domingo, 26 de maio de 2013

O caminho que resta para sair da crise.Estratégia das empresas volta-se cada vez mais para fora da União Europeia.


O caminho que resta para sair da crise.

Editorial / Público
Se há um desígnio que deve unir o país, esse desígnio é, sem dúvida, o das exportações.

Nunca, nas últimas décadas, o destino da economia portuguesa dependeu tanto das exportações como hoje. Como que cumprindo uma profecia, o futuro do país voltou a depender do que for capaz de fazer lá fora. O Governo sabe-o, os empresários reconhecem-no e todos os cidadãos já perceberam que, nos próximos anos, o recuo provável do consumo interno só poderá ser equilibrado com uma maior capacidade de colocar produção no exterior. A série de trabalhos que o PÚBLICO dedica às exportações é um reflexo dessa convicção sobre a inexistência de alternativas para se evitar o empobrecimento continuado. Olhando para os indicadores da última década, há algumas razões que nos permitem acreditar que essa alternativa é viável: nos primeiros anos do euro, o peso das exportações no Produto Interno Bruto rondou os 28%; este ano, deverá ultrapassar os 40%.
O arrefecimento dos mercados externos, principalmente os europeus, começa a causar danos. A quebra continuada do investimento (35% nos últimos anos) ameaça o futuro. Depois, convém notar que o perfil de especialização e de incorporação tecnológica dos bens exportados remete mais para uma economia do passado do que do futuro. Mais de 60% dos produtos exportados em 2012 tinham uma incorporação de tecnologia baixa e médio-baixa, o valor mais alto desde 2000. Pelo contrário, as vendas de produtos com elevado valor tecnológico recuaram de 12% para 7,2% do total. O que isto quer dizer é que o crescimento das exportações se fez mais com bens agrícolas ou manufacturas próprias de países atrasados do que com produtos e serviços próprios dos países avançados.
Esta realidade não é, por si só, uma má notícia. Como o economista Augusto Mateus não se cansa de referir, mais importante do que o valor bruto das exportações é a parte delas que fica como riqueza em Portugal. Por isso, o discurso do choque tecnológico merece ser ponderado. Os velhos sectores da economia, do sector primário às indústrias tradicionais, são os que estão a gerar o impulso das exportações. O desafio do futuro é preservar-lhes a dinâmica, embora todos os especialistas reconheçam que acreditar em exclusivo no seu potencial não resolverá o problema de fundo. Como bem reconhece o ministro da Economia, o actual peso das exportações no produto não basta para travar o declínio da riqueza em Portugal. Nenhuma pequena economia pode aspirar ao crescimento sustentado com tão poucas exportações. Veja-se o caso da Holanda, que exporta bens e serviços equivalentes a 83% do PIB, da Irlanda (107%), da Hungria ou da Estónia (92%).
O desafio de aumentar as exportações é, por isso, duro, exigente e de resultados incertos. Portugal precisa de mais e maiores empresas, com outra vocação, com abertura à inovação e, principalmente, com confiança para investir. Pela frente, há muitas incógnitas e muitos riscos. Mas não se vislumbram alternativas. Se há um desígnio que deve unir o país, esse desígnio é, sem dúvida, o das exportações.


Estratégia das empresas volta-se cada vez mais para fora da União Europeia.

Por Pedro Crisóstomo in (jornal) i online
27/05/2013

A perda de dinamismo do mercado europeu forçou as empresas a procurar mercados alternativos.

Omã, Arábia Saudita, Colômbia - as empresas portuguesas estão em trânsito para novas geografias, exportando cada vez mais para o outro lado do Atlântico e do Índico. A crise acentua a tendência
O comboio do comércio internacional das empresas portuguesas começa a abrandar de velocidade com a crise europeia, mas não o apetite das exportadoras por novas geografias - novos mercados que, da América Latina ao Norte de África, do Golfo Pérsico ao Extremo Oriente, estão a ajudar o sector a reorientar-se, tornando-o menos dependente do mercado europeu e mais aberto aos países emergentes. E é à conta deste impulso para fora da Europa que os empresários das exportadoras ouvidos pelo PÚBLICO (ver páginas seguintes) estão tantas vezes num frenesim em trânsito para outro lado do globo, de malas prontas para mais uma viagem de trabalho ou uma prospecção de mercado.
O Velho Continente continua a ser o grande destino das exportações nacionais - o seu peso no total de bens vendidos ao exterior em 2012 foi de 71%. Mas é para países fora do espaço da União Europeia que a comercialização de stocks mais está a aumentar.
Muitos são mercados com quem Portugal já tem um historial de exportação: Brasil, Venezuela, México, Angola, Moçambique, África do Sul, toda a região do Magrebe, Rússia, Turquia ou China. Não sendo novos mercados, têm vindo a ganhar a atenção dos empresários, seja pela dimensão do mercado, seja pelo potencial de crescimento económico ou pela aceitação dos produtos e serviços portugueses.
Mas há outros espaços onde a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) identifica novas oportunidades de negócios para as exportadoras portuguesas e onde até há poucos meses não estava presente.

Novas "antenas"

Na Colômbia, Índia e Emirados Árabes Unidos, a AICEP abriu delegações no início de 2012 nas respectivas capitais e é a partir delas que cobre países vizinhos onde também detecta potenciais compradores, distribuidores e importadores, funcionando como "antena" avançada dos interesses das exportadoras.
A partir dos Emirados Árabes Unidos, a Arábia Saudita passou, desde o ano passado, a fazer parte dos países cobertos pela AICEP. Mas há mais: o Kuwait, o Bahrein e Omã. Da Turquia é feito o acompanhamento do Azerbaijão; da África do Sul são cobertos o Botswana e a Namíbia; na Colômbia, é feita a ponte com o Peru; e no radar da delegação venezuelana está o Panamá.
Outros mercados estão a ganhar terreno, com destaque para o Norte de África e o Golfo Pérsico. Marrocos e Argélia estão já entre os 15 maiores destinos das exportações nacionais. E a Arábia Saudita é outro mercado "emergente" para Portugal, que para lá exportou mais 42,8% de bens em 2012 do que no ano anterior, graças sobretudo às vendas de óleos de petróleo, pedras para construção, papel e cartão, segundo dados cedidos ao PÚBLICO pela AICEP.
Mais países saltam à vista: mercados que representam ainda uma fatia muito pequena no bolo das exportações, mas que cresceram - também por isso - muito rapidamente como destino de bens. No ano passado, o escoamento de stocks para o Quirguistão, Omã, Uganda, Burundi, Papuásia-Nova Guiné, Venezuela ou Malásia cresceu a três dígitos. No caso de Omã - para onde Portugal exporta bens tão distintos como produtos químicos, tomates preparados, ferro, aço, cordas ou pneumáticos -, as exportações aumentaram 873%.
No Extremo Oriente, a China subiu em 2012 ao décimo lugar no ranking das exportações portuguesas (quatro posições face a 2011) e continua a ser um mercado com potencial de crescimento. Isso mesmo diz o secretário-geral da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa, Sérgio Martins Alves, considerando simbolicamente a segunda maior economia do mundo um "novo mercado" para Portugal pelo peso que tem ganho nos últimos anos. "E à China deveria juntar-se a Rússia, a Índia, a Indonésia, o Brasil, o México ou a África do Sul. Qualquer um destes mercados, se bem penetrados, representa muitíssimo mais do que vários destinos clássicos europeus somados", acentua.
Entre os sectores com maior potencial de crescimento na China, Sérgio Martins Alves encontra o agro-alimentar, que "está a ganhar cada vez mais relevância e deve ser uma aposta de futuro (do vinho ao azeite, das conservas aos lacticínios), mas também as TIC (tecnologias de informação e comunicação) e o sector industrial estão a aumentar as exportações (automóveis, etc.)".
Outro pólo de atracção é o Brasil, com um peso importante como destino de azeite, vinho, maçãs e pêras, gás de petróleo, cimentos hidráulicos e peixe congelado.
No entanto, entre os cinco primeiros países para onde Portugal mais exporta, apenas um é extracomunitário - Angola. Que mercadorias seguem para este mercado, que, não sendo novo, é estratégico para as exportadoras nacionais? Entre os produtos que (em valor) mais foram exportados estão cerveja, vinho, construções de ferro fundido, móveis, medicamentos e acessórios para automóveis.
Os países do Atlântico e do Índico estão a tornar-se canais privilegiados para as empresas escoarem seus produtos. Os empresários reconhecem que é importante encontrar importadores em novas geografias e uma ideia que a crise da moeda única veio reforçar foi como isso é importante para diminuir o risco de dependência de um mercado quando este começa a abrandar e entra em recessão, como aconteceu com a zona euro.
A verdade é que, nos três primeiros meses deste ano, as vendas de bens para a UE caíram 1,4% face ao mesmo período do ano passado, ao contrário do que está a acontecer com o mercado extracomunitário, para onde as exportações - embora tenham abrandado - continuam a crescer (4,7%), segundo dados do INE.
A perda de dinamismo do mercado europeu forçou as empresas a procurar mercados alternativos. Mas isso é também sinal de uma "mudança de mentalidade dos nossos empresários, que começam a olhar para o mercado global, procurando aproveitar as oportunidades onde [quer] que surjam", considera a economista Rosa Forte, docente e investigadora na área de Economia Internacional na Faculdade de Economia da Universidade do Porto.
Diversificar mercados é determinante para reduzir riscos a choques externos, embora diminuir a dependência de um mercado específico não seja só importante por isso. Rosa Forte enfatiza que partir para outras geografias cria também "oportunidades de aprendizagem na produção de novos produtos em novos sectores, na medida em que as empresas se deparam com consumidores com diferentes gostos e com outros ambientes de negócio".
Apostar na exportação de produtos alimentares, agrícolas, máquinas, material de transporte e nos sectores tradicionais, como o têxtil, o calçado ou a cerâmica, é importante, defende a investigadora. "Como, atendendo à nossa reduzida dimensão, não temos possibilidade de responder em escala, as empresas têm de procurar concentrar-se em nichos de mercado onde o preço não é um factor-chave", recomenda.





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