 2013
Mais de duas mil pessoas apoiadas por instituições de solidariedade responderam a um inquérito do Banco Alimentar: muitos são desempregados de longa duração e 39% admitem que já passaram um dia inteiro com o estômago vazio
Há cada vez mais portugueses carenciados e apoiados por instituições de solidariedade social que, apesar da ajuda, passam fome. E há mesmo quem esteja dias inteiros sem comer. As conclusões são do estudo da Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares contra a Fome e da Associação para o Apoio a Instituições de Solidariedade Social (ENTRAJUDA), que partiu de um inquérito a mais de duas mil pessoas de todo o país, que recorrem às entidades.
A maioria são mulheres em idade activa, só 18% têm emprego e a maior parte dos que estão desempregados não têm trabalho há mais de dois anos. Mas a principal conclusão do estudo, que contou com a colaboração da Universidade Católica, tem a ver com as carências alimentares dos portugueses apoiados: um quarto dos inquiridos admitiu ter passado fome várias vezes por semana nos seis meses que antecederam o inquérito, distribuído em Setembro de 2012. A este número junta-se um outro: 14% confessaram ter passado fome pelo menos um dia por semana. O estudo, divulgado ontem, conclui aliás que a fome aumentou entre a população carenciada: num inquérito semelhante feito em 2010, só 16% dos inquiridos afirmavam ter passado fome várias vezes na mesma semana (menos 10% que os dados agora recolhidos) e 11% confessaram ter passado pela experiência pelo menos uma vez (menos 3%). Os dados recolhidos no ano passado mostram ainda que 39% dos inquiridos disseram já ter estado pelo menos um dia inteiro sem comer nada. E 37% garantiram não ter rendimentos suficientes para comprar comida até ao final do mês. "Há uma tendência para o aumento das carências alimentares", resume o estudo.
DINHEIRO NÃO CHEGA
Mais de metade (52%) dos agregados familiares apoiados por instituições, segundo os resultados do inquérito, têm um rendimento mensal inferior ao salário mínimo nacional. E 23% das famílias recebem menos de 250 euros por mês. Independentemente do valor, 60% dos inquiridos disseram que o dinheiro que ganham não é suficiente para viver. Em 32% dos casos, os rendimentos provêm do trabalho, e em 40% de reformas. As conclusões do estudo mostram que, de uma maneira geral, quanto mais velhos são os agregados, mais baixos são os rendimentos. As despesas com a casa são as que maior impacto têm: para 69% das famílias, a renda é o maior encargo que têm de suportar. Segue-se a alimentação (66%) e a saúde (39%). A maior parte dos que recebem apoio vivem em casas arrendadas (36%) ou pediram um crédito à habitação (12%). Só 16% estão em casas de habitação social.
ISOLADOS
Quase metade dos carenciados (48%) disse, por outro lado, sofrer de alguma doença ou ter a seu cargo alguém doente. A esmagadora maioria (93%) consultou um médico no último ano, mas apenas 49% dos inquiridos garantiram comprar "sempre" os medicamentos receitados pelo médico. Além da fome, da pobreza e da doença, os carenciados estão também mais isolados: 72% admitiram sentir-se sós "muitas vezes" e só 28% contactam com amigos ou familiares diariamente.
A maioria procura a família, amigos ou vizinhos quando precisam de ajuda alimentar ou financeira (53%). As instituições de solidariedade social são a segunda escolha nos momentos de dificuldade (51%) e a Igreja aparece na terceira posição da lista (12%). Os que se dirigem às instituições são as famílias com rendimentos mais baixos, mais velhas e com desempregados ou reformados. Mas também há quem não recorra a ninguém numa situação de emergência (7% dos casos).
LONGA DURAÇÃO
A média de idades dos carenciados que são apoiados por instituições é de 51 anos, sendo 21% idosos com mais de 66 anos - o que contraria a percepção de que os mais velhos são, por norma, os mais assistidos. Aliás, 80% desta população está em idade activa - têm entre 18 e 65 anos -, mas 32% não têm emprego e 27% são reformados. Entre os desempregados, 61% estão sem trabalho há mais de dois anos, 21% há mais de um ano e apenas 4% procuram emprego há menos de três meses. O estudo mostra ainda que em 68% das famílias existe pelo menos um desempregado.
O sentimento de pobreza também subiu: 82% das pessoas dizem sentir-se pobres. Os que sentem mais vulneráveis, de acordo com o estudo, são as pessoas até 65 anos, com rendimentos baixos e nível de escolaridade abaixo do ensino secundário. Apenas 17% dos inquiridos referiram nunca ter sido pobres anteriormente. Relativamente às causas que conduziram à pobreza, 37% invocaram razões fatalistas - destino, doença ou acidente que lhes condicionou a vida. Já 8% atribuíram a culpa às dívidas que têm para pagar, 20% referiram a questão do desemprego e 7% disseram ter sido atiradas para a pobreza a seguir a um divórcio.
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