domingo, 6 de abril de 2014

Enquanto a Europa não nasce e se olhássemos para a receita?


OPINIÃO
Enquanto a Europa não nasce e se olhássemos para a receita?
PAULO TRIGO PEREIRA 06/04/2014 - PÚBLICO

A União Europeia continua num meio caminho que será insustentável a prazo, pois ou progride para maior integração política ou desintegra-se.

1. A Europa só progredirá quando existir uma situação de crise grave que afecte um dos seus grandes membros (Alemanha, França, Itália) e não um país periférico como Portugal, a Irlanda ou a Grécia.

No início da crise, com parte significativa da dívida dos países periféricos no balanço dos bancos dos países credores, o problema era sistémico, hoje, não é pois parte da dívida está em mãos nacionais. A Itália vive ainda em estado de graça, que não durará muito, do novo governo do jovem Matteo Renz. A França iniciou já o começo do fim de Hollande. Hollande, depois de uma grande derrota nas autárquicas, com a subida da Frente Nacional, de dar o dito por não dito ao reduzir o  governo para quase metade da dimensão inicial, da saída dos verdes do governo e de ter uma frágil maioria parlamentar, só faltava mesmo a iniciativa de cerca de cem deputados do partido socialista francês (PSF), que querem um “contrato de maioria”. Estes deputados pretendem que o governo passe a actuar em sintonia com o parlamento, deixando claro que darão agora o voto de confiança ao governo de Manuel Valls, mas a ameaça de que “se o governo rejeitar sistematicamente as nossas emendas [ao orçamento] como aconteceu frequentemente nos últimos dois anos, faltarão várias vozes no dia do voto” (Le Monde). A data para a prova de fogo de Hollande  já está marcada: a votação do próximo Orçamento de Estado. Aquilo que os deputados do PSF ainda não perceberam é que a margem de manobra de Hollande no quadro do “Tratado Orçamental”, e da não renegociação da dívida francesa,  é mínima e que a sua crítica deve ser dirigida mais para a inépcia das instituições europeias e não apenas para o Eliseu. Lá chegarão também ao tema da renegociação da dívida...

2. É importante perceber que no quadro europeu não estamos sós nem no fardo da dívida e do défice orçamental em 2013, nem no fraco crescimento previsto para 2014. Grécia, Itália, Irlanda e Chipre têm dívidas acima dos 100% do PIB e Bélgica, Espanha e França acima dos 90%; Grécia, Espanha, Irlanda e Chipre terão tido défices públicos em 2013 superiores ao nosso, respectivamente de  13,1%; 7,2%; 7,1% e 5,5% do PIB.  Dos países com dívida superior a 90% só a Irlanda e a Bélgica terão crescimento superior ao nosso para 2014 (considerando que Portugal consegue crescer 1,2%). Isto significa que não será só Portugal que não irá cumprir uma das duas vertentes do Tratado Orçamental, a saber, o ritmo de redução do peso excessivo da dívida. Porém, considero que se deve continuar na redução do défice (estrutural). O problema do tratado orçamental não está em ter uma vertente irrealista (dívida), está em não ser complementado por um orçamento “federal” da União Europeia, ou da zona euro, de dimensão suficiente que assuma a função de estabilização macroeconómica e não ser acompanhado de uma reestruturação da dívida. A União Europeia continua assim num meio caminho que será insustentável a prazo, pois ou progride para maior integração política ou desintegra-se.

3. Entretanto teremos de nos ir governando e tomando opções. Do lado da despesa discute-se se os cortes em salários e pensões serão temporários ou definitivos e sobretudo que perspectiva para a sua evolução. Parece-me uma evidência que a reposição, sem mais, de salários e pensões significaria agravar o défice em percentagem do PIB, mesmo assumindo um efeito multiplicador positivo dessa despesa acrescida, ou seja abdicar totalmente do tratado orçamental, o que significaria um segundo resgate e a prazo, uma saída do euro. Até que se atinja a situação de quase equilíbrio orçamental, a opção política que defendo é que a massa salarial e as pensões evoluam positivamente, a partir daqui, mas a valores nominalmente inferiores ao crescimento nominal da  economia. Nem temporários, nem definitivos portanto.


4. Há, porém, uma dimensão que tem estado alheada do debate público e da própria troika, que é a do papel da receita pública na consolidação orçamental e nos vários organismos das administrações públicas. É por demais evidente que a arquitectura financeira da nossa administração pública – com a atribuição da totalidade das receitas tributárias das regiões autónomas às regiões – é economicamente absurda. Se aplicássemos o mesmo princípio a Espanha e às comunidades autónomas espanholas, isto é, se o nível intermédio de governo ficasse com a totalidade das receitas nelas cobradas, não haveria recursos  para financiar as funções de soberania espanholas (defesa, negócios estrangeiros, etc.) nem para os municípios. Corrigir este erro crasso, só se pode fazer de duas maneiras: ou alterando a Constituição, o que me parece difícil,  ou reduzindo significativamente as muitas transferências que vão do continente para as regiões.

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