Novo chumbo do TC põe a nu uma cultura de ligeireza, imprudência e incompetência no Governo.
Editorial / Público
Entre as múltiplas manifestações de voluntarismo exibidas por Miguel Relvas nas suas passagens pelo Governo, uma explica-se pela megalomania - o desejo de se inscrever na História ao lado de reformadores do quilate de Mouzinho da Silveira ou de Rodrigo da Fonseca. Cada regime teve o seu mapa e, por muito que a Constituição limite as autarquias no continente aos "municípios, freguesias e regiões administrativas", o mapa da II República haveria de ser cunhado com o seu nome. No Governo de Durão Barroso, Relvas inventou grandes áreas metropolitanas, as comunidades urbanas e as comunidades intermunicipais. Como essas entidades sem alma, sem história e sem suporte afectivo pelas populações caíram facilmente no esquecimento, Relvas regressou e contra-atacou. Agora já não haveria "grandes áreas metropolitanas" em territórios de cariz rural, apenas comunidades intermunicipais baseadas nas unidades estatísticas territoriais conhecidas como NUT III. Mas, à falta de um grande rasgo de originalidade geográfica, Relvas respondeu com o desejo de lhes instituir uma natureza política e administrativa. Não é que o voluntarismo de Relvas mereça ser liminarmente condenado. Depois da derrota da regionalização em 1998, o país jamais conseguiu superar um dos seus principais estrangulamentos: o de um Estado excessivamente macrocéfalo, labiríntico e burocrático que, ao contrário dos países desenvolvidos, não dispõe de instâncias administrativas regionais. O seu problema é que tentou superar este vazio sem perceber que uma reforma deste alcance exige reflexão, prudência e envolvimento colectivo. E, mais grave ainda, sem perceber que num Estado de direito a bizarria de um príncipe não tem foros de poder ilimitado. Existe uma Constituição que não tolera invenções. Por todas as razões, o chumbo do TC à dita reforma Relvas é o epílogo de um processo político feito de ligeireza, imprudência e incompetência.
Lei de Relvas travada no Constitucional.
Por Susete Francisco
publicado em 29 Maio 2013 in (jornal) i online
Nesta legislatura, Cavaco mandou dois diplomas do governo para o TC. Os dois eram do gabinete do ex-ministro. E os dois foram cphumbados
Miguel Relvas qualificou-as como "decisivas" para a reforma administrativa. Ontem, o Tribunal Constitucional (TC) também se pronunciou sobre as comunidades intermunicipais (CIM), mas para dizer que são inconstitucionais. É a segunda vez que, a pedido do Presidente da República, os juízes do Palácio Ratton analisam e vetam um diploma do governo - em ambos os casos, textos que saíram do gabinete do ex-ministro.
O diploma que teve ontem várias normas vetadas é uma das peças da reforma autárquica lançada por Relvas. Maioria e governo garantem que não vão deixar cair a proposta, que será agora devolvida ao parlamento. Fonte governamental garante que o executivo "irá trabalhar com os grupos parlamentares de modo a que, no respeito dos limites traçados pela decisão do Tribunal Constitucional, seja possível concretizar o reforço das competências das freguesias e a aposta no intermunicipalismo."
O diploma de Relvas define as CIM como entidades supramunicípios que devem agregar pelo menos cinco autarquias, agregando competências destas. Cavaco avançou com um pedido de fiscalização preventiva do diploma. E o Constitucional acompanhou as reservas suscitadas pelo Presidente.
Para o TC, as "normas relativas à criação, ao estatuto e às atribuições das comunidades intermunicipais devem ser consideradas inconstitucionais, por violação do princípio da tipicidade" - isto porque o diploma define as CIM como autarquias, quando a Constituição diz que as "autarquias locais são as freguesias, os municípios e as regiões administrativas". Os juízes vetaram ainda a delegação de competências prevista no diploma. "Era uma norma praticamente em branco, e dava à administração um poder discricionário, sem vinculação a uma lei prévia, com um conteúdo minimamente preciso", sublinhou ontem o presidente do TC, Joaquim Sousa Ribeiro. A primeira decisão foi tomada por unanimidade, a segunda por maioria (oito contra cinco).
"DERROTA DO GOVERNO"
A decisão do TC provocou um coro de críticas ao governo na oposição. Para o socialista Mota Andrade "é tempo de o Governo e de esta maioria lerem a Constituição antes de legislar". Para o deputado comunista Honório Novo, esta é mais uma prova de que o executivo "tem de ser demitido o mais depressa possível". Já o BE, pela voz de Helena Pinto, veio defender que esta é "uma profunda derrota" de PSD e CDS. O vice-presidente da Associação Nacional de Municípios (ANMP), Rui Solheiro, reagiu dizendo que esta é uma "vitória do poder local". Como o i noticiou, a ANMP tinha pedido um parecer a Gomes Canotilho, no qual o constitucionalista defendia que a lei é inconstitucional.
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