sexta-feira, 4 de abril de 2014

'Portugal é mal compreendido no estrangeiro'

O fundador da Monocle, Tyler Brûlé, está a pensar criar mais um negócio para financiar a revista: uma coleção de roupa interior
Marcos Borga
Entrevista
'Portugal é mal compreendido no estrangeiro'
O diretor da revista Monocle, Tyler Brûlé, explica o poder do "Made in Portugal" e dá pistas sobre o futuro dos media 
Vânia Maia

O canadiano Tyler Brûlé, 45 anos, veio a Portugal para tentar desvendar um dos mistérios de Lisboa: porque será esta a 9.ª cidade do mundo onde são vendidos mais exemplares da Monocle, uma revista que custa €8,5, com dez edições por ano, 300 páginas, publicada em inglês e dedicada à política internacional, negócios e cultura?
Brûlé, ex-repórter de guerra, que começou por fundar a Wallpaper e, há sete anos, criou a Monocle, esteve na segunda-feira, 31, na Sociedade de Geografia, à conversa com subscritores portugueses. A publicação, que soma mais de 75 mil leitores no mundo e também se materializa numa estação de rádio, quatro lojas e dois cafés, que ajudam a financiar o projeto jornalístico, destaca, na sua edição de abril, o "renascimento do têxtil" nacional. O seu diretor aproveitou a passagem por Lisboa para anunciar que está à procura de fabricantes de roupa interior. Quem sabe se o próximo negócio da Monocle não será 'Made in Portugal'...

O que é que significa andar com a Monocle debaixo do braço?
Significa fazer parte de algo maior, seja em Lisboa ou em Los Angeles. Quem conhece a revista sabe que temos uma linguagem inclusiva, tentamos ter conversas olhos nos olhos com o leitor, criando uma certa intimidade. Também sugere que se vê o mundo de forma diferente, que acreditamos no tangível e no valor de colecionar alguma coisa. Uma revista diz muito mais sobre alguém do que um gadget. Eu não consigo ver o que está dentro do teu telefone, mas consigo ler a capa da revista que estás a ler e isso diz-me alguma coisa sobre ti.

Apesar da crise da imprensa escrita a Monocle continua a crescer. Qual é o segredo?
Nós temos um modelo único, só fazemos uma edição para todo o mundo. Claro que é complicado distribuir uma revista tão grande, mas conseguimos estar em Portugal, Singapura, Austrália... Vamos ao encontro da nossa audiência e temos conseguido vender revistas suficientes para manter os anunciantes interessados. Não fazemos propriamente magia. Também vendemos a revista a um preço justo, não a oferecemos. Temos 80 mil leitores pagantes, uma audiência muito valiosa, e não estamos a esforçar-nos para vender cem mil cópias. Estamos contentes com o que temos porque resulta.

Na sua opinião, "os rumores sobre a morte da imprensa escrita foram manifestamente exagerados". Porque continua a fazer sentido apostar no papel?
Foi uma ideia admirável alguém vir dizer que, na internet, a informação está acessível a toda a gente. O problema é que fazer bom jornalismo não é barato, e ainda ninguém percebeu como ganhar dinheiro no digital. No caso da Monocle, continuamos a crescer, em número de leitores e de anunciantes, em parte porque não parecemos hesitantes. Basta pegar na revista para ver que nos esforçamos muito, a nível jornalístico e no design. Se estivéssemos hesitantes, pensando que deveríamos fazer aplicações em vez de revistas, as pessoas sentiriam o cheiro a sangue e afastar-se-iam.

Mas será que a mística do papel dirá alguma coisa às gerações mais novas?
Estamos sempre a cruzar-nos com as ditas novas gerações e elas estão entusiasmadas com o papel. Apesar de terem crescido com a tecnologia, são uma espécie de geração pós-revistas, para elas o papel é exótico. Cheira bem, é fácil de transportar... Eu consigo perceber aqueles que dizem que as novas gerações são digitais mas, felizmente, também posso dizer que há muitos jovens a lerem a revista, mesmo que comecem pelas cópias dos pais. A verdade é que estamos sempre muito interessados na fonte de juventude, mas se pensarmos onde está o dinheiro, ele está do lado dos adultos. Para ser honesto, a minha preocupação não são as gerações mais novas, e para os anunciantes também não, porque os jovens não têm dinheiro para comprarem os seus produtos.
A imprensa escrita vai passar a ser um produto de luxo?
Infelizmente está a tornar-se num produto para as classes média-alta e alta. Digo infelizmente porque a imprensa escrita sempre foi muito democrática. Estaremos num terreno perigoso a confirmar-se esta tendência.

Caminhamos para uma falta de democratização na imprensa?
Absolutamente. Se as pessoas se basearem apenas no imediatismo do online, temo que não compreendam o verdadeiro valor do jornalismo. É preciso separar os comentários do jornalismo rigoroso e, atualmente, isso nem sempre é claro. Se vou ao site da BBC ver as notícias sobre o desaparecimento do avião da Malásia é porque confio na BBC e nos seus correspondentes, não me interessa ver os comentários de pessoas que nem sabem bem do que estão a falar. Essa é uma das razões para não termos comentários no nosso site, os nossos leitores confiam nos nossos editores e estão-se nas tintas para o que diga uma pessoa qualquer na caixa dos comentários.

Na Monocle não são fãs das redes sociais ou das edições para tablet. Porquê?
Ninguém nos está a pedir uma edição tablet. Nos últimos quatro anos, recebemos uma dezena de e-mails a falar nisso. Em relação às redes sociais, o problema é a competição. Porque é que eu haveria de colocar um passarinho no final das minhas notícias? Estaria a levar os leitores para outras páginas e, de repente, estaria a competir com as redes sociais por publicidade.
Os media ainda vão a tempo de corrigirem o erro das notícias online gratuitas?
Não se pode, simplesmente, pôr um paywall e pronto. Tem de haver um reconhecimento do valor do jornalismo. Os donos dos media têm de pensar se acreditam que a informação tem valor, que o exclusivo tem valor, que um colunista tem valor. Se a resposta for "sim", então podem avançar para um novo modelo de negócio. Tem de haver uma valorização da reportagem original. Neste momento, esse valor não é reconhecido pelas redações, nem pelas administrações.

E é reconhecido pelos leitores?
O público começa a perceber, devagar, mas começa a perceber que recebe em proporção daquilo que paga. De repente, se o colunista que gostavam de ler desaparece, as pessoas percebem que é preciso pagar, e que vale a pena pagar.
O que pensou quando viu a manchete do Libération, dizendo Nous sommes un journal [Nós somos um jornal], como sinal de revolta perante a intenção da administração de transformar a sede num espaço cultural?
Nessa altura, ligaram-nos vários jornalistas franceses. Talvez algum deles tenha dito à redação do Libération para pôr os olhos na Monocle, que faz jornalismo de qualidade e tem cafés e lojas. Mas será que todos os media podem fazê-lo? Claro que não. Consigo perceber porque é que os jornalistas se revoltaram, mas é possível ter um modelo comercial que funcione. A National Geographic é um bom exemplo. Tem um canal de televisão, livrarias, contratos milionários de licenciamento... E continuamos a gostar da revista, com boa pesquisa, fotos fantásticas e faro explorador.

Como é que lidam com o poder de ditarem tendências?
Não o vejo dessa maneira, se calhar devia... Mas não nos sentimos numa posição de poder. Temos uma maneira muito humilde de lidar com a questão. Não o vejo como uma responsabilidade. Simplesmente somos rigorosos e se dizemos alguma coisa é porque acreditamos nisso e se acreditamos é porque vimos, estivemos lá. Essa experiência dá-nos autoridade para falarmos dos temas. Ao contrário de outras revistas, não nos baseamos em pesquisas online, vamos lá, testemunhamos. Isso dá-nos a confiança necessária para escrevermos os artigos.

A Monocle está atenta à lusofonia. O potencial do Brasil é o que mais vos entusiasma?
O Brasil é interessante, mas tem muitos problemas estruturais. Estão a entrar numa fase de ouro que vai durar os próximos dois anos, mas há muitos problemas sociais. As pessoas acreditavam que iam melhorar, mas ficaram na mesma - o que levanta muitos pontos de interrogação.

Qual é o poder da etiqueta 'Made in Portugal'?
Algumas pessoas sabem que o País tem uma longa tradição em ofícios como a cerâmica e os têxteis, nada disto apareceu da noite para o dia. E se comprarmos um produto fabricado em Portugal, sabemos que quem o fez vai receber uma pensão. Já não podemos dizer o mesmo na China... Além disso, o "Made in Portugal" está associado ao espírito criativo da cultura latina. O grande desafio é fazer emergir uma marca portuguesa.

Portugal precisa de "se vender" melhor lá fora?

Portugal é mal compreendido no estrangeiro. Alguns conhecem o País por causa do vinho, outros pela comida ou por ser um destino barato de férias, mas também há quem o conheça porque tem umas botas excelentes, de uma marca francesa, mas fabricadas aqui. Cada qual tem a sua visão do País. Este não é o momento certo para Portugal fazer uma campanha de publicidade milionária, mas acho que contar as histórias certas pode ajudar. É isso que temos mostrado na revista, de forma absolutamente honesta. Às vezes, precisamos que as pessoas de fora nos digam o que fazemos bem.

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