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OPINIÃO
Os neoboys de Passos e Portas
MANUEL CARVALHO 08/12/2013 in Público
Chama-se Bruno
Maçães, tem um currículo académico brilhante, fez prova de vida nos blogues e,
como muitos teorizadores da salvação nacional pela purga do Estado, o
investimento deu frutos
Chegou ao gabinete de Passos e agora é secretário de Estado
dos Assuntos Europeus. Bem se sabe que nos corredores do Terreiro do Paço
pululam assessores, consultores, peritos, directores ou secretários de Estado
da estirpe de Maçães. Ou seja, jovens que não sabem o que é uma empresa, que
raramente ou nunca foram a Trás-os-Montes ou a Chelas, que raramente ou nunca
andaram de autocarro, que certamente nunca tentaram perceber o drama das
falências, do desemprego ou da emigração forçada. Esta semana, Maçães foi
notícia por ter sido considerado na Grécia mais troikista que a troika, mais
alemão que um panzer, mas quem conhece ao de leve esta nova elite de Passos e
Portas não tem razão para se admirar. Há muito que o seu radicalismo messiânico
se incrustou na pele da política do Governo, dando-lhe uma moldura ideológica
que exige a criação de um admirável mundo novo sem Estado e com muitos
empreendedores.
Numa conferência na Grécia, Maçães foi inquirido por
jornalistas sobre a possibilidade de os países do Sul da Europa se juntarem
numa espécie de frente de interesses comuns face à Alemanha. Ao que o
secretário de Estado respondeu dizendo "não [ver] especialmente"
benefícios numa qualquer união com a Grécia, Espanha, Itália ou mesmo França.
Como seria de esperar, a imprensa grega desancou-o. Por cá, o ataque ampliou-se.
Na sua coluna no Expresso, Daniel Oliveira vituperou a “pandilha” que fez do
extremismo ideológico um programa. Na TVI, Constaça Cunha e Sá pegou nas suas
declarações para o considerar um “lunático”. Mais comedido, Viriato
Soromenho-Marques escreveu no DN que o secretário de Estado “ainda não atingiu
aquele grau de estabilidade emocional e hormonal a que uns chamam maturidade e
outros, simplesmente, juízo”.
Maçães não respondeu às críticas (limitou-se a um jocoso
tweet em inglês, dizendo "A esquerda grega chama-me 'alemão'. Oh,
não!") e em circunstâncias normais seria prudente ter dúvidas sobre o que
terá dito e em que contexto o disse. Mas, no caso concreto, Maçães está apenas
a ser coerente. Na sua mundividência feita de toneladas de teoria política e de
meia dúzia de quadros em Excel, a troika é uma aliada e os custos do
ajustamento não passam de danos colaterais. Não foi Maçães que escreveu que
"a relação entre austeridade e recessão é muito menos directa ou evidente
do que se pensa"? Não foi ele que disse que "a Constituição é,
aparentemente, uma lotaria babilónia"? Não foi ele que um dia teorizou
sobre a “armadilha do consenso”, elevando a exigência do Governo numa
negociação prévia para evitar “oferecer a credibilidade e autoridade que Seguro
nunca foi capaz de conquistar sozinho"? Não foi ele quem, de acordo com o
Sol, escreveu o desastrado texto com que Passos comunicou a TSU a um país
atónito pela sua insensibilidade?
Um secretário de Estado dos Assuntos Europeus que considera
que o projecto de união bancária é um “projecto atractivo”, que reconhece a
Alemanha como o lugar onde esse projecto se decide, que sabe, ou dever saber,
das hesitações, ou resistências, que Merkel e o seu ministro das Finanças lhes
movem, recusa uma união de interesses do Sul da Europa porquê? Um secretário de
Estado que disse há pouco que “deveríamos estar a trabalhar noutros projectos a
curto prazo, para facilitar o acesso das PME ao crédito, em países como
Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha, onde o acesso ao crédito é mais difícil e
caro” não alinha numa convergência de posições com estes países com que
argumento?
Só pode haver uma razão: porque essa tentativa de fazer
qualquer coisa para alterar o diktat da austeridade salvífica contradiz a tese
de quem, em 2011, esperava que “a intervenção externa, numa ou noutra forma,
seja para durar”. O radicalismo da austeridade indiscutível, da submissão
instrumental à troika, o ódio ao Estado, a sobranceria como olham Portugal e os
portugueses são ingredientes que os levam a querer refundar o país em algo de
novo, feito à sua imagem e semelhança. No fundo, no fundo, eles gostam do statu
quo. O desemprego, o empobrecimento, as falências, os custos de financiamento,
são como outrora o Gulag ou o Tarrafal: penitências que nos limparão a alma e
nos conduzirão a uma “profunda democratização do regime”.
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