Conheça o mundo louco de Bruxelas. Como viver à margem da realidade.
Por Margarida Bon de Sousa in (jornal) i online
publicado em 20 Maio 2013
O metro que serve o coração das instituições europeias parece o de Londres na Segunda Guerra Mundial. Nem as comunicações funcionam.
“Enganámo-nos, pronto.”
A frase é de uma fonte oficial de Bruxelas ligada à célebre madrugada de sábado de 16 de Março, em que foi decidido o resgate à banca cipriota e a taxação de todos os depósitos bancários. Este “enganámo--nos” diz especificamente respeito à taxa prevista para os aforradores com poupanças inferiores a 100 mil euros, que acabou por ter um impacto muito pior que o esperado nos mercados financeiros e levou o Eurogrupo a recuar na decisão, 24 horas depois de esta ter sido anunciada, mantendo a protecção às poupanças abaixo dos 100 mil euros.
Mas o cenário que está em cima da mesa para os países com bancos em perigo de falência não é mais tranquilizador. Os primeiros penalizados serão os accionistas, mas não se descarta a hipótese de que os maiores depositantes venham a ser também afectados, abrindo caminho a um êxodo em massa das maiores contas bancárias da zona euro para países terceiros onde não estejam sujeitas à imprevisibilidade das políticas europeias.
Esquizofrenia
Entrar hoje na Comissão Europeia ou no Conselho, órgão que reúne os chefes de Estado dos 27 estados-membros que compõem a União Europeia, é como entrar na cabeça de um esquizofrénico: a primeira e mais imediata ideia com que se fica é que existe um total desfasamento dos eurocratas da realidade, com todos a defenderem a mesma posição oficial, independentemente das convicções pessoais e do impacto que estas estão a ter no dia--a-dia de milhões de cidadãos europeus. Mais. A menor ou maior adesão ao discurso oficial – a necessidade de os 17 países da zona euro porem em ordem as suas contas públicas (3% de défice e 60% de dívida pública no PIB) – só é perceptível pela ligeira diferença de timbre na voz dos porta-vozes dos diversos comissários europeus.
À volta da mesa discutem-se actualmente temas como a futura união bancária, com um sistema único de supervisão europeu, que na melhor das hipóteses é para avançar no Verão de 2014, só nos pontos em que não é preciso alterar os tratados. Ou seja, e numa comparação mais compreensível para o comum dos mortais, está-se a discutir por onde passarão as futuras condutas de água para apagar um incêndio que ameaça no dia de hoje dizimar milhões de quilómetros quadrados de floresta. E qualquer que seja a questão, os finalmente são sempre iguais. Não há forma de adequar as respostas da pesada máquina europeia à premência dos problemas nem da crise.
Comunicação precisa-se
Inovador é o facto de a Comissão Europeia estar finalmente a dar prioridade à necessidade de explicar as suas políticas aos milhões de europeus que nunca acreditaram que se poderia passar fome num modelo que lhes foi apresentado como o ideal máximo da democracia, da protecção social e do bem-estar.
Mas é verdade. Isto apesar de os três edifícios que acolhem os funcionários europeus (dois da comissão e um do conselho) levarem dez a zero de qualquer um em Portugal no que respeita às comunicações. Na sala onde Durão Barroso dá as conferências de imprensa não há acesso a internet móvel a partir do momento em que o presidente da Comissão começa a falar. Mesmo os telemóveis ensurdecem devido à falta de sinal.
Em pleno século xxi, o Conselho e a Comissão também têm sistemas informáticos totalmente díspares, sem qualquer interactividade. Mais. Os níveis de segurança também são totalmente diferentes. Quem trabalha na Comissão consegue aceder ao email oficial a partir de casa; os colaboradores do Conselho nem isso. Esta realidade acompanha o diálogo de Barroso com os chefes de Estado da UE. Exemplo recente foi a importância dada por Bruxelas ao facto de a média do défice na zona euro ser agora de 3% do PIB enquanto Berlim se juntava aos críticos das medidas de austeridade, depois de conhecidos os dados mais recentes sobre a recessão na Europa.
No meio de tudo isto, a capital do “império” está submersa em obras infindáveis. A própria estação de metro de Schumann, que serve todos estes edifícios oficiais, assemelha-se a Londres durante os bombardeamentos da Segunda Guerra Mundial. Um dia, dizem-nos, será uma das maiores plataformas de ligação entre transportes públicos da Europa. Isto se até lá a União conseguir sobreviver à crise do euro.
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