Convento privado reconstruído com
dinheiros públicos está abandonado
Comprado por um antigo ministro e grão-mestre da maçonaria, o Convento da
Orada, em Reguengos de Monsaraz, ameaça regressar ao estado em que estava antes
de ser reconstruído há 23 anos
Fundação Convento da Orada gastou, pelo menos 1,1 milhões de euros de
fundos públicos para restaurar o edifício
José António
Cerejo / 8-9-2014 / PÚBLICO
O Convento da
Orada, propriedade de uma fundação privada que gastou pelo menos 1,1 milhões de
euros de fundos públicos para o restaurar no início da década de 90,
encontra-se em adiantado estado de degradação e está abandonado há cerca de
cinco anos, no concelho de Reguengos de Monsaraz.
A cobertura do
edifício apresenta danos consideráveis, algumas construções anexas estão já em
ruína e com portas arrombadas, enquanto junto ao claustro pastam cavalos e
porcos.
Comprado em 1988
por João Rosado Correia – um antigo ministro socialista e ex-grão-mestre do
Grande Oriente Lusitano que nesse ano criou a Fundação Convento da Orada (FCO)
e faleceu em 2002 – o convento, situado na aldeia do Telheiro, junto à vila de
Monsaraz, foi palco, nos anos 90, de iniciativas culturais que lhe deram alguma
notoriedade. Durante uma dezena de anos funcionou também como hotel rural,
possuindo nas suas instalações um pequeno museu arqueológico. Há cerca de seis
anos a exploração comercial do complexo esteve em vias de ser entregue ao grupo
hoteleiro da família de José Miguel Júdice (advogado que já tinha ligações a
João Alberto Correia na sociedade do conhecido Restaurante Eleven), mas as
negociações entre a fundação e o grupo fracassaram.
Quem hoje procura
o convento depara-se com um matagal de ervas e cardos que ocupa o vasto largo
fronteiro e quase impede os visitantes de se acercarem. O branco da cal deixou
de brilhar nas paredes salitra-das e sob o arco da entrada principal vêem-se no
chão, despedaçadas, as placas de mármore que registavam a passagem de ilustres visitantes
como Mário Soares e Jorge Sampaio. Abandonado ou não? “Aquilo está abandonado
há meia dúzia de anos, só aí vinha às vezes o arquitecto, mas agora está
preso”, diz um pastor que por ali apascenta as suas cabras, referindo-se a João
Alberto Correia – um dos filhos de João Rosado Correia, que foi detido em Maio
por suspeitas de corrupção no exercício das funções de directorgeral de
Infra-estruturas e Equipamentos do Ministério da Administração Interna, das
quais se desligou em Fevereiro.
Os raros turistas
que descem de Monsaraz em busca do Cromeleque do Xerez, o monumento megalítico
que foi transferido para as imediações do convento devido ao enchimento da
Barragem de Alqueva, bem tentam perceber por que é que o convento, hotel rural
e museu de que falam os roteiros está naquele estado. “Está abandonado há meia
dúzia de anos”, repete o pastor, sem mais saber explicar. O mesmo é dito,
aliás, por outros moradores da aldeia e de Monsaraz.
Contactada por
email, a única maneira possível de o fazer, a Fundação Convento da Orada – que
tem morada de contacto na Escola Superior Gallaecia, um estabelecimento de
ensino da área da arquitectura de que é proprietária em Vila Nova de Cerveira,
no Minho, e que constitui actualmente a única expressão da sua actividade –
nega, todavia, que o edifício se encontre abandonado.
Através de um
advogado, afirma mesmo que, “nos últimos anos, o convento recebeu inúmeros
seminários, encontros e reuniões europeias, como se alcança da descrição das
principais actividades da fundação, presente nos seus relatórios”. No entanto,
os relatórios dos últimos seis anos, os únicos disponíveis no site da FCO, não
referem uma única actividade ali efectuada.
De acordo com o
advogado Diogo de Campos, “o edifício deixou de reunir nos últimos dois anos as
condições de segurança necessárias para a sua utilização permanente, em termos
culturais e turísticos”, em consequência de “diversos temporais e de sismos de
baixa intensidade, mas frequentes”.
Construído no
século XVIII, o convento encontrava-se em ruínas quando foi comprado por Rosado
Correia, em 1988. Para a sua reconstrução, feita com recurso às técnicas
tradicionais da região, a fundação – que foi criada nesse mesmo ano pelo
proprietário com o fito principal de restaurar, conservar e reutilizar o imóvel
– mobilizou verbas próprias e recorreu a subsídios do Fundo Europeu de
Desenvolvimento Regional.
Segundo o seu
mandatário, a FCO investiu nessas obras 3,2 milhões de euros, 8% dos quais
(cerca de 252 mil euros) foram “comparticipados por fundos comunitários”.
Numa segunda
resposta, face aos números divergentes fornecidos ao PÚBLICO pela Comissão de
Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo (CCDR), a fundação veio
dizer que o financiamento europeu “corresponde na actualidade a valores inferiores
a 50% do investimento total nos imóveis” – o que equivale a qualquer coisa como
1,5 milhões de euros. Os 8% antes indicados têm a ver, acrescentou, com a
comparticipação comunitária na “qualificação da envolvente” do convento.
Os documentos
disponibilizados pela CCDR indicam, contudo, que os subsídios à reconstrução
somam um valor mais baixo, com um total de um milhão e 117 mil euros. Um
primeiro projecto levou ao pagamento de 814 mil euros em 1991, equivalentes a
55% da obra. No mesmo ano foram pagos mais 303 mil euros através de um segundo
projecto (também 55% da despesa feita).
A atribuição
destes 1,17 milhões de euros foi feita no âmbito da medida Apoio à
Implementação de Circuitos Turísticos, do Programa Operacional Regional para a
Zona dos Mármores, cuja dotação global para 1991 era de 1,09 milhões de euros
(220.500 contos), inferior em cerca de 18 mil euros ao valor atribuído a uma
única entidade, a FCO.
O destino do
património
A medida em causa
tinha na sua programação para o período 1990 a 1993 várias propostas para os concelhos
de Redondo, Ponte de Sor e Estremoz, mas nenhuma para o concelho de Reguengos,
onde se situa o Convento da Orada. E os beneficiários previstos eram apenas o
Instituto Português do Património Cultural, as autarquias locais, as adegas
cooperativas e uma associação de viticultores. As fundações não estavam entre
eles.
Além dos
subsídios destinados ao restauro do monumento, o Feder concedeu à fundação, no
âmbito de outros programas, um apoio de 16.700 euros, em 1991, com vista à
publicação de 500 exemplares da tese de doutoramento de Rosado Correia. A tese
do instituidor da FCO já tinha sido editada em 1989 pela Faculdade de
Arquitectura da Universidade de Lisboa e incidia sobre a salvaguarda do
património de Monsaraz.
Mais tarde, em
1997, foram-lhe ainda atribuídos dois subsídios, um de 129 mil euros para a
instalação e funcionamento, durante três anos, do Centro de Estudos
Patrimoniais Lusófonos, e outro de 90.600 euros destinado à preparação e
publicação do livro Vasco da Gama e os Humanistas do Alentejo.
Os estatutos da
FCO estabelecem que o convento faz parte do seu património, por doação do
instituidor. Os mesmos estatutos determinam que o conselho de administração da
instituição “será composto, pelo menos, por todos os herdeiros legítimos do
instituidor”. Em caso de extinção, seja qual for o motivo, “os bens e valores”
da fundação, diz também o documento, “reverterão em plena propriedade para o
instituidor, enquanto for vivo, e para os seus descendentes em linha recta após
a sua morte”.
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