OPINIÃO
Barroso em negação
RUI TAVARES
02/04/2014 – PÚBLICO
Aquilo de que a UE precisa é de um Mecanismo Europeu de Estabilidade
inteiramente comunitarizado.
Barroso reagiu
mal ao Manifesto dos 74 pela simples razão de que lhe estraga a narrativa. Não
sabem? Para Barroso, como para o seu partido europeu, o PPE, a crise já acabou.
Eles, com Merkel e a troika, salvaram o euro e a Europa. É inoportuno que logo
em Portugal, nas vésperas da saída da troika, apareça gente da esquerda à
direita dizendo que o país não pode continuar neste rumo.
É que dizer que
Portugal não pode continuar neste rumo significa também que a União não pode
continuar neste rumo. Que os problemas estruturais não podem ser varridos para
debaixo do tapete até às eleições europeias. Que é necessário dar a todos os
países da União uma oportunidade de crescimento e encontrar a necessária
complementaridade entre as várias componentes da economia europeia. Que sob os
problemas da dívida soberana se esconde uma necessidade absoluta de
requalificar as economias de países como Portugal. E que nada disto foi feito.
Se o PPE —
partido europeu a que pertencem o PSD e o CDS — não quisesse estragar o seu
embrulho para consumo eleitoral, reconheceria que os problemas que não resolveu
permanecerão connosco por muitos anos, prejudicando o nosso futuro e semeando
inimizades entre os europeus.
Nesse caso, não
recusaria o diálogo com o Manifesto dos 74. Pelo contrário, aproveitaria a
possibilidade de este marcar a agenda nacional e até europeia, como foi
demonstrado pelo manifesto de apoio de economistas estrangeiros, para pôr em
cima da mesa as componentes essenciais para uma Europa de futuro que saia desta
crise.
E quais são essas
componentes? Para facilitar, usemos três analogias históricas, alertando desde
já para o facto de nenhuma delas ser perfeita. Aqui vai: a União Europeia
precisa do seu Bretton Woods, do seu FMI, e do seu Plano Marshall.
Um Bretton Woods,
ou seja: a União Europeia precisa de uma conferência intergovernamental para
solucionar de forma estável e prolongada a “crise das dívidas soberanas”. Essa
solução poderá tomar a forma de um grande compromisso que prolongue os prazos,
que diminua os juros ou que corte nos montantes a pagar. Na verdade, importa
menos o método do que o resultado. Os países da crise precisam de um alívio
agora, com rápidos efeitos visíveis sobre os seus défices e dívidas, e que
liberte recursos para políticas de crescimento e emprego nos próximos anos.
Um FMI próprio?
Deixem-me explicar melhor. Aquilo de que a UE precisa é de um Mecanismo Europeu
de Estabilidade inteiramente comunitarizado, com escrutínio do Parlamento
Europeu, e sujeito às obrigações dos tratados de coesão, solidariedade e pleno
emprego. O objetivo é dotar o euro de um travão caso os juros das dívidas
nacionais voltem a entrar em descontrole. Basicamente, é preciso demonstrar que
não voltará a ocorrer uma crise como a anterior.
E, finalmente, um
plano Marshall, ou, para usar a minha analogia predileta, uma Tennessee Valley
Authority: pois foi com essa agência federal, dedicada à recuperação regional,
que Roosevelt conseguiu inverter o círculo vicioso de emigração, desemprego e
fome que grassava no Sul dos EUA durante a Grande Depressão. Um plano
equivalente para a Europa periférica — aquilo a que chamo um “Projeto Ulisses”
— poderia ser financiado no curto prazo pelo Banco Europeu de Investimentos.
Se Barroso não
estivesse em negação, era isto que tentaria deixar em legado ao seu sucessor.
Historiador
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