quarta-feira, 3 de setembro de 2014

A falsa força de um intolerável desafio / EDITORIAL / PÚBLICO. Obama pressionado a “agir depressa” após execução de segundo americano.


EDITORIAL / PÚBLICO / 3-5-2014
A falsa força de um intolerável desafio
A repetição das execuções pelos fanáticos do EI exige que lhe seja imposta uma derrota no terreno


O cenário é o mesmo, a fria crueldade também. O autodenominado Estado Islâmico (EI), que de Estado nada tem, cumpriu ontem a promessa de executar mais um refém em seu poder. A encenação do crime é idêntica e o vídeo é praticamente uma cópia do primeiro onde foi registada a decapitação do jornalista norte-americano James Foley (de novo o fato laranja do executado, a lembrar Guantánamo, e o deserto como cenário da execução). Desta vez, a vítima foi o também jornalista, e também norte-americano, Steven Sotloff, desaparecido há um ano, quando fazia uma reportagem na Síria. O EI chamou a este seu novo crime “Segunda Mensagem à América”, em retaliação pelos ataques aéreos norte-americanos às suas posições no Iraque. E anuncia que uma nova execução pode estar para breve, na pessoa de um funcionário de uma agência humanitária. Como se percebe pelas demonstrações do EI, baseadas na difusão do terror, esta guerra é tudo menos “normal”. Onde os EUA e os seus aliados procuram estratégias segundo os cânones bélicos convencionais, impõe o EI uma lógica medieval, como se tivéssemos recuado no tempo, até à idade das trevas, onde as execuções, decapitações e assassinatos em massa eram moeda corrente entre adversários. O fanatismo do EI, assente no recrutamento de jovens radicais desejosos de violência e sem temor à morte (o seu comportamento não difere dos assassinos que tentam retomar o poder no Afeganistão e ali reinstalar o mais cerrado obscurantismo), é arrogante porque têm somado, estranhamente, vitórias. A repetição das execuções, usada como instrumento mediático, é não apenas uma mensagem para a América, mas também para o mundo. No entanto, transmite uma imagem falsa: a de que a sua força é grande. É preciso, e rapidamente, infligir-lhe a derrota necessária, única forma de pôr fim aos seus crimes e reinstalar humanidade onde eles semearam o terror.


Obama pressionado a “agir depressa” após execução de segundo americano
Vídeo da alegada decapitação do jornalista Steven Sotloff é um remake do que mostrou ao mundo a morte de James Foley. Na “Segunda Mensagem à América”, os jihadistas ameaçam matar um refém britânico

O Estado Islâmico está disposto a usar “a máxima propaganda” para moralizar os seus apoiantes e aterrorizar os inimigos
Ana Fonseca Pereira / 3-9-2014 / PÚBLICO

 Exactamente duas semanas depois, o Estado Islâmico (EI) divulgou um novo vídeo com a aparente decapitação de Steven Sotloff, o jornalista norteamericano que tinha ameaçado matar quando executou para as câmaras o repórter James Foley. Com as novas imagens, os jihadistas empunham de novo a sua propaganda de terror contra Barack Obama e aumentam a pressão para que o Presidente dos Estados Unidos defina uma estratégia de combate ao grupo.
O vídeo foi detectado pelo SITE, organização especializada na monitorização de fóruns radicais na Internet, mas a Casa Branca não quis confirmar de imediato a autenticidade das imagens — uma cautela que manteve também no caso de Foley. O Departamento de Estado adiantou, porém, que os EUA estão “chocados” e “enojados” com a notícia de “mais este acto brutal”. A família de Sotloff, desaparecido a 4 de Agosto de 2013 no Norte da Síria, deu crédito às imagens, dizendo estar a chorar em privado “esta terrível tragédia”.
Esta “Segunda Mensagem à América” é, segundo o SITE, um remake das imagens publicadas a 19 de Agosto. O vídeo reproduz o cenário da execução de Foley e, tal como ele, Sotloff aparece ajoelhado, de uniforme laranja, frente a uma paisagem desértica, antes de ser morto.
Tal como então, um jihadista vestido de negro e de rosto tapado afirma que a execução é a resposta aos ataques aéreos ordenados por Obama contra as posições dos radicais no Norte do Iraque, parte das operações que nas últimas semanas levaram as forças curdas e o Exército iraquiano a reconquistar algum do terreno perdido desde o início do início da ofensiva jihadista, em Junho. “Estou de volta, Obama. E estou de volta por causa da tua política arrogante em relação ao EI, apesar dos nossos avisos sérios”.
Pela forma como está vestido e pelo seu sotaque britânico, é provável que o carrasco seja o mesmo de Foley, um radical que os serviços secretos acreditam pertencer a um grupo de jihadistas oriundos da região de Londres e que será responsável por guardar os cerca de 20 estrangeiros capturados pelos radicais.
De novo, o vídeo termina com outra ameaça, desta vez sobre a vida de um refém britânico identificado como David Haines. Segundo o Washington Post, Haines é funcionário de uma organização humanitária e foi sequestrado em Março do ano passado junto a um campo de refugiados no Norte da Síria, próximo da fronteira com a Turquia. Num novo elo da máquina de propaganda aperfeiçoada pelos jihadistas, o refém é mostrado também de joelhos e com o mesmo uniforme laranja envergado por Foley e Sotloff.
Numa ameaça que parece antes de mais dirigida a Londres, o mascarado avisa ainda os Governos para recusarem a “aliança maligna da América” contra o Estado Islâmico. Trata-se de uma aparente referência à coligação internacional que Obama diz ser necessária para derrotar o grupo, que controla um vasto território entre o Leste da Síria e o Norte do Iraque e que Washington diz representar uma ameaça superior à Al-Qaeda.
Sotloff, de 31 anos, foi sequestrado quando estava em reportagem na região de Alepo. Trabalhava como freelancer para a revista Time ea Foreign Policy, falava árabe, e antes da guerra síria, tinha trabalhado no Egipto e na Líbia. Seguindo os conselhos dados à maioria das famílias dos reféns, também a de Sotloff não tornou público o seu sequestro. Mas dias depois da execução de Foley, a sua mãe publicou um vídeo, pedindo directamente a Abu Bakr al-Baghdadi, o autoproclamado califa do EI, que poupasse a vida do filho.

Congresso exige resposta
Paul Cruickshank, perito em terrorismo, disse à CNN que este novo vídeo — divulgado no mesmo dia em que um relatório da Amnistia Internacional acusa o EI de limpeza étnica no Norte do Iraque —mostra que os jihadistas estão dispostos a usar “a máxima propaganda” para moralizar os seus apoiantes e, em simultâneo, “aterrorizar” os inimigos. Também um aliado do ex-primeiro-ministro iraquiano, Nouri al-Maliki, ouvido pela Reuters, disse que a estratégia do grupo passa por “assustar os americanos para que não intervenham” na guerra em curso.
Mas da mesma forma que a execução de Foley levou Washington a decretar o EI a principal ameaça à sua segurança nacional, a morte de Sotloff obrigará Obama a decidir uma estratégia de combate aos radicais, que o próprio admitiu não ter ainda, numa declaração que levou os adversários a acusarem-no de tibieza.
“O Presidente tem de explicar aos americanos e ao Congresso como vamos lutar contra esta ameaça”, reagiu Ed Royce, o republicano que preside à comissão de Assuntos Externos da Câmara dos Representantes, onde o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, deverá ser ouvido hoje, sublinhando que “é essencial que a América mostre liderança”, sobretudo quando está em jogo a vida de cidadãos seus.

As críticas estendem-se também à bancada democrata —no fim-de-semana Dianne Feinstein, presidente da Comissão de Serviços Secretos do Senado afirmou que Obama tem sido “demasiado prudente” — e já nesta terça-feira o congressista Eliot Engel afirmou que Washington “tem de agir e tem de agir depressa”.

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