Desempregados pediram "dignidade" e não
caridade à porta do Pingo Doce
TERESA CAMARÃO 21/12/2013 – in Público
"Normal era ter três refeições por dia", dizia o
panfleto que os desempregados, empregados, estudantes e reformados entregavam
às pessoas que iam passando pela Rua 1.º de Dezembro em Lisboa.
Cerca de 50 pessoas concentraram-se neste sábado no Pingo
Doce da Rua 1º de Dezembro, em Lisboa, para exigir cabazes de Natal. A loja não
cedeu e os manifestantes que conseguiram entrar pediram o livro de reclamações.
O estabelecimento acabou por fechar e não reabriu. Lá dentro 17 reclamações
foram escritas.
Todas diziam o mesmo. "A Jerónimo Martins do Pingo Doce
é a 19 das 20 maiores empresas portuguesas que fogem aos impostos via Holanda,
empobrecendo todos os portugueses que têm de pagar por elas"; "Porque
até quando finge a caridade, o Pingo Doce e os outros distribuidores, continuam
a lucrar nas campanhas de recolha de alimentos com as compras dos
clientes"; "Porque a fortuna do segundo homem mais rico do país e
dono do Pingo Doce, Soares dos Santos, matava a fome a 1.500.000
desempregados".
Foi um movimento anónimo que convocou os desempregados para
a acção de protesto sob o mote “Dia 21 de Dezembro, exija o seu cabaz!”. O
argumento, "se oferecem a um, oferecem a todos", referia-se ao que se
passou com o “desempregado resistente” Nélson Arraiolos a 4 de Dezembro.
Alegando o Direito à resistência, Nélson — que em Setembro
escrevera ao Presidente da República para lhe dizer que deixava de pagar
impostos, por não ter dinheiro para o fazer — informou que pretendia entrar no
Pingo Doce e "levar um pacote de arroz sem pagar". Nesse dia, já era
esperado pelo gerente que lhe entregou um cabaz de Natal. Logo aí nasceu a
intenção de um novo protesto. “Pode ser que a próxima campanha seja a de um
cabaz por desempregado”, dizia Rita Neves.
Às 16h o casal de desempregados, António e Maria, chegou à
1.º de Dezembro. Entraram na loja e pediram o cabaz. Foi-lhes recusado.
Explicaram ao gerente da loja que receberam uma mensagem a informar que o Pingo
Doce estava a fazer uma campanha solidária. “Viemos ao engano mas estamos
dispostos a ver no que dá”, explicavam. “Vivemos com 180 euros por mês, pagamos
a casa, a luz e a água. Disseram-nos que estavam a oferecer comida e nem
hesitámos”, acrescentavam.
Às 17h já eram mais. “Nós vamos exigir o cabaz para
desmascarar a hipocrisia de um grupo económico que explora os trabalhadores,
não paga impostos em Portugal e arruína os pequenos e médios produtores”,
clarificava Rita Neves. “A fortuna deste senhor dava para me alimentar a mim e
a praticamente todos os desempregados do país."
Pouco tempo depois um grupo entrou na loja. Percorreram os
corredores sempre seguidos pelos agentes da PSP fardados e à paisana. “Não
viemos aqui roubar nem queremos violência, queremos dignidade”, explicava
Carlos Vasques.
Entretanto as portas da loja foram trancadas pela PSP. Do
lado de fora, 10 agentes impediam a entrada de quem o quisesse fazer. Lá
dentro, cerca de 20 pessoas exigiram o livro de reclamações. A loja encerrou e
o livro de reclamações foi passando de mão em mão.
De acordo com fonte oficial do Pingo Doce esta acção “não
tem cara, visava provocar danos à empresa e divulgou informação falsa"
sobre a empresa.
O PÚBLICO falou com a organização do protesto que, por
razões de segurança, preferiu manter o anonimato. O perfil que lançou o evento
via Facebook na sexta-feira 13 “foi denunciado e fechado sete vezes, o evento
duas”. Estes “ataques”, denuncia a organização, “prolongaram-se noite e dia”
durante dois dias e foram feitos através da “denúncia de materiais ofensivos”
disponível a todos os utilizadores da rede social.
Ainda assim o evento não saiu da rede. A organização abriu
um blogue onde passou a disponibilizar a informação até que “um estranho
solidário ofereceu a resposta: recriou o evento”. A partir daí, a acção ganhou
dimensões “nunca esperadas”. Multiplicaram-se as declarações de solidariedade e
os apelos à participação.
Pingo Doce do Rossio reabriu ao público sem registo de
incidentes
Por Agência Lusa
publicado em 21 Dez 2013 – in (jornal) i online
Fonte da empresa confirmou a reabertura da loja, depois de
os clientes que o solicitaram terem terminado de preencher as suas queixas no
livro de reclamações
A loja do Rossio da cadeia de supermercados Pingo Doce, que
hoje foi temporariamente encerrada depois de dezenas de clientes terem
solicitado o livro de reclamações, reabriu ao público por volta das 20:00, sem
que se tenham registado desacatos.
Fonte da empresa confirmou a reabertura da loja, depois de
os clientes que o solicitaram terem terminado de preencher as suas queixas no
livro de reclamações.
Nem a polícia, que foi chamada ao local pela empresa para
garantir a manutenção da ordem, nem os responsáveis do supermercado souberam
precisar se este incidente foi resultado de um movimento organizado - que
estava anunciado para hoje - ou de várias ações individuais que coincidiram.
Nos últimos dias, circulou nas redes sociais apelos para que
os desempregados fossem hoje, pelas 17:00, ao Pingo Doce junto ao Rossio
reclamar um cabaz de Natal. A ideia terá surgido depois de, no início deste
mês, um desempregado ter ido a um supermercado para levar um pacote de arroz
sem pagar e, em vez disso, o Pingo Doce lhe ter oferecido um cabaz de Natal.
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