Um momento com a espessura e o drama como o que a capitulação de Portugal perante a troika simboliza dificilmente pode ser percebido pelos retratos instantâneos do jornalismo - é uma tarefa para o distanciamento da História. Quando essa tarefa se cumprir, talvez se recuperem as palavras de ontem de António Lobo Xavier, que considerou que a assinatura do memorando poderia ter sido evitada se o PEC IV não tivesse sido rejeitado pela oposição. Em duas frases claras, o destacado militante do CDS subscreve a tese de José Sócrates e coloca o actual Governo no papel de culpado pelo estado do país, quando até agora o discurso de Passos e de Portas o apontavam como vítima. A declaração de Lobo Xavier é por isso de enorme significado político. Mostra-nos a base de apoio ao Governo, ou ao menos parte dela, a contrariar a narrativa que o moldou. E sugere-nos a imagem de uma tripulação a discutir o rumo do barco por já não acreditar nem no porto de destino, nem na competência do seu comando para lá chegar.
Editorial / Público
Merkel nunca quis uma troika em Portugal”
Por António Ribeiro Ferreira
publicado em 18 Maio 2013 in (jornal) i online
António Lobo Xavier diz que os responsáveis pelo Memorando foram o PSD e o CDS.
No Conselho de Estado de segunda-feira alguns conselheiros vão dizer ao primeiro-ministro e ao Presidente da República que o governo deve cair. A sétima avaliação foi fechada por “milagre” e a troika vai esperar para ver o que acontece em Portugal antes de avançar para a oitava. O CDS e Paulo Portas vão tremer quando o FMI publicar o seu relatório sobre a sétima avaliação com as medidas, uma a uma, que valem cortes de 4800 milhões para 2014 e o Eurogrupo de 20 de Junho aprovar as maturidades para Portugal e a tranche ainda suspensa de 2 mil milhões de euros. Com a TSU dos reformados e a convergências do sistema de pensões do Estado com o da Segurança Social no menu.
O governo está por um fio e o congresso do CDS de 6 e 7 de Julho pode ser o funeral da coligação com o PSD e, quem sabe, o fim de Paulo Portas como líder dos centristas.
Aprendiz de feiticeiro A crise está instalada. E se à esquerda a contestação não é novidade, a direita em peso começa a mobilizar-se para derrubar o governo e contar algumas verdades que até agora eram mentiras descaradas do governo socialista que pediu ajuda externa em Abril de 2011. Quinta-feira à noite, na “Quadratura do Círculo”, da SIC Notícias, António Lobo Xavier, homem próximo de Paulo Portas e nomeado pelo governo para elaborar a reforma do IRC, veio dizer que afinal a narrativa de Sócrates sobre o chumbo do PEC IV e o pedido de resgate é verdadeira: “A entrada da troika em Portugal resultou da pressão exercida pelo PSD e pelo CDS-PP.” A chanceler Angela Merkel “não queria uma intervenção concertada, regulada, com um Memorando. Este aparato formal de Memorando com regras, promessas e compromissos, tudo medido à lupa”. E António Lobo Xavier disse mais. A entrada em Portugal das três instituições que compõem a troika foi liderada por um “aprendiz de feiticeiro”. Quando lhe perguntaram quem era, clarificou: “O aprendiz de feiticeiro é o primeiro-ministro.”
Troika é álibi de Gaspar E se no CDS o ambiente é este, no PSD é ainda pior. Quinta-feira, no seu habitual comentário na TVI24, Manuela Ferreira Leite apontou as baterias a Vítor Gaspar a propósito dos cortes de 4800 milhões na despesa pública, em particular os que afectam os reformados públicos e privados. Para a ex-líder do PSD, “há aqui uma encenação e dramatismo à roda dos cortes nas pensões. E o ministro das Finanças quer fazer tudo o que acha que tem a fazer enquanto tem o álibi da troika. Não acredito que a troika tenha imposto isto nesta situação”. Manuela Ferreira Leite foi mais longe ao afirmar que Vítor Gaspar faz isto tudo por “crença”.
Pacheco Pereira, crítico de primeira hora do governo, concordou na quinta-feira com António Lobo Xavier quando o centrista chamou “aprendiz de feiticeiro” a Passos Coelho. E numa entrevista ao “Jornal de Negócios” diz que “esta gente está a gozar connosco, está a tratar--nos como súbditos”.
A palavra de Portas Foi neste ambiente conturbado que Paulo Portas voltou à TSU dos reformados também na quinta--feira à noite: “Sou politicamente incompatível com a chamada TSU dos reformados, tenho uma palavra e não duas ao mesmo tempo.”
A última pode estar para breve. A palavra “demissão”, algo que o semanário “Sol” garante ter sido pronunciado por Passos Coelho no dia 12 de Maio em Belém. A exemplo do que terá feito noutras duas ocasiões: TSU e Orçamento de 2013. Três ameaças, tantas como as vezes que Pedro negou Jesus Cristo.
Dois anos de troika. Promessas falsas e sacrifícios acima do esperado
Por Filipe Paiva Cardoso in (jornal) i online
publicado em 18 Maio 2013
O Memorando assinado com a troika foi vendido aos portugueses com a promessa de uma recuperação a curto prazo a servir de cenoura. Dois anos depois, o fracasso é evidente
“Os ministros das Finanças da zona euro congratulam-se com o apoio expresso pelos partidos da oposição e apelam a todos os partidos políticos para que garantam uma implementação rigorosa e rápida do programa.” A 16 de Maio de 2011 o Eurogrupo aprova o pacote de ajuda de 78 mil milhões a Portugal e aplaude a postura dos partidos então na oposição – e hoje no governo. Governo e oposição comprometem o país a chegar ao final de 2013 com um défice de 3%, uma dívida de 108,6% e já com a economia em expansão, de 1,2%.
Dois dias.
Este foi o tempo que demorou até chegar o primeiro sinal que o optimismo nas previsões não ia correr bem. 18 de Maio de 2011:o Instituto Nacional deEstatística divulga que Portugal tem afinal 689 mil desempregados em Março de 2011, mais 71 mil que em Dezembro de 2010. Este salto deveu-se tanto às mudanças no método de contabilização do INE, como à deterioração significativa da economia portuguesa no início de 2011. “Para os observadores do mercado de emprego estes dois efeitos desactualizam por completo a previsão do governo de 13% para o desemprego em 2013”, noticiava então o i. Longe estava o país de imaginar as derrapagens que se seguiriam, suficientes para destruir os pressupostos sobre os quais o ajustamento português foi pensado.
Défice
O acordo da troika com PSD, PS e CDS dizia que entre 2012 e 2014 Portugal acumularia um défice de 9,8% – com 4,5% em 2012, 3% em 2013 e 2,3% em 2014. Agora, as mais recentes previsões daCE apontam para um défice acumulado nestes três anos de 14,4%. A diferença, de 4,6 pontos percentuais, traduzida em euros, significa uma derrapagem de mais 7,6 mil milhões de euros de défice acumulado face ao desenho inicial do ajustamento português, valor que foi ajudar na engorda da dívida.
Dívida Pública
A derrapagem no défice, graças ao congelamento quase completo da actividade económica em Portugal, foi então uma das razões para que as metas definidas para a dívida também tenham derrapado, mas não foi a única.
O acordo inicial previa que este ano a dívida portuguesa chegaria ao seu máximo: 108,6% – perto de 184,6 mil milhões de euros. Porém, a evolução da crise, a deterioração da economia, das contas e das empresas tornou este objectivo risível. A última previsão daComissão Europeia para este ano aponta para uma dívida de 123% do PIB – 202 mil milhões de euros. São mais 17,5 mil milhões de euros que o previsto, uma derrapagem que equivale a 10,5% do PIBcom que Portugal chegará ao final deste ano. A derrapagem, contudo, não fica por aqui, já que a dívida deve continuar a crescer nos próximos anos, ao contrário do antecipado há dois anos.
Consumo privado
Era o alvo a abater pelas autoridades internacionais e nacionais:os portugueses vivem acima das possibilidades, logo, acabe-se com isso. Pior a emenda que o soneto:a austeridade devia fazer com que o consumo privado recuasse 5,1% de forma acumulada entre 2012 e 2013, mas a realidade e o “ir além da troika” acabou por provocar um recuo que já vai em 8,9%, contando com a quebra de 3,3% este ano, sendo esta a maior das causas da explosão do desemprego nos últimos anos.
Desemprego
Imagine cinco Estádios da Luz cheios. As cerca de 312 mil pessoas que enchem esses cinco recintos são aquelas que perderam o emprego em Portugal nos últimos dois anos e que, segundo a troika, não o iam perder. A austeridade, o congelamento do consumo e o intensificar da crise levaram a uma explosão do desemprego no país. Em meados de 2011 previa-se uma taxa de 12,4% de desemprego para este ano. Já as mais recentes previsões evidenciam que a taxa será no mínimo de 18,2%, ou seja: em vez de 668 mil desempregados, há 980 mil. São mais 47%.
Exportações
Era o trunfo na manga. A teoria para a recuperação portuguesa apostava em duas vias:esmagamento do rendimento para reduzir as importações e fazer explodir as exportações. A parte fácil até foi feita, com cortes salariais e o custo de vida a aumentar de tal forma que os portugueses deixaram de consumir. Agora, o difícil continua por fazer:o programa assenta a recuperação económica do país à boleia do crescimento das exportações, que deveria ser de 5,9% em 2012 e mais 6,5% este ano. Os números mais recentes mostram, contudo, que as exportações só irão crescer 3,3% e 0,9%, em 2012 e 2013.
PIB
A acumulação de derrapagens e dos efeitos secundários das mesmas, fez com que a evolução da economia portuguesa fosse no sentido oposto ao previsto no Memorando. Na teoria, seria já este ano que o crescimento regressava, com o PIB a expandir 1,2% em 2013, depois de uma contracção de 1,8% em 2012:os dois anos somados resultariam assim num recuo de apenas 0,6% do PIB. Os factos mostram um cenário bem mais negro:em 2012 e 2013 o PIB irá recuar 5,5%.
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