Em causa está a desactivação dos hospitais existentes e a reconversão das áreas que ocupam |
Vereador diz que projectos para a
Colina de Santana não cumprem a lei
Manuel Salgado diz que as propostas apresentadas pela Estamo têm de ser
reformuladas, nomeadamente ao nível da volumetria e cércea das novas
edificações previstas
Inês Boaventura /
5-4-2014 / PÚBLICO
O vereador do
Urbanismo e da Reabilitação Urbana da Câmara de Lisboa admite que os pedidos de
informação prévia (PIP) apresentados pela Estamo para os terrenos dos hospitais
de São José, Santa Marta, Capuchos e Miguel Bombarda precisam de ser
reformulados, já que tal como estão não cumprem a lei. Entre os aspectos a
alterar, Manuel Salgado aponta a volumetria e cércea das novas edificações, os
usos propostos, o estacionamento público e a rede viária e pedonal.
Isso mesmo consta
de uma carta dirigida pelo vereador à Estamo, a imobiliária de capitais
exclusivamente públicos que é proprietária daqueles terrenos na colina de
Santana, em meados de Março. Nela, segundo foi transmitido ao PÚBLICO por fonte
camarária, Manuel Salgado reconhece o interesse da desactivação dos hospitais e
da reconversão das áreas que ocupam, mas salienta que da apreciação dos PIP
resulta clara a necessidade de os rever para que se conformem com as normas
legais e regulamentares aplicáveis.
Ainda assim, o
autarca considera que genericamente as propostas apresentadas, da autoria dos
arquitectos Teresa Nunes da Ponte (São José), João Favila Menezes (Santa
Marta), Inês Lobo (Capuchos) e Belém Lima (Miguel Bombarda), têm algumas
mais-valias. Entre elas a abertura dos espaços conventuais ao público, a
salvaguarda dos imóveis classificados, o reforço da componente residencial e a
criação de percursos pedonais.
Nessa carta,
enviada poucos dias antes de a Assembleia Municipal de Lisboa ter aprovado uma
proposta que prevê o lançamento de um Programa de Acção Territorial (PAT) para
a colina de Santana, o vereador convida a Estamo a ser parte desse instrumento.
E acrescenta que a vantagem de o elaborar foi identificada durante o debate
público promovido por aquele órgão autárquico.
O PÚBLICO
perguntou à Câmara de Lisboa se dirigiu convites semelhantes a outras entidades
e em caso afirmativo a quais mas não obteve resposta. Na deliberação aprovada
pela assembleia municipal, aquilo que se recomenda ao município é que sejam
também envolvidos no PAT o Ministério da Saúde, a Secretaria de Estado da
Cultura, Universidades e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
Já a Estamo
afirmou, em respostas escritas enviadas ao PÚBLICO pelo responsável pela sua
comunicação, que “aceitou o convite, que lhe foi endereçado pela Câmara
Municipal de Lisboa na pessoa do seu vereador Manuel Salgado, para ser parte do
Programa de Acção Territorial”. A empresa acrescenta que “vê como muito
positivo” o desenvolvimento desse instrumento, “pois considera que é adequado
para definir os termos de uma estratégia de reabilitação urbana para a colina
de Santana e programar as respectivas operações”.
A Estamo recorda
que submeteu à Câmara de Lisboa quatro PIP, “tendo a sua elaboração e
apreciação dos respectivos projectos sido acompanhada pelos serviços municipais
competentes, bem como pelos técnicos da Direcção-Geral do Património Cultural
que integram a Comissão de Apreciação da CML”. E sublinha ainda que, “com vista
a uma intervenção integrada foi desenvolvido, a pedido da Estamo e sob
coordenação da arquitecta Inês Lobo, um estudo de conjunto para a colina de
Santana, o qual partindo de uma análise histórica e patrimonial, define
orientações integradoras a observar pelas várias intervenções”.
Assim sendo,
conclui a Estamo, o PAT deve ser visto “como mais uma etapa, a etapa final,
para a necessária reavaliação dos projectos de modo a ser possível alcançar a
desejável concertação de interesses e coordenação de actuações, de modo a que a
reabilitação urbana da colina de Santana e o seu usufruto pelos cidadãos de
Lisboa possa ser uma realidade por todos desejada”.
A vantagem da
adopção deste instrumento foi referida por vários intervenientes no debate
dinamizado pela assembleia municipal nos últimos meses, e o próprio Manuel
Salgado acabou por subscrever a ideia. Mas no Documento Estratégico de
Intervenção elaborado pela câmara em Dezembro de 2013 dizia-se que “a incerteza
temporal da transferência das unidades hospitalares para o futuro Hospital
Oriental de Lisboa, a par do ‘arrefecimento’ do mercado imobiliário, torna difícil,
se não mesmo impossível, desenhar um PAT”.
Programas de Acção Territorial
têm tido reduzida aplicação
Os Programas de
Acção Territorial (PAT) estão previstos desde 1998 na Lei de Bases de Política
de Ordenamento do Território e de Urbanismo, mas a sua aplicação tem sido
“reduzida ou quase inexistente”, diz-se num guia da Direcção-Geral do
Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano (DGOTDU). A coordenação
científica do documento esteve a cargo de João Cabral, que em declarações ao
PÚBLICO admite que os poucos exemplos que há nem sempre têm sido bem sucedidos,
mas que ainda assim defende que “pode ser interessante” elaborar um PAT para a
colina de Santana, em Lisboa.
Mas afinal o que
é um PAT? No Guia dos Programas de Acção Territorial a definição dada é a de
“um instrumento contratual e programático de coordenação de actuações de
entidades públicas e privadas em intervenções territoriais integradas, tendo em
vista a prossecução de objectivos estratégicos de política de ordenamento do
território e a execução dos instrumentos de gestão territorial”. Diz-se ainda
que a sua utilidade existe sobretudo “em intervenções complexas onde as
transformações a desenvolver exigem uma boa articulação entre vários parceiros
e uma sólida programação de investimentos e médio prazo”.
João Cabral
salienta que entre os nove casos de estudo analisados para a elaboração do
guia, entre os quais os PAT de Núcleos de Desenvolvimento Turístico da Região
do Algarve e o PAT de Rio Frio, há uma “variedade enorme”. O arquitecto
salienta que onde se tem “falhado” é na fase seguinte à da elaboração de um
documento contendo o diagnóstico da situação existente, os objectivos a
alcançar e as acções a desenvolver: a fase da assinatura dos contratos
relativos a cada uma dessas acções.
“Esse é que é o
pontochave”, explica o professor da Faculdade de Arquitectura da Universidade
de Lisboa. No guia da DGOTDU essa ideia é também sublinhada, dizendose que “o
PAT não deve ser um simples acordo ou protocolo informal de cooperação, sem
vinculação ou obrigatoriedade jurídica”.
No caso da colina
de Santana, João Cabral afirma que “vale a pena tentar”. “Vamos ver se depois
há dinâmica de envolvimento e vontade de concretizar. É preciso que as
entidades se comprometam e assinem contratos”, conclui o arquitecto, lembrando
que o PAT “é um bom instrumento, sem dúvida nenhuma”.
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