Vinte e quatro horas depois de criticar Barroso em off, Governo alemão elogia-o em on
Por Lurdes Ferreira e Isabel Arriaga e Cunha, em Berlim in Público
17/05/2013
PÚBLICO e El País escreveram ontem sobre as críticas. Grego I Kathimerini fala sobre "distanciamento"
As críticas de altos responsáveis do Governo alemão à acção da Comissão Europeia junto dos países-membros sob programas de austeridade, sobretudo Portugal, Grécia e Espanha, suscitaram ontem um esclarecimento da chancelaria de Angela Merkel.
"A Comissão Europeia desempenha um papel central e vital na gestão da saída da crise na Europa. A Comissão e o seu presidente, José Manuel Barroso, actuam com muita capacidade e vigor: também é deles o mérito do início da confiança que começa a regressar à Europa e à zona euro. O presidente Barroso e a chanceler Merkel estão em completo acordo de que tanto a consolidação orçamental como as reformas estruturais que permitam um crescimento sustentável têm de ser continuadas. O Governo alemão apoia plenamente os programas negociados entre os Estados-membros e a troika e tudo fará para apoiar a sua implementação."
A posição da chancelaria alemã foi divulgada na sequência de reacções de Bruxelas às críticas proferidas por altos responsáveis daquele país, que pediram o anonimato, e foram transmitidas a vários jornais europeus. O PÚBLICO e o El País revelaram essas críticas na edição de ontem. O diário grego I Kathimerini, que se concentrou em assuntos mais domésticos, falou de um "distanciamento" de Berlim em relação a Bruxelas. O PÚBLICO noticiou que na Alemanha as equipas da Comissão Europeia, BCE e FMI são acusadas de impor receitas erradas e de ninguém assumir a responsabilidade pelos erros dos programas de ajuda externa.
As críticas dirigem-se especialmente à Comissão Europeia e ao seu presidente, Durão Barroso, citando-se ainda os milhares de milhões de euros de fundos estruturais da UE, atribuídos entre 2007 e 2013, que ainda estão por usar em Portugal e na Grécia devido à rigidez das regras europeias. Também não é poupado o facto de não ser dado aos países com ajuda externa uma derrogação temporária às regras da concorrência, para favorecer medidas que estimulem o crescimento. O El País escreveu que Berlim "disparou com dureza contra a troika e sobretudo contra a Comissão e o seu presidente, a quem acusa de uma gestão repleta de erros que não leva a parte alguma". Publicamente, Durão Barroso não reagiu às críticas. Numa intervenção oficial aproveitou para se dirigir à linha de tensão franco-alemã. Apelou à França para que siga o seu caminho de reformas, insistindo em particular nas reformas do mercado de trabalho e na abertura do sector ferroviário a mais concorrência.
Quanto a Berlim, Barroso avisou para não se deixar ficar para trás. O nível de dívida é ainda alto e deve ter mais concorrência nos serviços, aconselhou. Em relação aos salários, disse que apoiava que "estivessem mais adaptados ao aumento de produtividade".
Ontem, Hollande propôs um governo económico para a zona euro, com orçamento próprio. E Merkel defendeu que é precisa uma cooperação económica mais estreita.
Merkel acusa Barroso e troika de serem os culpados da austeridade
Por Margarida Bon de Sousa in (jornal) online
publicado em 17 Maio 2013
Austeridade é culpa da cegueira de Bruxelas e presidente da Comissão Europeia devia ter nomeado comissário para a Grécia
Zangam-se as comadres, sabem--se as verdades. Afinal a austeridade sacrossanta que castiga países como Portugal não é culpa de Merkel ou de Schäuble, os maus da fita para mais de metade da Europa. Não. A culpa é de Bruxelas, da Comissão Europeia e do incompetente presidente Durão Barroso. Pela segunda vez em menos de um mês, o verniz voltou a estalar entre a Alemanha e Bruxelas, deste vez em sentido totalmente contrário ao da posição de Berlim quando o presidente da Comissão Europeia disse que já bastava de austeridade. Quarta-feira, num encontro informal em Berlim com jornalistas, Wolfgang Schäuble, ministro das Finanças alemão, afirmou que os programas de ajustamento da troika são demasiado rígidos e com pouca flexibilidade, criticando Durão Barroso por não ter nomeado um comissário europeu para a Grécia. Já Angela Merkel, que também participou na reunião, defendeu que o pacote de 6 mil milhões de euros para promover o emprego jovem na UE deveria antes ser utilizado para pagar reformas, de forma a serem criadas vagas nos empregos já existentes.
As afirmações dos dois dirigentes alemães surgiram no mesmo dia em que foi tornado público que o produto interno bruto (PIB) da zona euro contraiu 0,2% nos primeiros três meses de 2013, o que representa a sexta queda trimestral consecutiva, naquela que é a maior e mais longa recessão desde a criação do euro. Nove destas 17 economias recuaram enquanto o PIB no conjunto dos 27 estados-membros contraiu 0,1%.
Volte-face Os novos dados dão um apoio renovado a todos aqueles que defendem há muito que mais austeridade só vai criar mais recessão, numa espiral sem fim à vista. A própria Alemanha, a maior economia da zona euro, cresceu 0,1% em relação ao trimestre anterior, mas decresceu 0,3% face ao mesmo período do ano passado. Já a França, a segunda maior economia do conjunto de países que utilizam a moeda única, também caiu 0,4% relativamente a período homólogo de 2012, ao mesmo tempo que registou uma nova contracção de 0,2% relativamente ao último trimestre do ano passado.
Foi certamente este quadro que por fim levou Berlim a juntar a sua voz contra a austeridade à de outros países como a Grécia, Espanha e Portugal, demarcando-se da Comissão Europeia, apesar de até agora a senhora Merkel ter sido sistematicamente apontada como a grande incentivadora dos programas impostos pela troika (Comissão, BCE e FMI) a todos os estados-membros que necessitaram de resgates para não entrarem em default (Portugal, Grécia, Irlanda e Chipre). A este volte-face não será alheio o facto de a chanceler alemã, que ainda mantém um alto índice de popularidade, ter pela frente uma terceira reeleição, pelo que a posição agora assumida pode inserir-se na sua próxima batalha eleitoral, depois de várias derrotas consecutivas da CDU em eleições regionais.
Durão criticado Em Abril, o porta-voz da CDU “convidou” Durão Barroso a precisar o que quis dizer quando afirmou numa conferência de imprensa que os limites à austeridade eram visíveis em alguns aspectos. “Apesar de esta política estar fundamentalmente correcta, penso que alcançou os seus limites em muitos aspectos, porque uma política, para ser bem sucedida, não pode ser apenas bem estruturada. Tem de ter um mínimo de apoio político e social”, disse na altura o presidente da Comissão Europeia.
Quarta-feira, e noutro encontro com jornalistas, Durão Barroso, acompanhado do presidente da França, François Hollande, teve um discurso mais politicamente correcto, optando por pôr a tónica das suas declarações na vitória da União Europeia, por, no seu conjunto, ter finalmente atingido o valor mágico de 3% para o défice. Um dado que nem Merkel nem Schäuble valorizaram em Berlim.
Berlim tem um problema
Terá soado um sinal de alarme na Alemanha? Pelo menos, um novo capítulo parece ter começado
Editorial / Público
Há uma mudança de discurso clara. Onde antes a tónica estava no rigor e na necessidade de os países periféricos respeitarem os ajustamentos, agora fala-se em erros dos processos de ajustamento conduzidos pela troika e responsabiliza-se em particular a Comissão pela sua ineficácia. A mudança de tom anuncia um novo capítulo e suscita dúvidas. Primeiro, a Alemanha continua a defender as reformas estruturais, como sempre fez. Segundo, mesmo que se possa demarcar das receitas aplicadas pela troika nos países sob ajustamento, é preciso lembrar que Berlim penalizou os países em crise na zona euro sobretudo pelo que não tem deixado fazer, como os eurobonds ou a união bancária. Mas o certo é que Berlim tem um problema. O crescimento débil de 0,1 % reflecte a forma como uma economia exportadora é prejudicada pela crise da zona euro e também pelo abrandamento do ritmo de crescimento da China. Cedo ou tarde, a maré da crise iria bater à sua porta. E não é apenas económica, é política. O crescente isolamento de Berlim e o declínio da confiança na UE, provocado por esta crise, são problemas muito sérios que a Alemanha não pode continuar a ignorar. Abrem-se os caminho do pós-troika, que Portugal também começa a pensar agora, com a possibilidade de ainda vir a ser necessário um programa de ajustamento de outro tipo, como referiu ontem o think tank belga Bruegel. E a Comissão é um bode expiatório útil: fica ao mesmo tempo mais fragilizada e sob forte pressão para mudar a sua estratégia face à crise. Era bom que as estratégias mudassem, mas é perigosa uma ainda maior fragilização da Comissão, uma vez que prejudica ainda mais a dimensão supranacional da UE. A poucos meses das eleições, terá soado um sinal de alarme na Alemanha? A única certeza é que a chave da saída para a crise continua a estar em Berlim. E, até aqui, a Alemanha tem sido mais parte do problema do que da solução.
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