segunda-feira, 20 de maio de 2013

A ilusão de um Conselho de Estado. Cavaco quer discutir o pós-troika sem assumir crise política e o ano que falta.


A ilusão de um Conselho de Estado.
20/05/2013 - Editorial / Público

É impossível separar a discussão sobre o o pós-troika dos desentendimentos na coligação

Paulo Portas vai ser o grande ausente da reunião, hoje, do Conselho de Estado, na qual as fracturas dentro da coligação vão ser um tema central. Evidentemente, o tema do dia são as estratégias para o pós-troika. E, ao escolher este tema, o Presidente quis pôr um ponto final na crise da "TSU dos pensionistas". Depois de ter tido um papel decisivo para evitar a ruptura na coligação, Cavaco acha que já não está refém de Passos Coelho nem do Governo. E quer, com este Conselho de Estado, recuperar o espaço de manobra que perdera após a votação do Tribunal Constitucional. Para voltar ao centro do espaço político, o Presidente precisa de assumir o vértice de uma estratégia que se prolonga pela próxima legislatura: o pós-troika. É uma forma de poder vir a dizer, para os livros de História, que a crise foi superada graças a ele e não aos primeiros-ministros que, de Sócrates a Passos Coelho, não o quiseram ouvir. Nessa estratégia terá de caber o líder da oposição que poderá vir a ser o próximo primeiro-ministro. E ainda o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, que também reivindicou para si os louros de se ter evitado a crise no Governo. E que precisa de apresentar aos portugueses a narrativa do homem que salvou o país em Bruxelas para manter em aberto a possibilidade de uma candidatura presidencial em 2016. Por isso Barroso não gostou das críticas de Berlim à acção da Comissão nos países sob assistência, que põem em causa essa narrativa.
O Presidente gostaria, portanto, de ter o apoio dos conselheiros para uma estratégia para o pós-troika que o actual primeiro- -ministro e o seu putativo sucessor aceitem. Se as opiniões dos conselheiros valessem votos, Passos Coelho sairia em mau estado da reunião, pelo menos a julgar pelas posições públicas que são conhecidas de muitos deles, nomeadamente dos que estão no centro-direita. Mas não é de estratégias para este Governo que se vai falar.
Só que esse pós-troika não existirá, se este Governo não se aguentar, por causa das contradições internas ou do seu crescente isolamento no país. Por isso não é possível separar o pós-troika da crise actual. Nem o regresso aos mercados, se vier a ser bem sucedido (e que muito provavelmente ainda precisará de um programa de apoio de outro tipo), significará o fim do problema. A recessão e o desemprego vão continuar. As reformas fundamentais que terão de ser executadas são as que estão a ser decididas agora, por este Governo e pela troika. E não parece que esse processo esteja a correr exactamente da melhor forma. Temos um programa de cortes na despesa pública (alguns dos quais são reprovados por Cavaco), não uma reforma do Estado. E uma situação social que se agrava de dia para dia. O país precisa de uma estratégia para o pós-troika e o Presidente cumpre o seu papel ao introduzir esta questão na agenda. Mas não é possível alimentar a ilusão de que a discussão sobre o futuro pode ser feita ignorando o presente.



Cavaco quer discutir o pós-troika sem assumir crise política e o ano que falta.

Por Maria Lopes in Público.
20/05/2013

Conselho de Estado reúne-se incompleto para analisar as perspectivas da economia quando o país se libertar da troika. Mas os conselheiros deverão querer debater o presente e pensionistas
A intenção do Presidente da República é olhar para a frente, muito lá para a frente. Para daqui a um ano, quando a troika deixar formalmente Portugal. Cavaco Silva reúne-se hoje com os seus conselheiros de Estado para discutir o futuro da economia nacional quando o país já não estiver sob assistência financeira. Mas provavelmente esse será um olhar demasiado para a frente. Porque o pós-troika também passa pelo facto de saber se o actual Governo e as suas políticas se - e como - aguentam até lá.
Não será de estranhar, portanto, que boa parte dos conselheiros queiram abordar a situação presente, prevendo-se que o Presidente da República dificilmente consiga orientar toda a reunião sem se falar no longo caminho que será preciso percorrer até a troika ir embora, em Junho de 2014, e nas metas orçamentais apertadas que deixa para anos posteriores. Precisamente oito meses depois do último Conselho de Estado, Pedro Passos Coelho volta a entrar em Belém com um Governo debilitado. Mais ainda do que em Setembro passado - e na altura o primeiro-ministro deixou cair em Belém as mudanças na Taxa Social Única para patrões e empregados e comprometeu-se perante o Conselho a dominar a sua equipa, garantindo estarem "ultrapassadas as dificuldades que poderiam afectar a solidez da coligação partidária que apoia o Governo". Hoje, Passos pode voltar a prometer o mesmo, mas será em vão: Portas não está no Conselho de Estado e duvida-se que assumisse tal compromisso.
Solidez foi palavra que, porém, nunca mais se pôde aplicar à coligação. Nas últimas duas semanas a novela do apoio-discordância-recusa do CDS às alterações ao cálculo para as pensões já em vigor veio alargar o fosso entre Pedro Passos Coelho e Paulo Portas e teve ainda a desvantagem de ser representada na praça pública. A que se soma, pelo lado do PSD, um desconforto entre as bases e as estruturas dirigentes e governativas do partido, notório na ausência da maior parte das distritais do almoço de aniversário.
O Presidente também não é totalmente alheio ao cenário difícil do Governo: foi o motor para os pedidos de fiscalização do Orçamento ao Tribunal Constitucional, o que obrigou Passos Coelho a arranjar 1300 milhões de euros adicionais. Na última semana, Cavaco Silva juntou-se às vozes críticas da criação de uma taxa sobre as pensões: "Este grupo [reformados e pensionistas] tem sido duramente atingido nos últimos tempos e há limites de dignidade que não podem ser ultrapassados."
Por outro lado, ao querer debater já o pós-troika com os seus conselheiros, o Presidente mostra alguma abertura e validade às reivindicações do PS, cujo líder tem repetido à exaustão a necessidade de criar políticas de incentivo e crescimento da economia. Não é de estranhar que Seguro volte esta tarde a enumerar propostas socialistas para a reindustrialização e revitalização da economia. Ou o tema da crise de regime.

Dossiers europeus
A reunião do Conselho de Estado que decorre esta tarde no Palácio de Belém tem uma novidade. Pela primeira vez, o Presidente da República enviou aos seus 19 conselheiros documentação prévia ao encontro. Foi o próprio Cavaco Silva que, na semana passada, no Porto, revelou este facto.
Os documentos enviados são, segundo o PÚBLICO apurou, textos sobre a situação na União Europeia que o Presidente considerou de interesse distribuir aos conselheiros para abordar o tema que vai estar em cima da mesa: "Perspectivas da economia portuguesa no pós-troika, no quadro de uma união económica e monetária efectiva e aprofundada". É um dossier com documentação sobre questões europeias que está disponível no site da Comissão Europeia. "Considerei que era importante ouvir a reflexão dos conselheiros de Estado sobre matérias de relevância clara em Portugal à medida que se aproxima o fim do programa de assistência financeira, mas também para obter indicações para a posição portuguesa a ser defendida pelo Governo português no Conselho Europeu do mês de Junho", disse o Presidente, justificando a convocação da reunião - que fora anunciada dez dias antes pelo conselheiro Luís Marques Mendes, na SIC. Cavaco também visita as instituições europeias em Bruxelas e Estrasburgo dentro de um mês.
Outro facto novo é o da ausência do presidente do governo regional dos Açores na primeira reunião do Conselho de Estado em que devia participar desde que tomou posse em Novembro passado. Vasco Cordeiro preferiu participar na sessão solene do Dia da Região Autónoma dos Açores, na Assembleia Legislativa regional, na cidade da Horta, marcada para esta segunda-feira ao fim da manhã.
À margem deste facto novo, a reunião vai decorrer nos moldes habituais. O Presidente da República abre com a introdução do tema. Depois, os conselheiros, por ordem institucional - presidente da Assembleia da República, primeiro-ministro, presidente do Tribunal Constitucional, provedor de Justiça, presidentes dos governos regionais, os nomeados pelo PR e os indicados pelo Parlamento -, ou por ordem de inscrição pronunciam-se. Estas intervenções, entre dez a 20 minutos, podem ser seguidas por um segundo turno ou réplicas. Alguns dos conselheiros lêem um discurso previamente escrito, outros completam a sua intervenção com apontamentos da reunião. Terminada a fase de audição, o Presidente da República faz a conclusão da reunião. Depois é discutido e aprovado o comunicado final a ser divulgado ao país.
Normalmente, o guião não se desvia muito desta estrutura - o que pode acontecer é os conselheiros se mostrarem mais ou menos intervenientes. Em Setembro, por exemplo, o encontro demorou oito horas. Para o jardim em frente ao Palácio de Belém, tal como há oito meses, está hoje marcada uma concentração pelo movimento Que se lixe a troika. O "Conselho do Povo", como foi denominado, vai pedir ao Presidente que demita o Governo e o fim da austeridade. com Nuno Ribeiro

Sem comentários: