“Ferocidade da sentença do Face
Oculta é apenas aparente”
ÁLVARO VIEIRA
05/09/2014 - 21:23 / PÚBLICO
Paulo Morais, vice-presidente da associação cívica Transparência e
Integridade, considera que o grau de severidade das decisões do Tribunal de
Aveiro neste caso só poderá ser avaliado quando, e se, os condenados cumprirem
efectivamente as penas e ressarcirem o Estado dos prejuízos causados.
Estava a contar com esta
decisão do Tribunal de Aveiro a propósito do caso Face Oculta?
Não estava nem
deixava de estar, porque não conheço suficientemente bem o processo. Mas
imagino que a sentença seja justa e registo que é de facto incomum em Portugal
ver poderosos, ainda por cima ligados à política, condenados. Penso que isso se
deve ao facto de a investigação ter sido bem conduzido desde o início e de a
acusação também ter sido bem feita. Há muitos casos que acabam por borregar,
até sem chegarem a julgamento, por incompetência do aparelho judicial.
Acredita num potencial
efeito pedagógico, ou pelo menos dissuasor, desta decisão do tribunal?
Não, porque as
pessoas condenadas a penas de prisão efectiva foram calmamente para casa. Isso
é incompreensível para o cidadão comum. Interpuseram recursos e a maior parte
dos recursos em Portugal suspende a execução da pena. Mas não suspende aquilo
que devia, que eram os prazos de prescrição.
Defende o encarceramento de
pessoas que recorreram a um tribunal superior alegando que não deviam ter sido
condenadas, quando nada nos diz que este não lhes dará razão?
Que fique bem
claro: considero o direito ao recurso um direito inalienável. Insisto é que as
pessoas que hoje foram declaradas por um tribunal, ainda que de primeira
instância, como corruptas deviam aguardar a apreciação no recurso já a cumprir
a pena. A situação presente é a de uma justiça para pobres e outra para ricos,
que podem pagar os meios para recorrer. Infelizmente em Portugal os recursos
financeiros compram os recursos de defesa. Se os ricos fossem obrigados a
aguardar já na prisão o resultado dos seus recursos, pode ter a certeza de que
haveria muito menos recursos dilatórios e que a justiça seria muito mais célere.
Não considerou, portanto,
pesadas estas penas de prisão efectiva aplicada às figuras mais conhecidas do
processo, mesmo atendendo ao facto de essas pessoas não terem antecedentes
criminais?
Não, porque nem
foram efectivamente para a prisão nem há sinal de que tenham sido obrigadas a
ressarcir o Estado pelos danos patrimoniais que lhe provocaram. Apesar da
ferocidade das sentenças, essa ferocidade é apenas aparente. Só podemos dizer
que foram penas pesadas no dia em que elas forem mesmo para a prisão e forem
obrigadas a ressarcir o Estado.
Não parece nada convencido
de que isso venha a acontecer neste caso...
Pois não. Temos
uma lei de recuperação de activos que visa recuperar bens retirados ao Estado
por actividades criminosas. A Polícia Judiciária tem um departamento que se
ocupa disso, mas, desde 2013 até hoje, nem um milhão de euros — e todos temos
conhecimentos de crimes que lesaram o Estado em milhares de milhões — foi
recuperado. A média tem andado à volta do milhão de euros por ano. É ridículo.
Num processo como o do Face Oculta os danos são tangíveis, é fácil calcular os
prejuízos. Que iniciativas estão ou vai o Ministério Público tomar para
recuperar esses activos?
*Vice-presidente
da Associação Transparência e Integridade
|
Sem comentários:
Enviar um comentário