domingo, 12 de maio de 2013

Contradições, manobras e derivas.


O que se faz e não faz em tempo de deriva.

12/05/2013 Editorial/ Público

O que se anuncia para depois se "desanunciar" revela uma deriva governamental inaceitável

O Governo vai aplicar taxas sobre as pensões, tem de ser. O Governo já não tem a certeza de que vá aplicar taxas sobre as pensões, está a ponderar. O Governo não devia aplicar taxas sobre as pensões, diz um ministro importante do Governo que está a ponderar. O Governo afinal vai manter taxas sobre as pensões, diz o primeiro-ministro do Governo que já não pondera mais porque a troika o avisou que o tempo não está para ponderações. Mas isto é enquanto não se levantarem mais vozes a dizer que o corte nas pensões é inaceitável e que assim não pode ser. Nessa altura, o Governo vai admitir ponderar outra vez. E adiar a decisão, que não foi definitivamente aprovada nem definitivamente adiada. Como tudo o resto, aliás, por estes dias.
O que se passa com o anunciado e depois "desanunciado", para ser anunciado outra vez, corte nas pensões de reforma, passa-se com inúmeras matérias de que o Governo é responsável. São raras as medidas que surgem já como prontas a aplicar, depois do devido processo de discussão pública e de negociações com quem de direito. Em vez disso, anuncia-se que se faz para logo se vir dizer que talvez não se faça - como se depois de uma chicotada se oferecesse um doce ao chicoteado -, abrindo caminho para, à mínima distracção, se anunciar que se vai fazer outra vez. Com condicionantes, claro. A ser ponderadas mais tarde, talvez. Se isto é governar, bem poderia haver governos rotativos todas as semanas. Ao menos, mantendo-se o nonsense, mudavam os figurantes e o cansaço visual seria menor.
O problema é que, com tanta reviravolta, os ânimos exaltam-se. O crédito nas figuras públicas e nos partidos diminui. E o regime democrático vai-se erodindo de tal modo que alguns o dizem já suspenso, outros moribundo, outros ainda condenado. Isto quando, na verdade, o que devia ser condenado era esta forma errática de governar, esta deriva sem rumo certo, esta encenação de um poder penhorado a instâncias internacionais e que finge, para manter as aparências, ter voz activa naquilo em que já não tem voz alguma.
Não admira que, no meio da confusão que por aí se instalou, seja o vice-presidente da bancada parlamentar do PSD, Carlos Abreu Amorim, a dizer efusivamente que "o tempo político de Vítor Gaspar terminou", talvez sem se dar conta de que dizer isso é quase o mesmo que dizer que o tempo político de Passos Coelho (apoiante sem reservas de Gaspar como outrora o foi, sem grandes resultados, de Miguel Relvas) terminou também. Porque se se reclama, como também o faz Carlos Abreu Amorim, o "regresso da política", ela terá de vir por inteiro ocupar o espaço da indecisão e da submissão que tolhem o acto de governar.
O papel dos portugueses, espectadores incrédulos e já cansados de tanta deriva e de tanto ziguezague, está sofrer o mesmo desgaste que se atribui à democracia. Mas só eles é que a podem salvar, salvando-se. Não baixando os braços e mostrando-se cidadãos à altura de Portugal e da Europa.


Portas giratórias

Por Eduardo Oliveira Silva
publicado em 11 Maio 2013 in (jornal) i online

Paulo Portas está em maus lençóis, como definiu a análise cristalina que Manuela Ferreira Leite fez na TVI.

Há uma semana o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros parou o país para ir às televisões dizer que havia uma linha que se prendia com o rendimento dos reformados que ele não podia atravessar.
Logo na terça-feira, através do i e da sua manchete amplamente reproduzida mas nem sempre citada, explicou-se que afinal Portas tinha deixado passar um corte em pensões do Estado de 740 milhões, e para chegar a esse valor tinha de haver efeitos retroactivos.
Ora isso entra em contradição com a comunicação dominical e confronta o líder do CDS com três hipóteses complicadíssimas:

1. Dar o dito por não dito. Dizer que os portugueseso entenderam mal e que sempre tinha aceite o princípio do corte retroactivo. Seria vergar-se perante Passos Coelho, que ainda ontem na Assembleia teve um exercício de autoridade confirmando essa medida sem sequer argumentar com a convergência e invocando apenas a falta de dinheiro.

2. Impor ao parceiro de coligação o que todos entenderam, ou seja, que os pensionistas e reformados não terão os seus rendimentos tocados e a medida não será aplicada. Esse seria o cenário da derrota política de Passos.

3. Manter-se firme perante a inflexibilidade do chefe do governo e romper a coligação, deixando a Cavaco a solução do problema.

Sendo certo que Paulo Portas se dá bem com saídas giratórias, desta vez vai ter um trabalhão a safar-se deste imbróglio político.
A retroactividade das pensões do Estado aliada ao novo plano de mobilidade, que redundaria em alguns casos num despedimento ao fim de 18 meses dos funcionários que resistissem a rescisões ditas amigáveis, tem a ver com uma postura autoritária que ignora direitos humanos básicos.
As pensões adquiridas, sejam públicas sejam privadas, são sagradas. Já bastaram a contribuição extraordinária e os impostos que as cortaram para maltratar os que as recebem. Medidas suplementares destinadas a um nicho de pensionistas seriam a segregação directa e inconstitucional de um grupo social.
Quanto à convergência de pensões, está tudo feito.
O princípio foi adquirido em 2005. Desde 1993 que os funcionários públicos que entraram terão as suas pensões asseguradas através das regras da Segurança Social. Por aí não há que ver.
Portugal não precisa de cortes em pensões mas de um modelo de desenvolvimento e de retoma que deve ser europeu para ter sucesso.
As medidas imediatas têm de ser simples: baixar o IVA e o IRC, aproveitar o QREN como deve ser e sustentar o consumo interno, uma vez que o clima recessivo não permite contar com o aumento de exportações.
Hoje é claro que o governo está a perder terreno até no próprio PSD e que a manutenção do rumo político vai levar o país a outro resgate. Só não há um tumulto porque há luta por lugares autárquicos.
Estão a criar-se as circunstâncias que levam à tempestade perfeita. Mas, se pensarem bem, Passos e Portas ainda têm uma pequena margem para a contornar.

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