quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Morreu Nelson Mandela (1918-2013). Nelson Mandela, former South African president, dies aged 95/ Guardian


Morreu Nelson Mandela (1918-2013): a liberdade como obra

O primeiro Presidente negro da África do Sul morreu nesta quinta-feira, anunciou Jacob Zuma, Presidente sul-africano. O líder da luta anti-apartheid tinha 95 anos.
Nelson Mandela foi um homem de gestos. Como este: apenas aceitou sair da prisão quando recebeu garantias de que todos os outros prisioneiros políticos seriam libertados como ele. O advogado e activista acreditou na luta pela libertação de todo um povo. Depois de 27 anos preso, foi eleito o primeiro Presidente negro na África do Sul. O seu legado vai muito além do seu país e do tempo em que viveu. Morreu nesta quinta-feira, com 95 anos, na sua casa em Joanesburgo.
Quando anunciou que deixava a política, Nelson Mandela fê-lo com a mesma naturalidade com que dizia: “Toda a gente morre.” Escolheu deixar a presidência da África do Sul no fim do primeiro mandato dois anos depois de decidir abandonar a liderança do Congresso Nacional Africano (ANC), que transformou num farol da luta de libertação do seu país. Na sombra, manteve uma actividade pública, por vezes próxima da política. Estávamos em 1999.
Cinco anos depois, com 86 anos, anunciou brincando que ia “reformar-se da reforma”. Era a sua maneira de dizer que desta vez era mesmo de verdade. “Não me telefonem, eu telefono-vos”, disse na altura num encontro com jornalistas. “Não lhe telefonámos”, escreveu o jornalista Ido Lekota em 2010 no jornal The Sowetan, “mas a sua figura ‘maior do que a vida’ continua a pairar sobre a nossa democracia e o panorama político [da África do Sul].”
Hoje, três anos depois, Ido Lekota continuaria provavelmente a escrever o mesmo do líder da luta anti-apartheid, preso durante 27 anos por lutar contra o regime segregacionista da África do Sul, que foi prémio Nobel da Paz (com Frederik de Klerk) em 1993 e primeiro Presidente negro da África do Sul eleito um ano depois. “O estadista mais amado” do mundo, como se lhe referiu em tempos o New York Times, esteve internado este ano, com uma infecção pulmonar, como o foi várias vezes nos últimos dois anos. Deixa uma obra completa: um país que imaginou e criou a partir de um ideal.
Advogado, líder da luta anti-apartheid, defensor do uso de armas em nome de uma luta igual com o opressor, Nelson Rolihlahla Mandela conseguiu ter do seu lado pacifistas como o arcebispo Desmond Tutu, que foi Nobel da Paz antes dele, em 1984, e que, quando Mandela esteve internado, rezou pelo “conforto e dignidade” daquele que considera ser “o ícone mundial da reconciliação”. Também foi o arcebispo Desmond Tutu quem disse, num dos últimos aniversários de Mandela, a 18 de Julho, que a melhor prenda que ele podia receber era que as pessoas fossem como ele, era saber que as pessoas seguiriam o seu exemplo.

De pessoa revoltada a magnânima
Tutu previu ser este um momento “traumático” para a África do Sul, o da perda de Mandela, figura que descreveu como “um ser humano fantástico”, numa entrevista em Junho de 2012 ao PÚBLICO, em Lisboa.
“Quando vai para a prisão, é uma pessoa zangada, revoltada, que acredita na violência como meio de conquistar a liberdade. E, quando sai, emerge como uma pessoa extraordinariamente magnânima. O sofrimento por que passou ajudou-o a suavizar a sua posição. (…) Ele acreditava convictamente que se é líder pelas pessoas que são lideradas e não em benefício próprio. Fomos incrivelmente abençoados por termos Madiba [Mandela] aos comandos, num momento histórico para o nosso país. (…).”
Pelo menos até ao fim de 2010, o ex-Presidente sul-africano continuava, todos os meses, a receber quatro mil mensagens do mundo inteiro. Algumas com uma homenagem, outras a desejarem-lhe uma reforma tranquila e feliz, segundo a Fundação Nelson Mandela, em Dezembro de 2010, que, na declaração também recebida pelo PÚBLICO, juntou um pedido a todos para se coibirem de pedir autógrafos, declarações, entrevistas ou aparições públicas em apoio a algum evento, de forma a “ajudar a tornar a reforma de Madiba um período de paz e tranquilidade”.
Seguiram-se meses e anos difíceis em que a sua saúde se deteriorou. E durante esta última permanência no hospital, à porta da sua casa em Joanesburgo e do hospital em Pretória, muitas flores foram deixadas com mensagens a desejar as melhoras ou a dizer: “Tata Madiba: Graças a ti, temos orgulho em ser sul-africanos.” Ou com promessas: “Prometemos viver em paz e harmonia.”

Descendente do rei thembu
O desejo de Mandela, expresso na autobiografia Longo Caminho para a Liberdade, era ser enterrado junto dos seus antepassados em Qunu, no Transkei, província do Cabo Oriental, onde nasceu em 1918, e foi educado para ser, como o pai falecido, conselheiro do rei thembu, Jongintaba Dalindyebo.
Era descendente de Ngubengcuka, que tinha antes sido o rei dos thembu, incluídos no mais vasto grupo linguístico dos xhosa. Mandela descreve o rei, que foi seu pai adoptivo e do qual teria sido conselheiro, se não tivesse partido para Joanesburgo, como “um homem tolerante e esclarecido que tinha alcançado o objectivo [que caracteriza] todos os grandes líderes: manter o seu povo unido”.
Este “grande líder” acolhera Mandela com nove anos, após a morte do pai que, anos antes, ficara desapossado de tudo por desafiar um representante da administração britânica. A mãe, sem condições para o criar, entregou-o ao rei. Mandela aprendeu a escutar os anciãos.

Os vários nomes de Mandela
Mandela é muitas vezes chamado, na África do Sul, por "Tata", que significa "pai", ou por "khulu" que é "grandioso" – ambos na língua xhosa. Mas Mandela é sobretudo referido, em sinal de respeito, por "Madiba" – nome de um chefe thembu que reinou no Transkei no século XVIII, o nome do clã de Mandela que é mais importante do que o apelido.
Na clandestinidade, a partir de 1961, vestiu a pele de um David Motsamayi; disfarçou-se várias vezes de motorista, cozinheiro, jardineiro.
Não foi conselheiro, nem rei, mas a sua educação de aristocrata, os estudos de advocacia, o carisma e dedicação à luta anti-apartheid fizeram dele o líder inquestionável do ANC e principal ícone da libertação da África do Sul. Não aceitou ser libertado da prisão, enquanto não fossem instituídos o fim do apartheid e o fim da proibição do ANC, o levantamento do estado de emergência e a libertação dos outros presos políticos.
“Eu prezo muito a minha liberdade, mas prezo ainda mais a vossa”, escreveu num discurso lido pela filha Zindzi, num comício no Soweto, em 1985, dirigido aos africanos e membros do ANC.
Recolhimento nacional
Também por isso, a morte de Mandela é “uma perda tremenda para o país”, disse Ray Hartley, director do jornal sul-africano The Times numa entrevista ao PÚBLICO. “A África do Sul perderá aquele sentimento reconfortante de que existia este grande unificador”, disse, embora prevendo que "os processos políticos não serão afectados pelo seu desaparecimento.”
Também em entrevista, Thierry Vircoulon, investigador associado do Institut Français des Relations Internationales e co-autor de L’Afrique du Sud de Jacob Zuma (L’Harmattan), considerou que “a África do Sul vai entrar num momento de recolhimento nacional”. E realçou: “A nova África do Sul não vai desaparecer com ele, precisamente porque ele fez um excelente trabalho enquanto pai fundador dessa nova África do Sul.”
Os seus actos são frequentemente lembrados como exemplo para outros. As suas palavras ressoarão durante muito tempo como lições de vida.
Frederik W. de Klerk, ex-líder do Partido Nacional, fala do líder que confrontou em duras negociações e com quem partilhou o Prémio Nobel da Paz 1993, numa entrevista a propósito do livro Conversations with Myself , também lançado em Portugal, em 2010, com o título Nelson Mandela – Arquivo Íntimo (Editora Objectiva), e que junta notas pessoais, cartas e diários de Mandela escritos antes e depois da saída da prisão: “Independentemente de qualquer crítica que possamos fazer, o homem que emerge de Conversations with Myself é uma eminente figura não só na história da África do Sul, mas na história do século XX. Ele foi Presidente para desempenhar um papel exemplar na unificação e reconciliação do povo profundamente dividido da África do Sul”, disse aquele que foi o último Presidente branco da África do Sul (1989-1994).
Muitas vezes, admite na autobiografia Um Longo Caminho para a Liberdade, Mandela se questionou sobre o sofrimento que infligira à família durante a clandestinidade e nos anos na prisão de onde só saiu com 72 anos.
Já em liberdade, numa entrevista à revista norte-americana Time em Fevereiro de 1990, disse acreditar no valor da dedicação quase exclusiva à luta: “Sim, valeu a pena. Ser preso por causa das nossas convicções e estar preparado para sofrer por aquilo em que se acredita vale a pena. É uma conquista para um homem cumprir o seu dever na terra independentemente das consequências.”
O difícil equilíbrio, nunca alcançado, entre a dedicação à família, por um lado, e à causa política da libertação, por outro, acompanhou-o durante a vida e é algo presente nas suas memórias do Arquivo Íntimo. Porém, aceitou-o da mesma forma que aceitou defender o recurso às armas como imprescindível para o sucesso da luta.

Em defesa das armas
“Nunca irei lamentar a decisão que tomei em 1961, mas gostaria que um dia a minha consciência estivesse tranquila”, disse referindo-se à decisão tomada nesse ano de passar à clandestinidade e formar o MK (Umkhonto we Sizwe – A lança da nação) de que foi primeiro comandante-chefe e que se tornou a ala militar do ANC. Viria a ser condenado a prisão perpétua em 1964 por sabotagem e conspiração.
Passou 18 anos na prisão de alta segurança de Robben Island. Esteve depois na prisão de Pollsmoor, e já no final foi transferido para a cadeia de Victor Verster perto da Cidade do Cabo.
Nos 23 anos que viveu depois de libertado, concluiu a missão, iniciada ainda na cadeia, de negociar o fim do apartheid com o Governo do Partido Nacionalista e foi eleito primeiro Presidente negro da África do Sul. Depois de terminado o mandato de cinco anos, retirou-se da política e passou a dedicar-se, através da fundação com o seu nome, a uma nova causa – o combate e a prevenção da sida – à qual se sentia especialmente ligado.
Em 2005, a morte do filho Makgatho, vítima de sida, levou Mandela a uma rara intervenção pública desde que deixara a vida política em 1999. Lançou um apelo ao fim do tabu, para que se falasse desta como de qualquer outra doença, por considerar que só assim a sida deixaria de ser fatal.
Já antes, quando estava preso, tinha perdido o filho mais velho Thembekile, num desastre de automóvel, em 1969, e uma filha pequena ainda bebé, Makawize, ambos do primeiro casamento com Evelyn Mase, de quem se divorciou em 1957.
Um ano depois conheceu e casou-se com Winnie Mandela, de quem teve duas filhas. Quando a viu pela primeira vez, “soube que a ia amar”, escreve na autobiografia. Durante os anos em que esteve preso, é a sua confidente e, durante muito tempo, quem melhor o compreende. A política, os métodos utilizados ou o rumo defendido para a luta acabam por separá-los. Mandela opta pelo divórcio em 1996.
Dos seis filhos que teve, acompanharam-no até ao fim as três filhas: Zindzi, Zenani e Makawize. E Graça Machel, com quem se casou dois anos depois do divórcio com Winnie, a 18 de Julho de 1998, no dia do 80.º aniversário.

Quando Mandela esteve esta última vez no hospital, Graça Machel agradeceu emocionada as muitas mensagens a desejar as melhoras do ex-Presidente vindas da África do Sul, do continente e do resto do mundo. Nessa mensagem pública e universal, Graça Machel dizia estar reconhecida a todos os que tinham, com isso, “feito uma diferença, na recuperação” de Mandela numa alusão às palavras do próprio: “O que conta na vida não é o facto de termos vivido. É a diferença que fizemos para a vida dos outros.”

Nelson Mandela's death was announced on South African TV by current president Jacob Zuma. Photograph: Getty Images

Nelson Mandela, former South African president, dies aged 95
South Africa's first black president died peacefully in company of his family at home in Johannesburg, Jacob Zuma announces
The Guardian, Friday 6 December 2013

Nelson Mandela, the towering figure of Africa's struggle for freedom and a hero to millions around the world, has died at the age of 95.

South Africa's first black president died in the company of his family at home in Johannesburg after years of declining health that had caused him to withdraw from public life.

The news was announced to the country by the current president, Jacob Zuma, who in a sombre televised address said Mandela had "departed" around 8.50pm local time and was at peace.

"This is the moment of our deepest sorrow," Zuma said. "Our nation has lost its greatest son … What made Nelson Mandela great was precisely what made him human. We saw in him what we seek in ourselves.

"Fellow South Africans, Nelson Mandela brought us together and it is together that we will bid him farewell."

Zuma announced that Mandela would receive a state funeral and ordered that flags fly at half-mast.

Mandela's two youngest daughters were at the premiere of the biopic Mandela: Long Walk to Freedom in London last night. They received the news of their father's death during the screening in Leicester Square and immediately left the cinema.

Barack Obama led tributes from world leaders, referring to Mandela by his clan name – Madiba. The US president said: "Through his fierce dignity and unbending will to sacrifice his own freedom for the freedom of others, Madiba transformed South Africa – and moved all of us.

"His journey from a prisoner to a president embodied the promise that human beings – and countries – can change for the better. His commitment to transfer power and reconcile with those who jailed him set an example that all humanity should aspire to, whether in the lives of nations or our own personal lives."

David Cameron said: "A great light has gone out in the world" and described Mandela as "a hero of our time".

Mandela was taken to hospital in June with a recurring lung infection and slipped into a critical condition, but returned home in September where his bedroom was converted into an intensive care unit.

His death will send South Africa deep into mourning and self-reflection, nearly 20 years after he led the country from racial apartheid to inclusive democracy.

But his passing will also be keenly felt by people around the world who revered Mandela as one of history's last great statesmen, and a moral paragon comparable with Mohandas Karamchand Gandhi and Martin Luther King.

It was a transcendent act of forgiveness after spending 27 years in prison, 18 of them on Robben Island, that will assure his place in history. With South Africa facing possible civil war, Mandela sought reconciliation with the white minority to build a new democracy.

He led the African National Congress to victory in the country's first multiracial election in 1994. Unlike other African liberation leaders who cling to power, such as Zimbabwe's Robert Mugabe, he then voluntarily stepped down after one term.

Mandela was awarded the Nobel peace prize in 1993.

At his inauguration a year later, the new president said: "Never, never, and never again shall it be that this beautiful land will again experience the oppression of one by another … the sun shall never set on so glorious a human achievement. Let freedom reign. God bless Africa!"

Born Rolihlahla Dalibhunga in a small village in the Eastern Cape on 18 July 1918, Mandela was given his English name, Nelson, by a teacher at his school.

He joined the ANC in 1943 and became a co-founder of its youth league. In 1952, he started South Africa's first black law firm with his partner, Oliver Tambo.

Mandela was a charming, charismatic figure with a passion for boxing and an eye for women. He once said: "I can't help it if the ladies take note of me. I am not going to protest."

He married his first wife, Evelyn Mase, in 1944. They were divorced in 1957 after having three children. In 1958, he married Winnie Madikizela, who later campaigned to free her husband from jail and became a key figure in the struggle.

When the ANC was banned in 1960, Mandela went underground. After the Sharpeville massacre, in which 69 black protesters were shot dead by police, he took the difficult decision to launch an armed struggle. He was arrested and eventually charged with sabotage and attempting to overthrow the government.

Conducting his own defence in the Rivonia trial in 1964, he said: "I have cherished the ideal of a democratic and free society in which all persons live together in harmony and with equal opportunities.

"It is an ideal which I hope to live for and to achieve. But if needs be, it is an ideal for which I am prepared to die."

He escaped the death penalty but was sentenced to life in prison, a huge blow to the ANC that had to regroup to continue the struggle. But unrest grew in townships and international pressure on the apartheid regime slowly tightened.

Finally, in 1990, then president FW de Klerk lifted the ban on the ANC and Mandela was released from prison amid scenes of jubilation witnessed around the world.

In 1992, Mandela divorced Winnie after she was convicted on charges of kidnapping and accessory to assault.

His presidency rode a wave of tremendous global goodwill but was not without its difficulties. After leaving frontline politics in 1999, he admitted he should have moved sooner against the spread of HIV/Aids in South Africa.

His son died from an Aids-related illness. On his 80th birthday, Mandela married Graça Machel, the widow of the former president of Mozambique. It was his third marriage. In total, he had six children, of whom three daughters survive: Pumla Makaziwe (Maki), Zenani and Zindziswa (Zindzi). He has 17 grandchildren and 14 great-grandchildren.

Archbishop Desmond Tutu, who headed the truth and reconciliation committee after the fall of apartheid, said: "He transcended race and class in his personal actions, through his warmth and through his willingness to listen and to emphasise with others. And he restored others' faith in Africa and Africans."

Mandela was diagnosed with prostate cancer in 2001 and retired from public life to be with his family and enjoy some "quiet reflection". But he remained a beloved and venerated figure, with countless buildings, streets and squares named after him. His every move was scrutinised and his health was a constant source of media speculation.

MandelaHe continued to make occasional appearances at ANC events and attended the inauguration of the current president, Jacob Zuma. His 91st birthday was marked by the first annual "Mandela Day" in his honour.

He was last seen in public at the final of the 2010 World Cup in Johannesburg, a tournament he had helped bring to South Africa for the first time. Early in 2011, he was taken to hospital in a health scare but he recovered and was visited by Michelle Obama and her daughters a few months later.


In January 2012, he was notably missing from the ANC's centenary celebrations due to his frail condition. With other giants of the movement such as Tambo and Walter Sisulu having gone before Mandela, the defining chapter of Africa's oldest liberation movement is now closed.

Sem comentários: