Aviso à Europa: a revolta dos Forconi
Análise Jorge Almeida Fernandes / 15 dez 2013 / Público
2.
Quem protesta? Camionistas (patrões e motoristas),
comerciantes, artesãos, agricultores, taxistas, desempregados, trabalhadores
precários, vendedores ambulantes, reformados e, por fim, estudantes. É uma
mobilização social e politicamente heterogénea, com muitas siglas e chefes, mas
sem uma liderança reconhecida. A forquilha, arma primitiva dos camponeses, é um
símbolo histórico. Tal como o “barrete vermelho” dos bretões na recente sublevação
contra a “ecotaxa” do Governo francês.
As raízes deste tipo de protestos são muito antigas e não
são específicas da Itália. O termo “Il Popolo de I Forconi” foi usado pela
primeira vez na Sicília, em Janeiro de 2012, nas mobilizações contra as medidas
fiscais de Mario Monti. A novidade é que, desta vez, a mobilização verificou-se
sobretudo nas grandes cidades do centro e Norte. Aquilo que era um protesto
local ganhou dimensão nacional. E tem como actores categorias sociais que antes
da crise tinham uma baixa participação política.
Um dos seus panfletos resume as queixas. Protestam “contra o
Farwest da globalização que fez desaparecer o trabalho”; são contra “este
modelo de Europa” e lutam para se “reapropriarem da soberania popular e
monetária”; são contra “o governo de nomeados” e “pela reapropriação da
democracia”; combatem “a política de austeridade”; travam, enfim, uma batalha
contra o fisco: “Basta de impostos.” As reivindicações sectoriais são
múltiplas: os comerciantes exigem, por exemplo, a proibição de novos centros
comerciais.
3.
A mobilização decaiu a partir de 11. “Os Forconi
apagar--seão provavelmente por falta de oxigénio, mas o fogo pode reacender-se,
já em Janeiro, sob formas mais radicais”, previne o politólogo Paolo Feltri. “É
uma mistura explosiva” e “não há travões”. Eles agem à revelia da maioria das
associações profissionais. E muito menos ouvem partidos e sindicatos, cuja
capacidade de representação é hoje diminuta.
Não querem falar com o Governo. Querem pô-lo na rua. É um
movimento sem objectivos claros, a não ser a revolta contra as instituições.
Como os manifestantes marcaram um prazo, os políticos tenderão a esperar que
ele se esgote. Mas já dura há dois anos e, como se disse, acaba de ganhar uma
dimensão nacional.
Beppe Grillo, que muito influenciou as suas palavras de
ordem, foi o primeiro político a tirar partido do protesto. Apelou aos polícias
que se pusessem ao lado dos manifestantes. Berlusconi anunciou um diálogo com
os Forconi, mas recuou. Ambos contam retirar dividendos nas próximas eleições
europeias. Há grupos de extrema-esquerda e, sobretudo, de extremadireita que
“infiltraram” as manifestações. A Liga Norte fez suas as reivindicações da
revolta. A imprensa próxima de Berlusconi trata-a com simpatia.
No La Stampa, de Turim, o editorialista Luigi La Spina
denunciou “o simbólico abandono do campo por parte do Estado”, apenas presente
através da polícia, o que levou cidadãos a ameaçar organizarem
contramanifestações para defenderem o direito ao trabalho, com risco de conflito
civil. E critica, acima de tudo, a inércia do Estado perante os problemas
italianos.
Os líderes dos Forconi apelaram à não violência, o que não
evitou confrontos e “derrapagens”. Foram divulgadas listas de nomes e moradas
de funcionários fiscais. Em Turim, houve a ameaça de “queimar os livros” de um
livreiro que não queria fechar as portas.
Um dos líderes, Andrea Zunino, suscitou indignação por uma
tirada anti-semita: “Queremos a demissão do Governo, a soberania da Itália,
hoje escrava de banqueiros como os Rothschild. É curioso que entre os mais
ricos do mundo cinco ou seis sejam judeus.” Admira Grillo e o nacionalista
húngaro Viktor Orban, “que está a libertar o país”.
4.
Podem fazer-se aproximações aos “barretes vermelhos” da
Bretanha, sem conotações de direita, ou ao discurso político de Marine Le Pen.
O analista americano George Friedman pensa que o fenómeno tende a tornar-se
internacional: “Há uma forte agenda anti-establishment, que critica não só os
políticos italianos, mas também as medidas de austeridade impostas pela UE e,
sobretudo, o aumento indiscriminado dos impostos.”
As análises italianas são mais matizadas. O editorialista
Michele Bambrilla previne no La Stampa: “No Norte há algo de mais profundo do
que o protesto. É a vontade de ir embora. É uma raiva que já não é contra os
políticos mas contra o Estado, o que é muito pior.” Cita um deputado do PD que
reconhece: “A esquerda sempre teve um preconceito negativo perante o pequeno
empresário, que considera um evasor fiscal.” Mas ele considera-se um
trabalhador.
O sociólogo Antimo Farro vê os Forconi não como um movimento
social, mas como “uma mobilização de protesto contra um sistema político
incapaz de construir uma perspectiva de crescimento do país”. A falta de
organização é certamente um limite para o fenómeno. “Pode ser efémero, mas o
ponto de unidade é o ataque ao sistema político.”
O sociólogo Lorenzo Bordogna remete para “a frustração
difusa das classes médias”. Mas é preciso distinguir. A frustração social não é
apenas dos marginalizados. “Os transportadores rodoviários não o são. Trata-se
de categorias que sofrem um constrangimento fiscal, combinando um aumento do
imposto com a diminuição dos subsídios.”
“Os Forconi parecem uma emanação do protesto do Movimento 5
Estrelas [de Beppe Grillo], uma espécie de adaptação do evangelho grillino a um
nível cultural mais baixo. Mas, na verdade, ninguém conhece a composição social
deste movimento que em cada território assume uma forma diferente”, observa o
historiador Paolo Natale.
Outro historiador, Guido Crainz, sublinha a “incapacidade da
esquerda italiana em projectar o futuro e modificar radicalmente a sua maneira
de ser para restituir ao cidadão a confiança na democracia”. Num país
desorientado, os Forconi exprimem não só a rejeição da austeridade, mas “a
ausência de uma ideia sobre o futuro”.
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