sábado, 25 de maio de 2013

“A acelerada deslegitimação da política”. Podiam poupar-nos a este pequeno "circo".


Chamar "palhaço" ao Presidente é ofensa à honra ou batalha política?

Por Maria Lopes in Público
25/05/2013

Ministério Público vai apurar se houve crime de ofensa à honra do chefe do Estado. Jurisprudência tem-se dividido sobre se chamar palhaço é ou não ofensa e se Sousa Tavares é um agente político como Cavaco

Adivinha-se uma batalha judicial longa no caso que ontem levantou celeuma. Será preciso esgrimir argumentos sobre se ao chamar "palhaço" a Cavaco Silva numa entrevista que deu ao Jornal de Negócios Miguel Sousa Tavares estava a ofender a honra do Presidente da República ou se a frase se inscreve no campo da batalha política. A ofensa à honra do chefe do Estado é considerada um crime público desde o tempo em que Mário Soares era Presidente da República, e por ter sido feita publicamente, no caso através da imprensa, é agravada, sendo punida com pena de prisão de seis meses a três anos e multa não inferior a 60 dias.
A entrevista fez manchete no jornal, que titulava: "Beppe Grillo? "Nós já temos um palhaço. Chama-se Cavaco Silva."" Miguel Sousa Tavares afirmava a dada altura do texto: "O pior que nos pode acontecer é um Beppe Grillo, um Sidónio Pais. Mas não por via militar. (...) Nós já temos um palhaço. Chama-se Cavaco Silva. Muito pior do que isso é difícil."
Porém, talvez já antecipando um cenário mais complicado, o escritor e comentador admitiu logo ontem ter-se "excedido", classificou a palavra como um "deslize", demarcou-se do destaque dado pelo jornal, e apressou-se a justificar: "É muito simples, eu não tenho nenhuma consideração política pelo professor Cavaco Silva, conforme é público, mas tenho pelo chefe do Estado, seja ele quem for, e nesse sentido reconheço que não devia ter dito aquilo, mas de facto fui arrastado pela pergunta, não é uma coisa que me tenha saído a mim espontaneamente", admitiu. "Eu não disse "o Presidente da República é um palhaço"", garantiu à agência Lusa. Ao Expresso foi mais longe: "Reconheço que não devia ter dito aquilo." Considerou "normal" que o Presidente tenha pedido à Procuradoria-Geral da República (PGR) para abrir um inquérito às suas declarações. A PGR vai abrir um inquérito por as declarações serem susceptíveis de configurar um crime de ofensa à honra do Presidente da República.
A avaliação do termo "palhaço" divide os juristas e os tribunais. O penalista Paulo Saragoça da Matta considera que, "em qualquer circunstância e independentemente de se tratar de um titular de um órgão de soberania, chamar palhaço a alguém que não o seja profissionalmente é ofensivo da honra". Não há exemplos de casos de processos por ofensa da honra do chefe do Estado, e a quase meia dúzia de casos julgados em tribunais da Relação de Lisboa, Porto e Coimbra, cujos acórdãos o PÚBLICO consultou, não consideram que a palavra "palhaço" seja considerada ofensa à honra. Ainda que possa ser "subjectivamente relevante mas não é suficiente para espoletar a intervenção do direito, porque não é socialmente relevante", lê-se num dos acórdãos. A única excepção foi o caso do bloquista Daniel Oliveira, condenado a pagar dois mil euros a Alberto João Jardim por o apelidar de "palhaço".
A questão pode ser diferente por se tratar do Presidente da República. "Adivinha-se uma longa batalha legal. Vai depender de como os tribunais entenderem o carácter ofensivo da expressão, do texto e do contexto em que se insere e até mesmo da repercussão que teve no público", limitou-se a dizer ao PÚBLICO o penalista Manuel Costa Andrade.
A questão que se pode colocar é se foi um ataque ao titular do órgão ou à própria instituição do órgão - a Cavaco-cidadão ou a Cavaco-Presidente. A jurisprudência sobre o discurso político tem evoluído num sentido mais liberalizante, em especial influenciada pelo Tribunal Europeu. Neste caso será preciso analisar o grau de violência da crítica e a intenção malévola de denegrir a figura de Cavaco. Mas tudo tem de ser considerado como estando dentro do campo da luta política. Ora, não sendo Sousa Tavares um agente político como Cavaco, é interveniente no espaço político ao exercer funções de comentador.

PSD manifesta repúdio

Para o vice-presidente do PSD Jorge Moreira da Silva, Sousa Tavares ultrapassou os "limites" da "legítima e desejável crítica livre e democrática a todos os responsáveis políticos e órgãos de soberania, incluindo o Presidente da República". Em nota citada pela Lusa, "o PSD repudia as declarações insultuosas", considerando que foram ultrapassados os "limites para o combate político". Sousa Tavares "escolheu insultar - e não criticar - o Presidente da República" e esse facto é agravado por se tratar "de uma pessoa com as responsabilidades adicionais, perante o grande público". Já o líder parlamentar do CDS-PP, Nuno Magalhães, classificou como "manifestamente inadequadas" as declarações do escritor. "Independentemente das opiniões políticas, numa sociedade aberta, o Presidente da República e chefe do Estado representa Portugal e merece, por isso, respeito e deve ser preservado no debate político", acrescentou à Lusa o vice-presidente do CDS-PP.
Pouco depois de conhecida a queixa do Presidente à PGR, a página oficial de Aníbal Cavaco Silva no Facebook começou a registar comentários de insultos e até links para fotografias e vídeos com palhaços.
O PÚBLICO questionou a Presidência da República, que salientou tratar-se da página pessoal de Cavaco Silva e não da instituição. Mas pouco depois, os comentários com insultos foram desaparecendo à medida que eram publicados, ainda que a sua contagem não parasse. Foram deixadas as mensagens de apoio e as que criticavam os insultos. Foi também criada a página "Queremos um milhão de pessoas a chamar "palhaço" a Cavaco Silva", e chegou a circular uma carta forjada, com a assinatura do Chapitô e de uma falsa Associação Portuguesa de Palhaços, que também insultava o Presidente.

Código Penal. "Palhaço", mas só em sentido político. Será insulto?

Por Susete Francisco in (jornal) i online
publicado em 25 Maio 2013

Miguel Sousa Tavares chamou “palhaço” a Cavaco Silva. Belém perguntou à Procuradoria se é uma ofensa, a PGR acha que pode ser e vai investigar, o jornalista chamou-lhe um “deslize”. Liberdade de expressão ou ilícito criminal? Resposta do advogado Carlos Pinto de Abreu: “Deixem-se de palhaçadas.”
"Nós já temos um palhaço. Chama-se Cavaco Silva. Muito pior do que isso é difícil." As palavras de Miguel Sousa Tavares ao "Jornal de Negócios" levaram ontem a Procuradoria-Geral da República (PGR) a abrir um inquérito ao jornalista e comentador, considerando que "as expressões proferidas são susceptíveis de integrar a prática do crime de ofensa à honra do Presidente da República". Foi o próprio chefe do Estado a solicitar à PGR a análise das declarações.
Miguel Sousa Tavares já veio admitir ter sido "excessivo". "É muito simples, eu não tenho nenhuma consideração política pelo professor Cavaco Silva, conforme é público, mas tenho pelo chefe de Estado, seja ele quem for e nesse sentido reconheço que não devia ter dito aquilo", afirmou à Lusa, qualificando as suas palavras como um "deslize". "Obviamente que lhe chamei palhaço no sentido político", ressalvou ao "Expresso".
Mas será o "deslize" um ilícito criminal? Para Pedro Bacelar Vasconcelos a resposta à pergunta é "não". "Na minha opinião pessoal trata-se de um exercício de liberdade de expressão. No limite, mas um exercício da liberdade de expressão. Tem uma carga insultuosa, mas atendendo a que se trata de um cargo público a apreciação dos actos do seu titular tem de estar sujeita a uma maior tolerância quanto aos termos usados pelos cidadãos", afirmou ao i.
Já o penalista Carlos Pinto de Abreu é mais cáustico: "Deixem-se de palhaçadas." "Não têm coisas mais importantes para tratar? Todos, comentadores, Procuradoria-Geral da República, Presidente da República", questiona. Rogério Alves, ex-bastonário da Ordem dos Advogados, não vê razão para o assunto acabar na barra dos tribunais: "Parece-me uma afirmação infeliz e deselegante, mas que não chega a ter relevância criminal."
Na entrevista, Sousa Tavares diz que "já não temos idade para brincar aos generais. O pior que nos pode acontecer é um Beppe Grillo, um Sidónio Pais. Mas não por via militar". Questionado sobre anteriores declarações de Pacheco Pereira, que defendeu que o país pode acabar nas mãos de um "ditador populista, um palhaço", o jornalista responde então que "nós já temos um palhaço. Chama--se Cavaco Silva".
Bacelar Vasconcelos admite que "há aqui matéria, do ponto de vista jurídico". Mas aponta um caso "análogo", passado em França com Nicolas Sarkozy - um cidadão francês foi condenado ao pagamento simbólico de 30 euros por ter exibido um cartaz dirigido ao então presidente em que se lia "Vai-te catar, seu idiota". O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos acabou por inverter a decisão, invocando a liberdade de expressão.
O Código Penal português estabelece que "quem injuriar ou difamar o Presidente da República é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa", um quadro agravado se a "injúria ou a difamação forem feitas por meio de palavras proferidas publicamente" - como foi o caso. Neste caso é aplicável "pena de prisão de 6 meses a 3 anos" ou "pena de multa não inferior a 60 dias". O Código Penal acrescenta que o "procedimento criminal cessa" se o Presidente "expressamente declarar que dele desiste".
Que o caso envolva o Presidente é inédito, mas não é a primeira vez que a palavra "palhaço" aparece na vida política portuguesa e acaba nos tribunais. Em 2008 o comentador Daniel Oliveira foi condenado ao pagamento de 2000 euros a Alberto João Jardim, precisamente por ter chamado "palhaço" ao presidente do governo regional da Madeira.

Podiam poupar-nos a este pequeno "circo"


Que o Presidente da República desça ao nível de uma querela menor é coisa que não se deseja

Editorial / Público

A notícia estava, ontem à noite, em segundo lugar nas mais partilhadas no site do jornal francês Le Monde, e isso diz bem do estado actual do país. O Presidente da República pediu à Procuradoria-Geral da República que abrisse um inquérito às declarações do jornalista, comentador e escritor Miguel Sousa Tavares, que, numa entrevista ao Jornal de Negócios, disse (a propósito de Beppe Grillo, em Itália) que Portugal já tinha "um palhaço. Chama-se Cavaco Silva". Mais tarde, em declarações à agência Lusa e ao Expresso online, reconheceu que "não devia ter dito aquilo" e que, embora não tenha "nenhuma consideração política pelo professor Cavaco Silva", tem-na "pelo chefe do Estado, seja ele quem for". A lei é clara: "Quem injuriar ou difamar o Presidente da República (...) é punido." Tratou-se, neste caso, de uma injúria? De uma difamação? De uma "ofensa à honra", como a classificou a própria Procuradoria? É certo que a crise acentuou a tendência para o azedume e até para a grosseria, transformando a impotência de lidar com ela num estado de irritação quase permanente. Como escreveu neste jornal Vasco Pulido Valente (a 12 de Maio), "a humilhação que se acumula já fez desaparecer a mais leve ideia de responsabilidade pela catástrofe em que nos metemos (ou em que nos meteram). Ficou só o ódio. (...) A vida pública começa a tomar um "tom" muito semelhante às piores fases do PREC". Pois bem: o pequeno "circo" montado em torno deste irrelevante episódio não só ameaça tornar-se no tema "do momento" como pode vir a transformar-se numa "batalha judicial longa". Como se não houvesse mais que fazer. O Presidente não devia ter descido ao nível de uma querela menor como esta e muito menos transformá-la num "caso" sério. Um pequeno reparo: os palhaços, profissionais dignos, animam-nos e fazem-nos rir. Os políticos, pelo contrário, raramente animam alguém. E sorrisos só conseguem arrancá-los pelas piores razões.


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