Um arquitecto –
que se assumiu não-crente - insurgiu-se contra a denuncia que Sousa Santos
fizera contra a imposição de “condições” que algumas IPSS faziam para
concederem o seu apoio, por exemplo a prostitutas. Dando exemplos do trabalho
de algumas dessas instituições. “Se o Estado fizesse tanto como a igreja católica,
Portugal estava melhor que a Suíça”, atirou ao sociólogo.
“A lógica de mercado está a
contaminar a solidariedade”, diz Boaventura Sousa Santos
NUNO SÁ LOURENÇO
01/04/2014 - PÚBLICO
Boaventura Sousa
Santos apresentou livro sobre o papel das religiões e dos religiosos no combate
contra a opressão. O debate transformou-se num embate entre as virtudes da
liberdade em oposição à comunidade.
O ponto de
partida do debate era desde logo uma provocação, até para os oradores
convidados. Ainda mais se se tivesse em conta o que o autor assumiu durante a
troca de impressões que decorreu nesta terça-feira na Fundação José Saramago. O
livro de Boaventura Sousa Santos Se Deus fosse um activista dos direitos
humanos juntou em Lisboa o ex-secretário-geral da CGTP e o historiador e
social-democrata Pacheco Pereira.
No livro, nas
palavras do sociólogo, dava-se nota do “retorno das teologias políticas” pelo
mundo, depois do fracasso das “gramáticas” do seculo XX – comunismo, libertação
nacional – a que haviam recorrido “os que não se conformavam com o status quo”,
que agora usavam a “arma” dos direitos humanos para combater os “opressores”.
O debate
tornou-se mais vivo devido a Pacheco Pereira que foi à Casa dos Bicos
apresentar o livro na “situação um pouco bizarra” de discordar de muitas das
assunções e das conclusões a que chegara Sousa Santos.
A maior de todas
prendia-se com a sua percepção de que o autor tendia desvalorizar a liberdade e
valorizar em demasia a comunidade. “Não troco a liberdade pela comunidade”,
resumiu o social-democrata, que mais à frente haveria de explicar a sua
desconfiança em relação à “nostalgia da aldeia”.
Sousa Santos
começou por dizer que não ia tão longe como a leitura de Pacheco Pereira
poderia fazer crer. Explicou também que o que tentara explanar no livro era o
papel de religiões e religiosos na “insurgência” contra a opressão, não vendo
nenhum mal nisso. “Se alguém chama a isso Deus qual é o problema?”. Sobre a
ideia de comunidade, lembrou que em certos países ela não desaparecera
totalmente, apesar das consequências de uma sociedade mais urbana.
E deu mesmo alguns
exemplos de como essa ideia de comunidade poderia ser benéfica para a sociedade
actual. Como quando lembrou que Portugal era o “país onde mais pais pagavam a
primeira prestação na compra da casa dos filhos”.
Pacheco Pereira
também fez o caminho da aproximação ao reconhecer as vantagens dos valores da
comunidade numa cidade. “Com a crise, uma das primeiras coisas que as pessoas
deixaram de pagar foi o condomínio. Naqueles prédios altos, suburbanos, os mais
idosos ficaram presos em casa.”
Nem mesmo com a
intervenção da pequena assistência o debate deixou de pairar por estes termos. Um
arquitecto – que se assumiu não-crente - insurgiu-se contra a denuncia que
Sousa Santos fizera contra a imposição de “condições” que algumas IPSS faziam
para concederem o seu apoio, por exemplo a prostitutas. Dando exemplos do
trabalho de algumas dessas instituições. “Se o Estado fizesse tanto como a
igreja católica, Portugal estava melhor que a Suíça”, atirou ao sociólogo.
Ainda assim, o
sociólogo que assumiu pretender “resgatar a esperança, a utopia e a rebeldia”
perante as injustiças, sempre deixou uma crítica mais velada ao Governo quando
comentou a forma como o Executivo trabalhava a solidariedade. “Como vamos
manter a coesão social quando agora até o trabalho social tem que se chamar
empreendedoroismo? A lógica de mercado está a
contaminar a solidariedade”.
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