sexta-feira, 17 de maio de 2013

O que faz correr Paulo Portas?

Escolheu o filet mignon e deixou os ossos para os outros, e agora paga o preço político.


O que faz correr Paulo Portas?

Por José Manuel Fernandes in Público
17/05/2013

O especialista das fugas de informação foi tramado por uma fuga de informação. E pelas contradições da sua "linha vermelha"

Paulo Portas é o decano dos líderes políticos portugueses. Não é o mais velho - Jerónimo e Semedo são mais velhos -, mas é o que está há mais anos à frente de um partido. Ao ponto de hoje o CDS ser Paulo Portas e pouco mais. De resto nunca, na história da democracia portuguesa, um partido foi tão-só o seu líder como acontece com o actual CDS. Os episódios dos últimos dias tornaram isso ainda mais evidente, da mesma forma que aumentaram a perplexidade: o que quer Paulo Portas?
Sabia-se, desde o início, que esta seria uma coligação difícil. Inevitável, face ao resultado das eleições e à emergência financeira, mas mesmo assim difícil. Conheciam-se, também, os antecedentes de Portas, que já se coligara com três outros líderes do PSD - Marcelo, Durão e Santana - em casamentos que nunca tiveram finais felizes. Mesmo assim suspeito que havia então mais respeito mútuo entre os líderes do que há na actual coligação.
Esperava-se que Paulo Portas, promovido a ministro dos Negócios Estrangeiros, tivesse nesta coligação um outro peso e um outro empenhamento. É certo que a campanha eleitoral do CDS fora muito mais populista do que a do PSD, o que limitaria sempre a sua margem de acção num executivo que se sabia estar perante uma missão de enorme dificuldade. Só que se esperava, por Portugal estar, na prática, sob protectorado, e por boa parte de o seu destino se jogar no palco europeu, que o responsável pelas relações externas tivesse, desde o início, um protagonismo que Portas nunca teve. A "ditadura das Finanças", de que ele se queixa nas fugas de informação que vai deixando passar para os jornais, é uma consequência do mandato da troika, mas é também fruto da omissão do próprio Portas. As suas preocupações visíveis nunca passaram por amenizar o jugo dos que agora trata como "aqueles senhores", antes por disputar competências ao Ministério da Economia e andar pelo mundo a fazer "diplomacia económica". Escolheu o filet mignon e deixou os ossos para os outros, e agora paga o preço político.
Houve um tempo em que se acreditou que o CDS era um "partido de ideias", até por contraponto a um PSD que nunca se ocupou muito da ideologia e sempre fez gala no pragmatismo. Mas com Portas não conseguimos saber quais são as ideias do CDS. Nos dias pares, fala de democracia-cristã; nos dias ímpares, assume-se como conservador. Quando é oportuno e a plateia está a jeito, lança uma tirada liberal; quando procura os votos, vai antes pelos caminhos do populismo.
Não tem sido muito diferente, nem menos contraditório, o comportamento do CDS na coligação. Lembram-se de qual foi a grande causa na negociação do acordo com o PSD? Isso mesmo: evitar a privatização da RTP. Não por dificuldades conjunturais, mas por dogmas de princípio. O futuro da RTP ocuparia, de resto, muito tempo a Portas nestes dois anos, com os resultados que estão à vista.
Ao mesmo tempo o líder centrista escolheu para o Governo dois ministros que, mesmo bem-intencionados, não têm tido palavra própria. Pior: dois dos temas que o levaram a assumir publicamente divergências - a TSU de Setembro e agora a "TSU dos pensionistas" - foram dossiers que passaram por um dos ministérios do CDS, o de Mota Soares. Não informou ele o líder do que se estava a passar? Ou foi tudo mais para eleitor ver do que o resultado de uma negociação normal no seio do Governo?
A perplexidade com o comportamento do CDS no executivo não fica por aqui. É este "partido de ideias" favorável ao fim dos regulamentos inúteis e à extinção das taxas que oneram a economia, na linha de algumas medidas tomadas pelo secretário de Estado do Turismo, Adolfo Mesquita Nunes, ou favorece antes o intervencionismo estatal e a multiplicação de taxas absurdas, como tem sido habitual no ministério de Assunção Cristas? Talvez seja de perguntar a Paulo Portas.
O ano passado, quando o Tribunal Constitucional tomou a sua primeira decisão com impacto nas políticas orçamentais, percebeu-se de imediato que o que não poderia ser feito por via da redução da massa salarial da administração pública acabaria por ser feito por via dos impostos. É essa a realidade do Orçamento de 2013, como todos os portugueses descobrirem no momento em que Vítor Gaspar anunciou o "enorme aumento de impostos". No entanto, entre a decisão do TC e a apresentação do OE, durante o Verão de 2012, vários dirigentes do CDS vieram a público dizer que não seria possível aumentar mais os impostos. Viu-se. Tal como se viu a amnésia dos comentadores relativamente a essas promessas.
Agora, quando Paulo Portas surgiu a definir a sua "linha vermelha", já não houve a mesma condescendência. E o feiticeiro saiu chamuscado. É fácil perceber porquê.
O primeiro problema da comunicação do líder do CDS foi a sua ambiguidade. A "TSU dos pensionistas" de que se falava fora apresentada como uma taxa semelhante à actual contribuição de solidariedade, que só afecta as pensões acima de 1350 euros e cerca de 10% dos pensionistas, uns 350 mil. Ora Paulo Portas veio falar de três milhões de pensionistas afectados. O que é que ele sabe sobre essa hipotética taxa que nós não sabemos?
O segundo problema foi a posição falsa de Portas. Aparentemente, evitar-se-á a taxa se se conseguirem reduzir as despesas noutros sectores do Estado, o que significa que isso depende em boa parte do próprio Portas, pois é ele que tem nas mãos o dossier da reforma do Estado - um dossier sobre o qual mantém um pesado silêncio. Se até agora ele próprio não conseguiu essas poupanças num processo em que seria, em nome da "linha vermelha", o principal interessado, que garantias haverá de que isso será obtido até Outubro, até à definição do próximo Orçamento?
O terceiro problema deriva da nossa dependência relativamente à troika. Portas tinha obrigação de saber que a medida teria de ser inscrita no memorando de entendimento, mesmo que sem carácter obrigatório. Como fingir que isso era uma grande vitória sua? Fazendo o habitual jogo de fugas de informação para a imprensa, só que desta vez o tiro saiu-lhe pela culatra. Não por causa da fonte governamental que disse ter havido uma espécie de recuo do CDS - mas por todos, jornalistas incluídos, terem percebido que tinha mesmo havido um recuo do CDS. Uma semana de declarações de líderes centristas a tentar corrigir essa impressão não produziu efeito que se visse.
Tem sido por estes caminhos, e por ser indiscutivelmente um dos líderes políticos mais inteligentes e mais bem preparados, que Paulo Portas tem conseguido o milagre de manter vivo um CDS que quase não tem militância, nem base autárquica, nem quadros políticos com prestígio. Mas estes caminhos são tão perigosos como a eterna ilusão da equidistância entre o PS e o PSD. E não só: o país precisa mais de um "partido de ideias" no centro-direita do que de um gémeo menor da costela populista do PSD. Pelo que Paulo Portas faria bem melhor em procurar dar um sentido político às reformas que o seu Governo (julgo que ainda é o "seu" governo) está a fazer, do que em preparar-se para, um dia, deixar de ser ministro de Estado de Passos Coelho para ser ministro de Estado de António José Seguro. Nessa altura já ninguém olhará para ele como ministro em pose de Estado, apenas como muleta definitivamente provisória de coligações periclitantes.



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