quinta-feira, 30 de maio de 2013

Jovens portugueses formados para exportação.


Jovens portugueses formados para exportação.

por Margarida Davim 30 de Maio, 2013 in Sol online

Portugal está a formar médicos, engenheiros e enfermeiros que são aproveitados por outros países. A saída dos jovens qualificados desperdiça investimento na Educação e é um rombo para a Segurança Social.

Enquanto cá se fecham portas, anúncios e feiras de emprego prometem melhores salários lá fora, contratos sem termo e reconhecimento profissional. E são cada vez mais os que saem de Portugal à procura de um futuro melhor. Muitos poderão não voltar, perdendo-se para sempre o investimento que o país fez na sua formação e agravando o buraco da Segurança Social.
Números recolhidos pelo SOL junto das universidades mostram que formar um engenheiro custa ao Estado, em média, cinco a oito mil euros por ano –, sendo que o tempo médio para concluir o curso anda pelos seis anos numa faculdade como o Instituto Superior Técnico. No caso de um médico, só a sua formação inicial de seis anos na faculdade implica um investimento de cerca de 10 mil euros por ano. Nos restantes cursos superiores, cada estudante custa cerca de quatro mil euros por ano, sendo que a propina máxima em vigor é de 1.037 euros.
«Se não voltarem mais e se não transferirem dinheiro para cá, estivemos a investir na qualificação de pessoas que vão ajudar a desenvolver outros países», admite António Cruz Serra, reitor da Universidade Técnica de Lisboa.
Efeito explosivo’ para a Segurança Social

«O Governo olha para estas pessoas como despesa, mas elas também são receita. Se saírem, não contribuem para a Segurança Social, para o sistema fiscal e para o desenvolvimento da economia no seu conjunto» – avisa Manuela Arcanjo, especialista em Segurança Social e Finanças Públicas, que reconhece estar por calcular o impacto que a emigração de profissionais altamente qualificados terá no país. «Estamos a perder uma geração, que estava em idade de ter filhos e de contribuir para renovação geracional», resume a ex-ministra socialista, que antevê um «efeito explosivo» para a Segurança Social.
Dados do Inquérito ao Emprego do Instituto Nacional de Estatística (INE) apontam para uma quebra acentuada da população jovem activa no último ano. Segundo este estudo, Portugal perdeu 131 mil pessoas entre os 15 e os 35 anos, entre Março de 2012 e o mesmo mês deste ano. Fonte oficial do INE frisa que «os números dos fluxos migratórios só serão conhecidos em Junho», mas admite que este estudo, que é feito por amostragem, já «pode apontar uma tendência».
«Profissionais altamente competentes são obrigados a emigrar», resume o bastonário da Ordem dos Engenheiros, Carlos Matias Ramos, que assume estar preocupado com o efeito destas saídas. «Há o risco de esses engenheiros criarem raízes nos países onde trabalham, o que poderá dificultar ou inviabilizar o seu regresso quando Portugal assim o necessitar».
Com a economia em recessão, a maioria das ofertas de trabalho na engenharia são para fora. «Segundo um estudo elaborado em 2012 por uma empresa de recursos humanos, nesse ano o recrutamento de engenheiros destinado ao mercado português foi de apenas 8%, correspondendo 15% ao mercado do Brasil e os restantes 77% ao de África», aponta Carlos Matias Ramos, que vê a tendência manter-se em 2013.
No site da Ordem, há neste momento 46 ofertas de emprego para o Qatar, 23 para os Emiratos Árabes Unidos, e a Noruega e a Holanda somam 42 anúncios. «Em África, a especialidade mais procurada é Engenharia Civil. No Médio Oriente, são Engenharia Civil e Engenharia Mecânica, sendo esta também procurada na Europa», diz o bastonário.

Médicos e engenheiros em fuga

Se o que se promete no estrangeiro é aliciante, as perspectivas cá dentro não são animadoras. Carlos Matias Ramos diz que há ofertas para Portugal «colocadas de forma despudorada em portais oficiais na internet, com ordenados ultrajantes, nalguns casos de 500 euros», que são «um motivo adicional para que os engenheiros portugueses procurem outros mercados».
Para os médicos recém-formados, as perspectivas também são melhores no estrangeiro. «Cá, até aos 30 anos, um médico recebe à volta de 1.100 ou 1.200 euros líquidos. No estrangeiro, há ofertas muito atractivas», reconhece António Marques Pinto, da Associação de Jovens Médicos. Além dos salários, surgem outros problemas: «Há médicos a mais a sair das universidades e começa a não haver vaga para fazerem a especialização nos hospitais».
Mais de sete mil enfermeiros emigraram em quatro anos

Mas o problema português é uma oportunidade para os empregadores estrangeiros. «De cada vez que organizamos uma feira de emprego em Portugal, aparecem mais trabalhadores da área da Saúde», garante Catalina Poiana, da empresa de recrutamento Careers in White, que em Abril recebeu 900 médicos e enfermeiros num evento em Portugal para recrutar para países como Reino Unido, Alemanha, França, Bélgica e Noruega.
Os salários oferecidos começam nos 1.500 euros para enfermeiros, nos dois mil euros para médicos a tirar a especialidade e dentistas e nos quatro mil euros para clínicos especialistas. Cardiologia, medicina interna e pediatria estão entre as especialidades mais procuradas.
Liliana Costa, da empresa de recrutamento Best Personnel – que no ano passado conseguiu colocação no estrangeiro para mais de uma centena de candidatos –, explica por que os profissionais portugueses de saúde estão em alta nos mercados internacionais: «O estereótipo é o de alguém motivado para progredir na carreira, assíduo, polivalente, de confiança, com boa capacidade de adaptação e bons conhecimento técnicos».
Dados da Ordem dos Enfermeiros mostram que a tendência de saída tem aumentado acima dos 60% ao ano desde 2010. Só no ano passado, saíram 2.814 enfermeiros: mais 63% do que no ano anterior. Desde 2009, foram 7.062 os que emigraram.
Graziela Cordeiro tem uma empresa que recruta profissionais de saúde para França e explica que não é difícil entender os motivos da emigração. «Ainda há pouco falei com um enfermeiro com 19 anos de experiência em bloco operatório, que está a recibos verdes. Em França, num ano consegue-se entrar para a função pública, mesmo sendo estrangeiro». A vontade em manter profissionais qualificados é patente: «Já há Câmaras em França a comprar consultórios e a oferecer salários fixos, de 2.500 euros, a médicos que queiram fixar-se lá».

margarida.davim@sol.pt

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