O fundador da
Monocle, Tyler Brûlé, está a pensar criar mais um negócio para financiar a
revista: uma coleção de roupa interior
Marcos Borga
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Entrevista
'Portugal é mal compreendido no
estrangeiro'
O diretor da revista Monocle, Tyler Brûlé, explica o poder do "Made in
Portugal" e dá pistas sobre o futuro dos media
Vânia Maia
11:18 Sexta
feira, 4 de Abril de 2014 | VISÃO / http://visao.sapo.pt/portugal-e-mal-compreendido-no-estrangeiro=f775605?fb_action_ids=10203575656581782&fb_action_types=og.likes
O canadiano Tyler
Brûlé, 45 anos, veio a Portugal para tentar desvendar um dos mistérios de
Lisboa: porque será esta a 9.ª cidade do mundo onde são vendidos mais
exemplares da Monocle, uma revista que custa €8,5, com dez edições por ano, 300
páginas, publicada em inglês e dedicada à política internacional, negócios e
cultura?
Brûlé,
ex-repórter de guerra, que começou por fundar a Wallpaper e, há sete anos,
criou a Monocle, esteve na segunda-feira, 31, na Sociedade de Geografia, à
conversa com subscritores portugueses. A publicação, que soma mais de 75 mil
leitores no mundo e também se materializa numa estação de rádio, quatro lojas e
dois cafés, que ajudam a financiar o projeto jornalístico, destaca, na sua
edição de abril, o "renascimento do têxtil" nacional. O seu diretor aproveitou
a passagem por Lisboa para anunciar que está à procura de fabricantes de roupa
interior. Quem sabe se o próximo negócio da Monocle não será 'Made in
Portugal'...
O que é que significa andar com a Monocle debaixo
do braço?
Significa fazer
parte de algo maior, seja em Lisboa ou em Los Angeles. Quem conhece a revista
sabe que temos uma linguagem inclusiva, tentamos ter conversas olhos nos olhos
com o leitor, criando uma certa intimidade. Também sugere que se vê o mundo de
forma diferente, que acreditamos no tangível e no valor de colecionar alguma
coisa. Uma revista diz muito mais sobre alguém do que um gadget. Eu não consigo
ver o que está dentro do teu telefone, mas consigo ler a capa da revista que
estás a ler e isso diz-me alguma coisa sobre ti.
Apesar da crise da imprensa escrita a Monocle
continua a crescer. Qual é o segredo?
Nós temos um
modelo único, só fazemos uma edição para todo o mundo. Claro que é complicado
distribuir uma revista tão grande, mas conseguimos estar em Portugal,
Singapura, Austrália... Vamos ao encontro da nossa audiência e temos conseguido
vender revistas suficientes para manter os anunciantes interessados. Não
fazemos propriamente magia. Também vendemos a revista a um preço justo, não a
oferecemos. Temos 80 mil leitores pagantes, uma audiência muito valiosa, e não
estamos a esforçar-nos para vender cem mil cópias. Estamos contentes com o que
temos porque resulta.
Na sua opinião, "os rumores sobre a morte da
imprensa escrita foram manifestamente exagerados". Porque continua a fazer
sentido apostar no papel?
Foi uma ideia
admirável alguém vir dizer que, na internet, a informação está acessível a toda
a gente. O problema é que fazer bom jornalismo não é barato, e ainda ninguém
percebeu como ganhar dinheiro no digital. No caso da Monocle, continuamos a
crescer, em número de leitores e de anunciantes, em parte porque não parecemos
hesitantes. Basta pegar na revista para ver que nos esforçamos muito, a nível
jornalístico e no design. Se estivéssemos hesitantes, pensando que deveríamos
fazer aplicações em vez de revistas, as pessoas sentiriam o cheiro a sangue e
afastar-se-iam.
Mas será que a mística do papel dirá alguma coisa
às gerações mais novas?
Estamos sempre a
cruzar-nos com as ditas novas gerações e elas estão entusiasmadas com o papel. Apesar
de terem crescido com a tecnologia, são uma espécie de geração pós-revistas,
para elas o papel é exótico. Cheira bem, é fácil de transportar... Eu consigo
perceber aqueles que dizem que as novas gerações são digitais mas, felizmente,
também posso dizer que há muitos jovens a lerem a revista, mesmo que comecem
pelas cópias dos pais. A verdade é que estamos sempre muito interessados na
fonte de juventude, mas se pensarmos onde está o dinheiro, ele está do lado dos
adultos. Para ser honesto, a minha preocupação não são as gerações mais novas,
e para os anunciantes também não, porque os jovens não têm dinheiro para
comprarem os seus produtos.
A imprensa
escrita vai passar a ser um produto de luxo?
Infelizmente está
a tornar-se num produto para as classes média-alta e alta. Digo infelizmente
porque a imprensa escrita sempre foi muito democrática. Estaremos num terreno
perigoso a confirmar-se esta tendência.
Caminhamos para uma falta de democratização na
imprensa?
Absolutamente. Se
as pessoas se basearem apenas no imediatismo do online, temo que não
compreendam o verdadeiro valor do jornalismo. É preciso separar os comentários
do jornalismo rigoroso e, atualmente, isso nem sempre é claro. Se vou ao site
da BBC ver as notícias sobre o desaparecimento do avião da Malásia é porque
confio na BBC e nos seus correspondentes, não me interessa ver os comentários
de pessoas que nem sabem bem do que estão a falar. Essa é uma das razões para
não termos comentários no nosso site, os nossos leitores confiam nos nossos
editores e estão-se nas tintas para o que diga uma pessoa qualquer na caixa dos
comentários.
Na Monocle não são fãs das redes sociais ou das
edições para tablet. Porquê?
Ninguém nos está
a pedir uma edição tablet. Nos últimos quatro anos, recebemos uma dezena de
e-mails a falar nisso. Em relação às redes sociais, o problema é a competição. Porque
é que eu haveria de colocar um passarinho no final das minhas notícias? Estaria
a levar os leitores para outras páginas e, de repente, estaria a competir com
as redes sociais por publicidade.
Os media ainda
vão a tempo de corrigirem o erro das notícias online gratuitas?
Não se pode,
simplesmente, pôr um paywall e pronto. Tem de haver um reconhecimento do valor
do jornalismo. Os donos dos media têm de pensar se acreditam que a informação
tem valor, que o exclusivo tem valor, que um colunista tem valor. Se a resposta
for "sim", então podem avançar para um novo modelo de negócio. Tem de
haver uma valorização da reportagem original. Neste momento, esse valor não é
reconhecido pelas redações, nem pelas administrações.
E é reconhecido pelos leitores?
O público começa
a perceber, devagar, mas começa a perceber que recebe em proporção daquilo que
paga. De repente, se o colunista que gostavam de ler desaparece, as pessoas
percebem que é preciso pagar, e que vale a pena pagar.
O que pensou
quando viu a manchete do Libération, dizendo Nous sommes un journal [Nós somos
um jornal], como sinal de revolta perante a intenção da administração de
transformar a sede num espaço cultural?
Nessa altura,
ligaram-nos vários jornalistas franceses. Talvez algum deles tenha dito à
redação do Libération para pôr os olhos na Monocle, que faz jornalismo de
qualidade e tem cafés e lojas. Mas será que todos os media podem fazê-lo? Claro
que não. Consigo perceber porque é que os jornalistas se revoltaram, mas é
possível ter um modelo comercial que funcione. A National Geographic é um bom
exemplo. Tem um canal de televisão, livrarias, contratos milionários de
licenciamento... E continuamos a gostar da revista, com boa pesquisa, fotos
fantásticas e faro explorador.
Como é que lidam com o poder de ditarem
tendências?
Não o vejo dessa
maneira, se calhar devia... Mas não nos sentimos numa posição de poder. Temos
uma maneira muito humilde de lidar com a questão. Não o vejo como uma
responsabilidade. Simplesmente somos rigorosos e se dizemos alguma coisa é
porque acreditamos nisso e se acreditamos é porque vimos, estivemos lá. Essa
experiência dá-nos autoridade para falarmos dos temas. Ao contrário de outras
revistas, não nos baseamos em pesquisas online, vamos lá, testemunhamos. Isso
dá-nos a confiança necessária para escrevermos os artigos.
A Monocle está atenta à lusofonia. O
potencial do Brasil é o que mais vos entusiasma?
O Brasil é
interessante, mas tem muitos problemas estruturais. Estão a entrar numa fase de
ouro que vai durar os próximos dois anos, mas há muitos problemas sociais. As
pessoas acreditavam que iam melhorar, mas ficaram na mesma - o que levanta
muitos pontos de interrogação.
Qual é o poder da etiqueta 'Made in Portugal'?
Algumas pessoas
sabem que o País tem uma longa tradição em ofícios como a cerâmica e os
têxteis, nada disto apareceu da noite para o dia. E se comprarmos um produto
fabricado em Portugal, sabemos que quem o fez vai receber uma pensão. Já não
podemos dizer o mesmo na China... Além disso, o "Made in Portugal"
está associado ao espírito criativo da cultura latina. O grande desafio é fazer
emergir uma marca portuguesa.
Portugal precisa de "se vender" melhor
lá fora?
Portugal é mal
compreendido no estrangeiro. Alguns conhecem o País por causa do vinho, outros
pela comida ou por ser um destino barato de férias, mas também há quem o
conheça porque tem umas botas excelentes, de uma marca francesa, mas fabricadas
aqui. Cada qual tem a sua visão do País. Este não é o momento certo para
Portugal fazer uma campanha de publicidade milionária, mas acho que contar as
histórias certas pode ajudar. É isso que temos mostrado na revista, de forma
absolutamente honesta. Às vezes, precisamos que as pessoas de fora nos digam o
que fazemos bem.
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