Empresário angolano dispõe-se a
comprar colecção Miró em leilão
LUÍS MIGUEL
QUEIRÓS , CLÁUDIA CARVALHO e SÉRGIO C. ANDRADE 03/04/2014 – PÚBLICO
Se o Governo leiloar as obras, Costa Reis propõe-se licitá-las, desde que o
leilão imponha aos compradores que as mantenham em Portugal por 50 anos.
O empresário e
coleccionador de arte luso-angolano Rui Costa Reis quer comprar as 85 obras de
Joan Miró provenientes do BPN e garantir que estas ficam em Portugal pelo menos
nos próximos 50 anos. E se o Governo não quiser vender-lhe directamente a colecção
e insistir em manter o leilão agendado para Junho na Christie’s - ou decidir
promover um leilão em Portugal -, está disposto a pagar pelo menos o preço-base
de licitação, desde que o regulamento do leilão estipule que os eventuais
compradores ficam legalmente obrigados a mentar a colecção em Portugal durante
50 anos.
O empresário,
soube o PÚBLICO, já terá feito chegar esta proposta à Parvalorem, sociedade
proprietária das obras, no início de Fevereiro, quando a Christie’s decidiu
suspender o leilão.
Francisco
Nogueira Leite, presidente da Parvalorem, diz que "a Parvalorem foi
contactada informalmente, por um advogado e por telefone", sem a
apresentação de qualquer proposta escrita e identificada, e que, "estando
definido o modelo da venda por leilão, não fazia sentido fazer evoluir este
assunto ainda que não tivesse sido referido, por confidencialidade, quem era o
interessado".
Quanto à condição
de as obras ficarem em Portugal", Nogueira Leite observa que "colocar
essa cláusula é estranho e insólito, porque assim o leilão seria feito 'à
medida', o que contraria o espírito de total isenção que deve orientar este
processo"
"Quanto à
condição de as obras ficarem em Portugal", Nogueira Leite observa que
"colocar essa cláusula é estranho e insólito, porque assim o leilão seria
feito 'à medida', o que contraria o espírito de total isenção que deve orientar
este processo".
Horas antes,
também ao PÚBLICO, o mesmo Nogueira Leite lembrava, depois de saber da notícia
do Diário Económico que apenas dava conta da intenção de compra sem mencionar o
leilão, que há "um contrato válido, de boa fé e livremente assinado com a
leiloeira Christie´s para a realização de um leilão em Junho".
O presidente da
Parvalorem disse que "o modelo há muito seguido foi o da realização de um
leilão internacional que permitisse com transparência permitir o maior encaixe
financeiro possível para o Estado e eliminar, subsequentemente, quaisquer
dúvidas de que o valor obtido poderia ter sido mais ou menos favorável ou
resultado de alguma falta de igualdade de oportunidades e circunstâncias para
os interessados".
O presidente da
Parvalorem acrescentou ainda que nos últimos dois anos foi contactado "por
vários investidores de todo o mundo e ligados às áreas de actividade mais
distintas para negociar directamente os quadros", tendo recusado sempre
"negociar com intermediários", e exigindo, "sem sucesso, a
comprovação da capacidade económica dos interessados".
Mas estas
declarações, coincidentes com a posição do Governo, não são, afinal,
necessariamente incompatíveis com a aceitação da proposta de Costa Reis, já que
o empresário está disposto a ir a leilão desde que o Governo garanta que os
compradores serão devidamente avisados de que ficam legalmente obrigados a
manter a colecção em Portugal.
Palacete Pinto Leite?
O que permite ler
doutro modo as declarações do ministro da Presidência e dos Assuntos
Parlamentares, Luís Marques Guedes, que lembrou esta quinta-feira que eventuais
interessados na compra da colecção Miró terão de demonstrar o seu interesse no
leilão já marcado. "Se houver empresários, sejam portugueses, angolanos,
de qualquer outra nacionalidade, que tenham interesse – e oxalá haja – em
adquirir, e adquirir para ficar em Portugal, isso será uma bela notícia. O que
terão de fazer é ir ao leilão e conseguir adquirir aí essas obras de
arte", declarou Marques Guedes em conferência de imprensa, a seguir à
reunião do Conselho de Ministros, citado pela Lusa.
Ao Diário
Económico, o vereador da Cultura da Câmara do Porto, Paulo Cunha e Silva, escusou-se
a adiantar pormenores por "decorrerem negociações", mas o jornal diz
que a autarquia já retirou de hasta pública um palácio que poderá vir a receber
as 85 obras adquiridas pelo BPN a um coleccionador japonês.
Parece provável
que se trate do palacete Pinto Leite, onde funcionou o Conservatório de Música
do Porto, que está desocupado e que a autarquia anunciara recentemente ir
leiloar. Nem o vereador da Cultura, Paulo Cunha e Silva, nem o presidente da
Câmara, Rui Moreira, que estará a tratar pessoalmente do assunto, quiseram
fazer quaisquer declarações ao PÚBLICO. Um silêncio que se terá ficado a dever
ao facto de estarem ainda negociações em curso, que podem passar, por exemplo,
por se saber como será assegurada a manutenção da colecção caso esta acabe
mesmo por ficar no Porto, como Rui Costa Reis deseja.
Contactada pelo
PÚBLICO, também a Christie’s se recusou a comentar o possível comprador,
lembrando o que tinha anunciado anteriormente: um novo leilão em Junho (ainda
sem data marcada). O leilão foi cancelado em Fevereiro pela Christie´s, que não
considerou a venda legalmente segura. Os 85 quadros de Miró do antigo BPN
voltaram para Lisboa no final de Fevereiro e estão agora num cofre-forte da
Caixa Geral de Depósitos.
Consórcio de
investidores
O galerista e
artista Carlos Cabral Nunes, mentor da petição pública que apela ao Governo
para que mantenha em Portugal a colecção de obras de Miró, disse ao PÚBLICO que
"qualquer solução que permita que as obras fiquem em Portugal é melhor do
que vendê-las", mas também reconhece pertinência aos argumentos invocados
pela Parvalorem para não considerar a proposta de um determinado investidor,
seja ele qual for, e preferir o leilão.
"Os
argumentos não estão errados", diz, "porque num leilão se podem
conseguir valores mais altos, e porque, a vender-se a um investidor, pode
sempre aparecer depois outro a dizer que oferecia mais".
A solução
preconizada por Cabral Nunes passaria pela criação de um consórcio, que poderia
integrar o empresário angolano de origens portuguesas Rui Costa Reis e
"outras pessoas que apresentaram propostas de aquisição", e que
compraria a colecção pelo valor máximo esperado pela leiloeira Christie’s:
cerca de 60 milhões de euros.
Carlos Cabral
Nunes está convencido de que "uma colecção como esta, se bem gerida, se
paga a si mesma e gera retorno financeiro", e defende que uma percentagem
desse lucro deveria ser para o Estado português, ficando o remanescente para os
investidores. O objectivo seria manter a colecção em Portugal, usando-a como
ponto de partida para uma nova instituição museológica vocacionada para a arte
do século XX, mas fazendo-a circular por museus nacionais e estrangeiros.
E acha que
"seria interessante a colecção ficar no Porto", uma vez que
"Lisboa tem a colecção Berardo" e no Porto, observa, "não há
nenhuma instituição que cubra este período, já que Serralves se centra
sobretudo na segunda metade do século XX e na arte contemporânea". Em
Fevereiro, quando ainda não podia prever que um empresário angolano com raízes
portuenses ia tentar comprar os Mirós, Paulo Cunha e Silva comentou ao PÚBLICO,
em tom de brincadeira: "Se o secretário de Estado da Cultura quiser
oferecer-me a colecção, com certeza que lhe arranjaria um espaço na
cidade".
Independentemente
do destino que a colecção vier a ter, Carlos Cabral Nunes continua empenhado em
que ela possa ser exposta em Portugal. Segundo Cabral Nunes, a Parvalorem
autorizaria a exposição, caso a Christie’s não levantasse objecções, e
"uma importante instituição museológica do país" que Cabral Nunes não
quis identificar já aceitou expor as obras no curto prazo disponível até à
realização, em Junho, do leilão da Christie’s, admitindo que este venha mesmo a
concretizar-se.
Os responsáveis
da petição já criaram mesmo um site – www.juanmiroportugal.wordpress.com –, no
qual aceitam pré-reservas para a eventual futura exposição, que, a
concretizar-se, dificilmente poderá estar patente mais do que um mês.
O PÚBLICO tentou
ainda ouvir a deputada Gabriela Canavilhas, que, na semana passada, no
Parlamento, tinha avançado ter conhecimento de que havia "soluções em
curso em cima da mesa do primeiro-ministro", que passariam "por
políticos e empresários", que poderiam evitar a venda das obras de Miró em
leilão em Londres.
Em reunião de
trabalho fora do país, a ex-ministra da Cultura do governo socialista remeteu a
resposta para Inês de Medeiros. A actriz e deputada diz não conhecer "o
detalhe da proposta do empresário angolano", e acrescenta que o PS
"não tem que ter uma posição" sobre ela. Mas lembrou a posição em que
o seu partido vem insistindo, desde o início do processo. "O que é
preciso, primeiro que tudo, é fazer um inventário das obras e depois uma
reflexão séria sobre aquelas que eventualmente justifiquem classificação, e que
devem ficar em Portugal".
Inês de Medeiros
voltou a criticar a posição do Governo nesta matéria, cuja apregoada
"transparência neste processo se mostra bem mais opaca e cheia de
secretismo". "O governo afirma-se sempre peremptório e taxativo, mas,
afinal, anda a negociar por trás", acusa a deputada, que estende as suas
críticas à Direcção-Geral do Património, que tem "falseado os dados"
relativos ao calendário do processo.
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