EDITORIAL / PÚBLICO / 3-5-2014
A falsa força de um intolerável
desafio
A repetição das execuções pelos fanáticos do EI exige que lhe seja imposta
uma derrota no terreno
O cenário é o
mesmo, a fria crueldade também. O autodenominado Estado Islâmico (EI), que de
Estado nada tem, cumpriu ontem a promessa de executar mais um refém em seu
poder. A encenação do crime é idêntica e o vídeo é praticamente uma cópia do
primeiro onde foi registada a decapitação do jornalista norte-americano James
Foley (de novo o fato laranja do executado, a lembrar Guantánamo, e o deserto
como cenário da execução). Desta vez, a vítima foi o também jornalista, e
também norte-americano, Steven Sotloff, desaparecido há um ano, quando fazia
uma reportagem na Síria. O EI chamou a este seu novo crime “Segunda Mensagem à
América”, em retaliação pelos ataques aéreos norte-americanos às suas posições
no Iraque. E anuncia que uma nova execução pode estar para breve, na pessoa de
um funcionário de uma agência humanitária. Como se percebe pelas demonstrações
do EI, baseadas na difusão do terror, esta guerra é tudo menos “normal”. Onde
os EUA e os seus aliados procuram estratégias segundo os cânones bélicos
convencionais, impõe o EI uma lógica medieval, como se tivéssemos recuado no
tempo, até à idade das trevas, onde as execuções, decapitações e assassinatos
em massa eram moeda corrente entre adversários. O fanatismo do EI, assente no
recrutamento de jovens radicais desejosos de violência e sem temor à morte (o
seu comportamento não difere dos assassinos que tentam retomar o poder no
Afeganistão e ali reinstalar o mais cerrado obscurantismo), é arrogante porque
têm somado, estranhamente, vitórias. A repetição das execuções, usada como
instrumento mediático, é não apenas uma mensagem para a América, mas também
para o mundo. No entanto, transmite uma imagem falsa: a de que a sua força é
grande. É preciso, e rapidamente, infligir-lhe a derrota necessária, única
forma de pôr fim aos seus crimes e reinstalar humanidade onde eles semearam o
terror.
Obama pressionado a “agir
depressa” após execução de segundo americano
Vídeo da alegada decapitação do jornalista Steven Sotloff é um remake do
que mostrou ao mundo a morte de James Foley. Na “Segunda Mensagem à América”,
os jihadistas ameaçam matar um refém britânico
O Estado Islâmico está disposto a usar “a máxima propaganda” para moralizar
os seus apoiantes e aterrorizar os inimigos
Ana Fonseca
Pereira / 3-9-2014 / PÚBLICO
Exactamente duas semanas depois, o Estado
Islâmico (EI) divulgou um novo vídeo com a aparente decapitação de Steven
Sotloff, o jornalista norteamericano que tinha ameaçado matar quando executou
para as câmaras o repórter James Foley. Com as novas imagens, os jihadistas
empunham de novo a sua propaganda de terror contra Barack Obama e aumentam a
pressão para que o Presidente dos Estados Unidos defina uma estratégia de
combate ao grupo.
O vídeo foi
detectado pelo SITE, organização especializada na monitorização de fóruns
radicais na Internet, mas a Casa Branca não quis confirmar de imediato a
autenticidade das imagens — uma cautela que manteve também no caso de Foley. O
Departamento de Estado adiantou, porém, que os EUA estão “chocados” e
“enojados” com a notícia de “mais este acto brutal”. A família de Sotloff,
desaparecido a 4 de Agosto de 2013 no Norte da Síria, deu crédito às imagens,
dizendo estar a chorar em privado “esta terrível tragédia”.
Esta “Segunda
Mensagem à América” é, segundo o SITE, um remake das imagens publicadas a 19 de
Agosto. O vídeo reproduz o cenário da execução de Foley e, tal como ele,
Sotloff aparece ajoelhado, de uniforme laranja, frente a uma paisagem
desértica, antes de ser morto.
Tal como então,
um jihadista vestido de negro e de rosto tapado afirma que a execução é a
resposta aos ataques aéreos ordenados por Obama contra as posições dos radicais
no Norte do Iraque, parte das operações que nas últimas semanas levaram as
forças curdas e o Exército iraquiano a reconquistar algum do terreno perdido
desde o início do início da ofensiva jihadista, em Junho. “Estou de volta,
Obama. E estou de volta por causa da tua política arrogante em relação ao EI,
apesar dos nossos avisos sérios”.
Pela forma como
está vestido e pelo seu sotaque britânico, é provável que o carrasco seja o
mesmo de Foley, um radical que os serviços secretos acreditam pertencer a um
grupo de jihadistas oriundos da região de Londres e que será responsável por
guardar os cerca de 20 estrangeiros capturados pelos radicais.
De novo, o vídeo
termina com outra ameaça, desta vez sobre a vida de um refém britânico
identificado como David Haines. Segundo o Washington Post, Haines é funcionário
de uma organização humanitária e foi sequestrado em Março do ano passado junto
a um campo de refugiados no Norte da Síria, próximo da fronteira com a Turquia.
Num novo elo da máquina de propaganda aperfeiçoada pelos jihadistas, o refém é
mostrado também de joelhos e com o mesmo uniforme laranja envergado por Foley e
Sotloff.
Numa ameaça que
parece antes de mais dirigida a Londres, o mascarado avisa ainda os Governos
para recusarem a “aliança maligna da América” contra o Estado Islâmico. Trata-se
de uma aparente referência à coligação internacional que Obama diz ser
necessária para derrotar o grupo, que controla um vasto território entre o
Leste da Síria e o Norte do Iraque e que Washington diz representar uma ameaça superior
à Al-Qaeda.
Sotloff, de 31
anos, foi sequestrado quando estava em reportagem na região de Alepo. Trabalhava
como freelancer para a revista Time ea Foreign Policy, falava árabe, e antes da
guerra síria, tinha trabalhado no Egipto e na Líbia. Seguindo os conselhos
dados à maioria das famílias dos reféns, também a de Sotloff não tornou público
o seu sequestro. Mas dias depois da execução de Foley, a sua mãe publicou um
vídeo, pedindo directamente a Abu Bakr al-Baghdadi, o autoproclamado califa do
EI, que poupasse a vida do filho.
Congresso exige resposta
Paul Cruickshank,
perito em terrorismo, disse à CNN que este novo vídeo — divulgado no mesmo dia
em que um relatório da Amnistia Internacional acusa o EI de limpeza étnica no
Norte do Iraque —mostra que os jihadistas estão dispostos a usar “a máxima
propaganda” para moralizar os seus apoiantes e, em simultâneo, “aterrorizar” os
inimigos. Também um aliado do ex-primeiro-ministro iraquiano, Nouri al-Maliki,
ouvido pela Reuters, disse que a estratégia do grupo passa por “assustar os
americanos para que não intervenham” na guerra em curso.
Mas da mesma
forma que a execução de Foley levou Washington a decretar o EI a principal
ameaça à sua segurança nacional, a morte de Sotloff obrigará Obama a decidir
uma estratégia de combate aos radicais, que o próprio admitiu não ter ainda,
numa declaração que levou os adversários a acusarem-no de tibieza.
“O Presidente tem
de explicar aos americanos e ao Congresso como vamos lutar contra esta ameaça”,
reagiu Ed Royce, o republicano que preside à comissão de Assuntos Externos da
Câmara dos Representantes, onde o secretário de Estado norte-americano, John
Kerry, deverá ser ouvido hoje, sublinhando que “é essencial que a América
mostre liderança”, sobretudo quando está em jogo a vida de cidadãos seus.
As críticas
estendem-se também à bancada democrata —no fim-de-semana Dianne Feinstein,
presidente da Comissão de Serviços Secretos do Senado afirmou que Obama tem
sido “demasiado prudente” — e já nesta terça-feira o congressista Eliot Engel
afirmou que Washington “tem de agir e tem de agir depressa”.
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