sexta-feira, 31 de maio de 2013

Portugal não aproveitou o dinheiro da Europa para preparar o futuro.

Foram quase 81 mil milhões de euros que fluíram para o país de 1986 a 2011.

Portugal não aproveitou o dinheiro da Europa para preparar o futuro.

Por Ana Fernandes in Público
31/05/2013

Um estudo sobre os 25 anos de integração de Portugal na Europa mostram um país que evoluiu face ao passado, mas que não conseguiu impulsionar um crescimento sustentado
As conclusões que se retiram da análise a 25 anos de integração europeia, de 1986 a 2011, não diferem grandemente das conclusões que se tiram da História portuguesa. Antes, como em tempos mais recentes, choveram milhões sobre o país, ora vindos do Brasil, ora vindos de Bruxelas. Mas contrariando o dito popular que diz que "riqueza gera riqueza", os rios de dinheiro escorreram entre os dedos, melhoraram momentaneamente a vida nacional, mas não impulsionaram um crescimento sustentado, que evoluísse sem dependências de bolsos alheios.
A comparação foi feita por Alexandre Soares dos Santos, presidente da Jerónimo Martins, durante a apresentação do estudo 25 Anos de Portugal Europeu, coordenado por Augusto Mateus para a Fundação Francisco Manuel dos Santos e apresentado ontem em Lisboa. "Primeiro vivemos das ex-colónias, depois da Europa. Habituámo-nos à dependência e a confiar na sorte e, quando esse sonho de riqueza foi interrompido, acabámo-nos a zangar com a sorte e com a Europa", disse.
Foram quase 81 mil milhões de euros que fluíram para o país de 1986 a 2011. Mas "muitas andorinhas não fazem a Primavera", disse Augusto Mateus, que considera que este quarto de século de Portugal na Europa se traduziu num "semifalhanço". A falta de uma estratégia para a aplicação dos fundos comunitários levou a melhorias, mas não lançou o país na senda do desenvolvimento consequente.
"Estamos melhores, fizemos coisas bem feitas, mas cansámo-nos a meio do caminho", afirmou Mateus. "Desaprendemos de crescer, desconstruímos o que construímos na Europa e hoje somos um país extremamente corporativo, com os interesses focalizados no que o Estado faz ou deixa de fazer", acrescentou.
No estudo são analisados dezenas de indicadores que dão conta da evolução da sociedade e economia portuguesas, com enfoque para os resultados da aplicação dos fundos estruturais. O resultado é um país mais evoluído, mas aquém, muito aquém, do ideal. "Uma geração não foi suficiente para sairmos de uma situação de país de coesão", disse.
Para o coordenador do estudo, Portugal falhou ao não prosseguir políticas autónomas, com uma estratégia e caminhos concertados, reduzindo essas políticas à mera gestão dos fundos. Exemplificando: investiu-se na ciência, no conhecimento - foram 26 mil milhões de euros só para cursos de formação profissional -, mas não nas empresas que poderiam pôr esse conhecimento em prática. E seguiu-se uma tendência de mimetismo - se algo dá certo, imita-se, repete-se, até que o modelo de sucesso se esgota.
Mas, sobretudo, e em virtude da ausência de uma linha clara por onde caminhar, houve uma enorme fragmentação nos apoios. "Não contivemos o entusiasmo do "eu também quero, eu também quero"", disse Mateus, acrescentando que houve uma dispersão dos fundos por uma multidão de projectos, tendo mais presente a preocupação em chegar a todo o país do que definir áreas-chave emm que se deveria apostar com os olhos postos na internacionalização.
E exemplificou: "Houve, há uns anos, uma tentativa de revitalizar a indústria têxtil e, juntamente com a Coreia, Portugal pôs de pé um plano com esse objectivo. No caso da Coreia, decidiu-se focar os apoios numa única região têxtil e financiaram-se 17 projectos, em Portugal, foram apoiados 2518 projectos."
Num momento em que se discute o novo pacote de fundos europeus, o estudo (disponível em www.ffms.pt) pretende apontar os erros para se tentar corrigir opções feitas. Esses erros, ao longo de 25 anos, nunca foram superados "por razões genéticas", disse o ex-ministro da Economia. "Por falta de cultura de prestação de contas, porque há um problema de escrutínio na gestão dos dinheiros públicos", sustentou.
O facto é que há mais de uma década que o país, por mais que tenha evoluído, começou a divergir da Europa, notou Marina Costa Lobo, comissária da conferência 25 Anos de Portugal Europeu. Basta olhar para os indicadores para que esta divergência salte à vista. Produtividade ou criação de riqueza ficaram aquém da média europeia. Noutros indicadores, o resultado foi o oposto, com destaque para as estradas, em que se começou de uma base muito baixa para, em 25 anos, se ultrapassar largamente a média europeia - foram feitos 9468 quilómetros de vias por todo o país. O consumo, por seu lado, aproximou-se da média europeia, mas como não foi acompanhado, na mesma medida, por criação de riqueza, criaram-se importantes desequilíbrios.
Foi tudo mau? Não, claramente não. Portugal evoluiu em muitos indicadores, a sociedade modernizou-se a atenuaram-se desigualdades. Só que esta evolução não foi feita de forma sustentável - resolveram-se problemas do presente, mas lançaram-se poucas sementes para colheitas futuras.
Viveu-se "uma história de ilusões, de facilidades e de incompreensões". E hoje, o cidadão, vítima de um défice de informação e de transparência, não sabe quem responsabilizar pelos problemas que vive, salientou Soares dos Santos. É esta lacuna que este estudo pretende colmatar, dando informação ao cidadão para que possa perceber o caminho que até agora se trilhou e tentar evitar desenganos futuros, salientou António Barreto, presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos.



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