segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Inconstâncias, por Luís Rosa


Inconstâncias
Por Luís Rosa
publicado em 8 Set 2014 in (jornal) i online
Governo não pode querer hoje um debate sobre a dívida quando antes fugiu da reestruturação como o diabo da cruz

Quando se fizer a história do governo Passos Coelho há uma característica que estará em todas as versões: a inconstância. A recorrente mudança de discurso e o ziguezague estratégico fazem parte do ADN deste Executivo - de uma forma que nenhum psiquiatra conseguirá resolver. É uma marca que se vê nas autênticas reuniões do Conselho de Ministros em plena praça pública, como se está a assistir mais uma vez em relação à política fiscal que deve ser seguida no Orçamento do Estado para 2015, mas também nas sucessivas contradições do governo.

O tema da reestruturação da dívida é mais uma situação em que o governo dá o dito por não dito. Passos Coelho e os seus ministros das Finanças, Vítor Gaspar e Maria Luís Albuquerque, sempre garantiram que admitir uma renegociação da dívida seria devastador para a credibilidade de Portugal junto dos mercados. Foi essa a posição desde sempre, particularmente quando 70 personalidades defenderam publicamente, em Março último, a reestruturação da dívida pública.

Este fim-de-semana tudo mudou. Maria Luís Albuquerque admitiu, na Universidade de Verão do PSD e pela primeira vez, um debate no parlamento sobre a matéria, pedindo a cada um dos partidos propostas concretas sobre o tema. O que antes era uma questão que não se "coloca de todo", como a própria ministra admitiu em Março, passou a ser agora um problema que tem de ser debatido - a um ano das eleições. O facto de a dívida não parar de subir, ao contrário do que o governo e a troika prometeram em 2011, e os juros da dívida estarem a baixar de forma sólida, não será imune a essa mudança súbita. Mas a mesma afecta a credibilidade do governo num tema absolutamente essencial.

A credibilização do discurso político é um imperativo para a sobrevivência do actual regime. Não podemos estar permanentemente a dizer uma coisa e o seu contrário em pouco tempo - de que a recorrente falsa promessa de não subir os impostos é um exemplo máximo. É normal existirem algumas nuances no discurso político mas, tendo em conta a confiança que os portugueses têm na classe política, qualquer promessa não cumprida, qualquer contradição constatada, será sempre potenciada ao nível da mentira pura e simples.


O defeito não é só do actual governo PSD/CDS - como também não foi apenas dos executivos anteriores liderados por José Sócrates ou António Guterres. Estende-se a todos os líderes da oposição (sejam do PS, sejam do PSD) dos últimos 20 anos e a muitas áreas de governação que exigem medidas difíceis e duras que nunca são tomadas por falta de coragem política. Veja-se o caso da Segurança Social e as posições que os candidatos às primárias do PS têm tomado. O problema demográfico e a crise económica coloca uma pressão fortíssima sobre o orçamento da Segurança Social que implica tomar medidas impopulares. Reestruturar o sistema e cortar nas pensões são duas das medidas inevitáveis para qualquer governo que queira cumprir o Tratado Orçamental que Portugal assinou. Para que tal não acontecesse, seria necessário um crescimento económico semelhante ao dos anos 90. Tal ideia não se vislumbra minimamente no horizonte, mas isso não impede que António José Seguro e António Costa apontem a miragem de um forte crescimento do PIB como a solução para o problema gravíssimo da Segurança Social. Também esse discurso que, em vez de assumir a verdade dos números, os esconde debaixo do tapete, descredibiliza a classe política. "Liguem-se à realidade, sff" - é o que apetece dizer.

Sem comentários: