Câmara de Lisboa. As omissões do
vice-presidente que não tem nada a esconder
30/12/2017,
O vice-presidente da câmara de
Lisboa, Duarte Cordeiro, reagiu à notícia do Observador sobre os aumentos nos
gabinetes dos vereadores, dizendo que não tem "nada a esconder". Mas
fez várias omissões.
Autor
Rui Pedro Antunes
O vice-presidente da câmara municipal de Lisboa, Duarte
Cordeiro, reagiu à notícia do Observador sobre os aumentos das avenças no seu
gabinete, na sua página no Facebook, dizendo que não tem “nada a esconder“. Por
isso decidiu fazê-lo, “sem distorções“, mas, num texto longo, faz diversas
omissões.
Duarte Cordeiro começa o texto a explicar política de
remunerações de membros dos gabinetes:
A política remuneratória do apoio aos Gabinetes é pública e
está definida há vários mandatos. Os adjuntos recebem, em termos líquidos,
cerca de 80% do vencimento do Vereador. Os assessores poderão ganhar no máximo,
em termos líquidos, o mesmo que ganha um adjunto. “
Duarte Cordeiro está correto quando diz que a política
remuneratória está definida há vários mandatos na Câmara Municipal de Lisboa e
que, pelo menos desde 2009, tem havido pequenos ajustes naquilo que é a
atribuição do número de assessores e técnicos administrativos a cada vereador. Mas
o autarca não explica que esta exceção (que o município de Lisboa tem pela sua
dimensão) é discutida no início de cada mandato autárquico, em reunião de
câmara, e que não há nenhuma obrigatoriedade de manter os números de mandatos
anteriores. No início deste mandato, ao contrário do anterior (em 2013), houve
uma subida do ‘plafond’ total porque acabou a redução remuneratória na
administração pública. Ou seja, os vereadores decidiram aumentar os tetos com
base no fim desta limitação. Não eram obrigados a fazê-lo. Permitiram, assim,
que o “bolo” total aumentasse 1,8 milhões de euros para os gabinetes dos
vereadores no mandato 2017-2021. O teto salarial por ano dos adjuntos subiu de
50.214 anuais para 55.386 anuais, se incluído o IVA.
O valor líquido corresponderá aproximadamente a 1750€ por
mês. Como o salário está equiparado ao de adjunto, categoria que continua com o
corte de 5% que todos os políticos têm desde 2010, recebem hoje menos 5% do que
auferiam em 2009. Um assessor é contratado por recibo verde e o valor bruto
terá de ser superior por causa de todos os impostos e descontos. Não é
aleatório e a forma correta de analisar é pelo valor líquido e não pelo valor
bruto.”
Duarte Cordeiro, para sugerir que os seus assessores não ganham
assim tanto, refere que o salário destes trabalhadores corresponderá
“aproximadamente a 1750 euros”. Neste caso o vice-presidente é impreciso, uma
vez que o valor que os assessores ganham em termos líquidos depende da situação
de IRS e também da situação perante a Segurança Social. Por exemplo, basta o
assessor de um vereador ter uma outra atividade como trabalho dependente — o
que acontece em alguns casos na câmara, uma vez que as prestações de serviço
não exigem “exclusividade” — para não ter de pagar Segurança Social. Nesse
caso, o vencimento líquido é maior. Mesmo o próprio IVA, que é pago pelo
trabalhador diretamente ao fisco, pode ter deduções. Há até casos, referidos na
notícia do Observador, de membros dos gabinetes que estão isentos de IVA.
O vice-presidente da CML diz ainda que “não é aleatório“,
mas uma coisa é certa: é diferenciado. Haverá trabalhadores que ganham mais e
outros que ganham menos, apesar de a CML gastar com eles os mesmos 4.615,57
euros ilíquidos mensais. Para Duarte Cordeiro, “a forma correta de analisar é
pelo valor líquido e não pelo valor bruto”. Ora, isso apelaria à imprecisão:
não é possível fazê-lo sem conhecer a situação fiscal de cada trabalhador, e
apurar o vencimento líquido de cada um. A única forma rigorosa de referir o
salário é indicando o valor bruto. Que é o valor efetivamente gasto pela
autarquia (e pelos contribuintes). No caso dos assessores dos vereadores da CML
esse valor é de 4.615,57 euros ilíquidos. Apesar disso — e porque o IVA, muitas
vezes, é mesmo um desconto direto, o Observador fez questão de colocar, várias
vezes ao longo do artigo a que se refere Duarte Cordeiro, o valor sem IVA:
3752,50 euros.
O Observador faz uma notícia criando a ideia que os aumentos
remuneratórios no meu Gabinete ocorreram agora, apenas a pessoas do PS e que
essas pessoas foram contratadas e aumentadas porque são próximas de amigos
meus. Gostava de esclarecer e desmontar estas insinuações”.
O Observador limitou-se a relatar factos. É factual que, por
comparação ao início do anterior mandato, no início do atual mandato Catarina
Gamboa teve efetivamente um aumento de mais de 80%. O Observador noticiou ainda
que esta já tinha sido aumentada: em 2016, Catarina Gamboa passou a ganhar
mais, sem que isso tivesse sido publicitado. Os 35.485 euros que recebeu a mais
relativamente ao que estava inicialmente previsto só foi comunicado no site
Base.gov em outubro de 2017, passados quase dois anos da extinção da redução
remuneratória. Nada disto foi a reunião de câmara. O valor do aumento mensal
nunca foi especificado, nem qualquer adenda publicitada — como devia, pela lei
— no site Base.gov.
Assim sendo, o Observador limitou-se a registar os factos,
não omitindo que já tinha existido um determinado aumento no anterior mandato.
Daí que o artigo fosse claro: “Quando chegou à autarquia, Catarina Gamboa tinha
uma avença de 2.562,49 euros por mês, abaixo do anterior limite, mas agora
começa o novo contrato de quatro anos com o novo teto máximo: 4.615,57 euros
mensais. É um aumento superior a 80%“. E sobre o aumento, no mandato anterior,
igualmente preciso: “Já na segunda metade do anterior mandato tinha havido um
aumento a Catarina Gamboa, mas que só foi publicitado em outubro de 2017: em
vez dos 124.708 euros previstos no contrato inicial, a execução do mesmo
publicado no Base.gov refere que a câmara pagou mais 35.485 euros pela sua
avença (num total de 160.193,17 euros), que justificou como “acerto por motivos
relativos à extinção da redução remuneratória.”
A Catarina Gamboa, principal visada, é licenciada em
Economia pelo ISEG e trabalhava, até ser convidada por mim, numa consultora de
referência na área da Economia. Tinha experiência em projetos ligados ao
planeamento autárquico e é qualificada para o desempenho das funções para as
quais foi contratada. Conheço-a há mais de dez anos, antes de ter qualquer
relação com o Pedro Nuno Santos, e oferece-me total confiança técnica e
pessoal. Não aceito que a resumam a ser mulher do Pedro Nuno Santos e nunca
essa ligação seria critério para a contratar. Como se vê apenas serve para a
tentar desvalorizar. Se querem avaliar o mérito das pessoas olhem para os seus
currículos, para a sua experiência e para o trabalho que desempenham. Os
relacionamentos pessoais não pode servir nem para a favorecer nem para discriminar.
Não conferem competências mas também não retiram valor às pessoas.
Duarte Cordeiro aponta as competências profissionais de
Catarina Gamboa e repete o que já estava no artigo do Observador: que a
assessora, além de mulher do secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares,
já é sua conhecida há mais de dez anos. O Observador já tinha registado isso
mesmo. Dizia o artigo: “Catarina Gamboa, mulher de Pedro Nuno Santos, foi
camarada de Duarte Cordeiro e do próprio Pedro Nuno Santos na direção nacional
da Juventude Socialista em 2004. Conhecem-se todos desde essa altura. Foi
assim, com naturalidade, que Duarte Cordeiro convidou Catarina Gamboa para sua
assessora na câmara de Lisboa em 2013″.
O vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa assume depois
que o facto de as pessoas fazerem parte dos seus “relacionamentos pessoais”
nunca vai pesar na decisão de contratar alguém.
O Pedro Vaz trabalhou comigo, tendo sido meu
secretário-geral adjunto da Juventude Socialista. Trabalhou no Gabinete do
Secretário de Estado do Desporto. Conheço-o bem e conheço a sua capacidade de
trabalho.
Duarte Cordeiro confirma, sobre Pedro Vaz, o que é relevante
para o artigo: tem um passado de dirigente do PS. Fez parte do seu grupo na
“jota” e no PS e foi também, como está no texto do Observador, vice-presidente
da Federação do PS Aveiro, entre 2012 e 2014, quando esta era liderada por
Pedro Nuno Santos.
Iniciei o mandato de 2013 com uma política remuneratória no
meu Gabinete em que pagava aos assessores abaixo do valor dos adjuntos. Percebi
que estava a pagar abaixo do que sucedia com outros assessores em outros
gabinetes de vereação, para pessoas com funções idênticas. Ajustei o valor para
igualar ao que é pago por todos os restantes Vereadores. Os ajustamentos, para os
principais casos visados, aconteceram a meio do mandato passado e não agora.
Para os dois casos que identifico não se procede a qualquer alteração
remuneratória.
Duarte Cordeiro dá a ideia que “pagava aos assessores abaixo
dos valores dos adjuntos”. Normalmente, quando pagam abaixo do teto, os
vereadores fazem-no para poder contratar mais pessoas, sem mexer no “bolo”
total. O que a lei permite. Quando o Observador contactou a assessoria de
imprensa do presidente Fernando Medina, a justificação foi que Duarte Cordeiro
decidiu aumentar porque “saiu uma pessoa”, dando margem para aumentar as que
continuaram no gabinete. Ora, aqui Duarte Cordeiro dá a ideia de ser rigoroso
com as contas públicas e que até pagava abaixo do permitido, omitindo que antes
tinha mais pessoas no gabinete.
O vice-presidente explica que os ajustamentos aconteceram “a
meio do mandato passado e não agora”. Toda a contratação tem de ser publicitada
no site Base.gov. Duarte Cordeiro não esclarece quando o fez e para que valores
aumentou esses colaboradores. Pior: só informou que pagou mais no anterior
mandato, por exemplo a Catarina Gamboa e Luís Sá, em outubro de 2017. Pior
ainda: a justificação que deu foi “acerto por motivos relativos à extinção da
redução remuneratória”. Ora, se aumentou Catarina Gamboa em mais de dois mil
euros, esse aumento nunca podia ter como justificação o acerto remuneratório,
que daria aumentos bastante inferiores. Se Cataria Gamboa já estive dentro teto
salarial, onde não estava, o aumento decorrente da lei seria de apenas 600
euros (e foi mais de dois mil).
Facto: Duarte Cordeiro aumentou mais de 80% a pessoas que
contratou há quatro anos. Embora estas realizem o mesmo trabalho.
Todos os Vereadores, com pelouro e sem pelouro, para além da
análise das propostas ou dos assuntos que são abordados nas reuniões de câmara
ou da Assembleia Municipal, recebem centenas de pedidos de reuniões para
apresentação de projectos, para resolução de problemas, por parte de empresas,
associações de moradores, associações desportivas, culturais, sociais ou da
parte de outras entidades públicas. É este enquadramento que tem justificado,
com amplo consenso partidário, que os Vereadores tenham apoio ao nível de
assessoria que, volto a referir, são assumidos de forma transparente numa
proposta que é votada em reunião de Câmara. O facto dos Vereadores terem apoio
garante melhor qualidade na apreciação das propostas, a possibilidade de
responder ao volume de solicitações e que a oposição consiga fazer um melhor
trabalho de escrutínio ao que o Executivo vai propondo.
Duarte Cordeiro opta por lembrar que as regras também são
aprovadas pela oposição. Tal como o Observador destacou no texto em questão:
todos os partidos aprovaram estes vencimentos, à exceção do PCP, que se
absteve. Em questões de remunerações, sempre houve um “amplo consenso
partidário“. O “consenso” permite que, muitas vezes, as propostas sejam
aprovadas com pouco escrutínio político, já que a oposição também tem direito a
vários assessores.
Podemos e devemos discordar. Há quem entenda que, apesar dos
argumentos que apresentei, não se justifica este apoio e estes vencimentos.
Estão no seu direito. Só não aceito que assumam conclusões que não são
verdadeiras. As equipas são escolhidas por por razões técnicas e pessoais. Um
Vereador tem de ser responsabilizado por tudo o que faz e é por isso que tem o
direito a escolher a sua equipa. É do resultado do trabalho da sua equipa que
resultará a sua avaliação. Um vereador é o principal beneficiado ou prejudicado
pela equipa que escolhe. Termino como comecei. Não tenho nada a esconder e
defendo a equipa que escolhi. Estou como sempre estive disponível para discutir
o resultado do meu trabalho em todas as funções que desempenhei. É o meu dever.
Duarte Cordeiro termina a dizer que não tem “nada a
esconder“, mas omite várias questões que são relevantes para o caso. Nas
questões que o Observador, a 27 de dezembro, enviou atempadamente para a
assessoria da Câmara de Lisboa, havia pelo menos três dirigidas a Duarte
Cordeiro, que passamos a reproduzir:
– O que motivou os aumentos salariais dos assessores dos
gabinetes dos vereadores?
– A título de exemplo, no gabinete de Duarte Cordeiro, a CML
pagava pela prestação de Ana Gamboa Vaz (incluindo IVA) 2562,49 € mensais no
anterior mandato e passa agora a pagar 4.615,57€. O que justifica o aumento de
mais de 80% do salário? (o mesmo aconteceu, por exemplo, com Luís Sá e também
com Hugo Gaspar)
– No mesmo gabinete, Susana Delicado (que presta serviços de
secretariado) viu a câmara mais do que duplicar o seu salário (incluindo o IVA)
passou de 1640€ para 3.454,46 €. O que justifica este aumento?
O vereador optou por não responder às questões, embora tenha
tido conhecimento delas logo a 27 de dezembro. Porque não tinha “nada a
esconder”, respondeu já após a notícia sair na sua página pessoal do Facebook.
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