terça-feira, 1 de abril de 2014

Urbanização em Carcavelos sem impactos no surf e na praia, diz estudo


Urbanização em Carcavelos sem impactos no surf e na praia, diz estudo

Investigador garante que o megaprojecto não estraga os “tubos perfeitos” dos surfistas nem hipoteca o futuro do areal. Câmara de Cascais aceitou reduzir número de fogos e eliminar condomínios privados
Marisa Soares / 2-4-2014 / PÚBLICO

A construção de uma mega-urbanização na Quinta dos Ingleses, junto à praia de Carcavelos, não altera o vento que sopra em direcção à praia e por isso não prejudica a prática do surf. O plano polémico, cujo relatório da discussão pública vai ser votado na Câmara de Cascais na próxima segunda-feira, não contribui para a erosão da praia. Estas são as conclusões de dois estudos encomendados pelo município para responder às questões levantadas por moradores e surfistas. Porém, a resposta não convence totalmente.
O Plano de Pormenor do Espaço de Reestruturação Urbanística de Carcavelos Sul (PPERUCS) abrange uma área de 54 hectares e inclui a construção de uma urbanização prevista desde os anos 60, sobre a qual os proprietários, a imobiliária Alves Ribeiro e a St. Julian’s School Association, terão adquirido direitos de construção inalienáveis. Se o projecto não avançar, os promotores exigem à câmara uma indemnização de 264 milhões de euros.
Durante o período de discussão pública, que terminou a 17 de Fevereiro, a autarquia recebeu 91 contributos e aceitou algumas das alterações propostas: a urbanização não pode incluir condomínios fechados e três dos prédios mais próximos da Avenida Marginal terão seis e não sete pisos, retirando cerca de 30 fogos aos 939 previstos.
Para esclarecer as dúvidas “levantadas com grande alarmismo” por moradores e surfistas, como referiu recentemente o presidente da câmara, Carlos Carreiras (PSD), na sua página do Facebook, o autarca decidiu pedir dois estudos independentes. Os documentos serão divulgados hoje na página do município e num encontro organizado pelo Movimento Viva Cascais, às 21h, onde o plano de pormenor vai estar em discussão.
Nos estudos, o investigador Ramiro Neves, do Instituto Superior Técnico (IST), analisou o impacto do PPERUCS no regime de ventos e no areal da praia. Através de simulações feitas com base em modelos matemáticos, o especialista concluiu que “o sentido do vento não se altera” devido à construção e que, nos 20 metros acima do nível do mar — ou seja, na zona utilizada para o surf —, “não há alteração da intensidade” do vento.
“As construções planeadas para Carcavelos Sul não terão qualquer impacte sobre a qualidade do surf na praia”, garante o especialista em Física da Atmosfera e dos Oceanos. Esta foi uma das dúvidas apresentadas durante a discussão pública pela associação SOS — Salvem o Surf, que teme perder as “ondas de qualidade mundial” que se formam na zona designada como “Esquerda do Calhau”.
A SOS — Salvem o Surf lembra que a praia de Carcavelos, onde operam 30 escolas de surf, é a que atrai mais praticantes da modalidade na Europa — chega a ter mais de 500 surfistas em simultâneo. “Ficámos chocados quando percebemos que os impactos da urbanização na praia não tinham sido sequer considerados na avaliação de impacto ambiental”, diz o presidente da associação, Pedro Bicudo. Este especialista em Física, também investigador no IST, considera que o vento offshore, que sopra da terra para o mar e cria os “tubos perfeitos”, pode “mudar completamente” após a construção da urbanização.
Ainda assim, Bicudo admite que o problema pode não existir caso se confirmem os modelos utilizados por Ramiro Neves, que ontem ainda não conhecia. Mas sobram outros. “A câmara e a Alves Ribeiro ignoraram os impactos do projecto na paisagem e na praia”, refere o surfista.
Para responder a parte da questão, o município acena com outro estudo. Ramiro Neves analisou as implicações da urbanização no futuro do areal da praia e concluiu que, devido à hidrodinâmica e à geologia da região, o projecto não interfere nos sedimentos “nem condicionará a adaptação da praia num cenário de alterações climáticas”.
Os sedimentos que se acumulam na Costa do Estoril são provenientes no estuário do Tejo. “A ondulação na região não permite a acumulação de sedimentos e não existem fontes de sedimentos em terra, pelo que a única costa estável nessas regiões é uma costa rochosa”, explica Ramiro Neves. É o caso da praia de Carcavelos. A confirmar-se a prevista subida do nível do mar (até 2080, deve subir um metro, segundo as projecções feitas no projecto SIAM — Alterações Climáticas em Portugal), os sedimentos retidos na baía serão levados pelo mar e restarão as rochas — tal como já acontece hoje, por exemplo, na vizinha praia das Avencas.
“Não digo que não há perigo de a praia desaparecer”, ressalva o investigador. No entanto, explica, o substrato rochoso da praia de Carcavelos não pode ser fonte de sedimentos, pelo que não há risco de a urbanização prevista para aquela zona interferir com o areal.
A resposta não convence Pedro Bicudo. “A partir do momento em que se construa um estacionamento e torres de betão logo atrás da praia, está-se a hipotecar uma ferramenta importante para manter o areal”, defende o presidente da SOS — Salvem o Surf. Bicudo considera que a única forma de “salvar” a praia de Carcavelos é fazer recuar a Avenida Marginal e o paredão para o interior. Ao urbanizar aquela zona, essa hipótese cai por terra.
“Criar uma faixa de segurança sem edificações, com pelo menos 300 metros de distância em relação à praia, seria suficiente para a salvar”, acrescenta. O projecto prevê a construção a cerca de 80 metros do areal. “Gostávamos que a dinâmica da zona fosse bem estudada antes de se avançar com a urbanização”, conclui.

Mesmo que seja aprovado pelo executivo municipal na segundafeira, o PPERUCS terá de ser votado pela assembleia municipal, que já chumbou o projecto em 2001 e onde o assunto ainda não reúne consenso entre os partidos.

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