domingo, 22 de dezembro de 2013

O dilema do Bloco."Se não houver convergência de esquerda agora, daqui a uns anos não haverá país".Rui Tavares. Livre está a "quebrar tabus" à esquerda. A esquerda matrioska.


O dilema do Bloco
Por Ana Sá Lopes
publicado em 23 Dez 2013 in (jornal) i online

Vai ser difícil mas necessário o Bloco assumir que os tempos mudaram, para pior
Não é fácil estar em quase nenhum sítio nos tempos que correm, com a excepção da militância na direita muito liberal que se identifica com o pensamento dominante na Europa – os partidários do “custe o que custar” e do “ir além da troika”. Mas mesmo alguns destes já iniciaram o processo de descrença.
Estar no PS não é fácil, porque o PS sempre foi uma amálgama ideológica que de vez em quando encontra um sentido comum. Muitos militantes do PS não aceitam o destino defendido por Augusto Santos Silva, na entrevista de ontem ao “Público”, de que o PS se deve coligar com Miguel Macedo, Paulo Macedo, António Pires de Lima e até Assunção Cristas. Ou a proposta de que o PS deve fazer um novo bloco central PS-PSD enunciada por Carlos César na entrevista à TVI na semana passada. Nem Santos Silva nem César são elementos “seguristas” – o que torna divertida  aquela amálgama toda que se juntou para levar António Costa ao poder no PS, e a esperança de muitos que consideravam não ser António José Seguro suficientemente à esquerda.

Não é fácil ser do PS, mas é muito difícil ser do Bloco. Enquanto a máquina do PCP conseguiu cavalgar a crise, a inexistente máquina do Bloco paralisou-se. O Bloco foi um milagre por ter conseguido juntar o velho Partido Socialista Revolucionário com a União Democrática Popular, misturar com a Política XXI de Miguel Portas e apresentar um novo partido que se esforçou por “nascer duas vezes”, como diria o Presidente da República. O Bloco foi um milagre durante 14 anos, mas começou lentamente a decair. Francisco Louçã percebeu isso nas presidenciais de 2006 quando o candidato do BE ficou sem votos que engrossaram o “movimento alegrista”. Numa Europa minada pela configuração alucinada do euro, é muito difícil dizer qualquer coisa de esquerda que não se fique por um mero slogan destituído de adesão à realidade. A vantagem do surgimento de novos movimentos como o Livre ou o movimento 3D – basta ler a entrevista de Daniel Oliveira publicada nesta edição – é arranjar um programa que tenha a capacidade de seduzir novos eleitores exaustos de antigas propostas. Foi essa a lição do movimento alegrista.
O Bloco de Esquerda não pode deixar de se juntar a estas novas movimentações, sob pena de perder o discurso de convergência à esquerda e o resto. Vai ser difícil, mas necessário, o Bloco assumir que os tempos mudaram – para pior – e é preciso agir em conformidade.


"Se não houver convergência de esquerda agora, daqui a uns anos não haverá país"
Por Nuno Ramos de Almeida e Rita Tavares
publicado em 23 Dez 2013 in (jornal) i online

Com o Manifesto 3D, Daniel Oliveira, ex-dirigente do BE, quer um pólo à esquerda que impeça o PS de fazer um governo de bloco central
Em política, só é ouvido quem tem força, os que têm razão são muitas vezes ignorados - é esta a convicção do entrevistado. Considera que estamos perante um momento extraordinário que exige soluções nunca ensaiadas. O Manifesto 3D pretende a convergência do Bloco de Esquerda, Livre e independentes para obrigar o PS a governar com a esquerda, incluindo o PCP. Tudo se decide nos próximos meses.

PCP, Plataforma de Esquerda, Política XXI, Bloco de Esquerda e Manifesto 3D, o que é que falhou nesse percurso e porque pensa que vai resultar no Manifesto?

Estão-se a esquecer da Associação de Pais da Escola Secundária António Arroio [risos] e do Sindicato dos Jornalistas. É que nem tudo tem as mesmas características, há coisas que são partidos e outras que nunca o ambicionaram ser. Não vejo as organizações e os partidos como um fim em si mesmo. São instrumentos de intervenção política. Quando se olha para este percurso e se vê os anos em que as coisas aconteceram, percebe--se que corresponde a períodos políticos em que houve grandes alterações políticas. A minha passagem pela Plataforma de Esquerda, Política XXI, Bloco de Esquerda significa um processo numa mesma direcção de alguém que, saindo do PCP, se encaminhou para um espaço político para onde muita gente nesse período se foi aproximando, quando abandonou o comunismo. No caso mais recente, o 3D, não é, por enquanto, mais que um manifesto.

O Bloco de Esquerda falhou?

Eu não ponho as coisas assim.

Não lhe convém pôr as coisas assim...

Acho que não convém a ninguém neste momento pôr as coisas assim, mas o que diria é que o BE não conseguiu atingir os objectivos a que se propunha há 14 anos. Pelo menos do ponto de vista da representação de um espaço político bastante mais abrangente do que ocupa. Podemos dizer que também não conseguiu o seu propósito de desbloquear a esquerda, parece-me evidente que está mais bloqueada que há 20 anos. Mas há outras coisas que têm de ser valorizadas: teve a capacidade de dar expressão, na agenda política, a um conjunto de matérias e sectores que não tinham representação nem expressão.

E o declínio do Bloco é irreversível?

No meu entender os partidos são instrumentais. A mim o que me interessa saber não é se o declínio do Bloco é irreversível, mas se o espaço político em que ele está integrado está em perda de força irreversível, e isso acho convictamente que não, e que há mesmo todas as condições para que se reforce.

Quais as razões que impedem o Bloco de corporizar esse crescimento?

A política tem um lado racional e tem também um lado emotivo, acho que o Bloco perdeu a capacidade de seduzir e encantar as pessoas. Às vezes isso pesa mais do que as ideias que se defendem. E depois aconteceu ao Bloco aquilo que aconteceu ao conjunto da esquerda, há uma crise que mudou tudo. Mudou a exigência do discurso sobre a Europa, as ideias sobre a economia, e aí não vou ser injusto com o Bloco, acho que ninguém foi ainda capaz de estar à altura desta situação. Apenas o PCP respondeu melhor, porque o seu discurso sempre foi anti-europeista, com matizes e nuances, e adapta-se melhor a esta situação. O Bloco e o resto da esquerda, nomeadamente os sectores do PS que têm posições à esquerda, tem dificuldades muito maiores, já que o discurso que tinham sobre a Europa não bate certo com a realidade de hoje.

Como é possível pretender juntar sectores que têm um entendimento tão divergente sobre a Europa? Uns são a favor do euro, outros contra. Uns querem aprofundar a integração, outros a soberania dos Estados.

Se falarmos do euro e do escudo, acho que não há consenso em nenhum partido da esquerda sobre esta questão, e as pessoas estão nos mesmos partidos. Estamos numa fase da política em que é muito difícil construir a unidade e fazer consensos em torno de respostas acabadas a esta crise. Eu tenho discussões com pessoas com quem tenho posições políticas muitos próximas em quase tudo, mas sobre o euro temos posições diametralmente opostas. Acabaremos por nos encontrar.

Mas para fazer o quê?

As unidades, tanto à esquerda como à direita, e ao contrário do que as pessoas pensam, começam sempre pela negativa. Começa-se sempre por definir o que não se quer. É assim que se constrói uma concordância. Nós unimo-nos na democracia, não é porque todos temos a mesma concepção de democracia, mas porque há uma coisa em que todos os que defendem a democracia estão de acordo: não querem uma ditadura.

Independentemente disso há coisas que separam politicamente as pessoas desta área, poderia estar no Livre com o programa europeísta que eles têm?

Como aderente não poderia estar, mas eu não estou a batalhar pela criação de um partido político, estou a bater-me por uma convergência. Não estou no Livre ou no BE, mas isso não me impede de querer a convergência com esses partidos. Uma coisa é concordar com a totalidade de um programa, outra é conseguir pontos de entendimento comuns. O Manifesto 3D define bem essas fronteiras e não são muito abrangentes: somos contra o Tratado Orçamental, contra a política austeritária e pela renegociação da dívida.

Como é possível convergir para construir um novo pólo político nas europeias quando a grande questão da manutenção da moeda única, associada a este modelo de integração, fica de fora?

A grande questão é a austeridade. É possível um grupo de pessoas ser contra a austeridade e ser pela renegociação da dívida e, para isso, não é preciso concordarem que a consequência disso será uma eventual saída do euro. Aliás, eu estou infelizmente convencido que Portugal sairá do euro sem ser por vontade própria. Não acho que seja programa político de ninguém a saída do euro, mesmo o PCP, que é o partido que está mais próximo disso, não defende a saída do euro. Não a enjeita, o que é diferente. Acho que é perfeitamente possível construir um programa comum de esquerda para a Europa sair da crise agora.

O aparecimento do 3D não vai desunir ainda mais a esquerda com mais uma formação?

Não. O 3D não pretende ser um novo partido, mas um manifesto que apela à convergência de forças numa determinada área política.

O PCP não se enquadra nessas fronteiras? Porque não o convidaram ?

Do meu ponto de vista, o PCP caberia nesse espaço. Não digo o mesmo do PS, devido à necessidade de, nesta fase, criar um pólo à sua esquerda. Mas o PCP tem deixado sempre claro que a sua estratégia eleitoral é apresentar-se às eleições com os seus aliados tradicionais.

O mesmo declarou o Bloco em Convenção...

Há uma diferença: o PCP expressa essa vontade, não como decisão para umas eleições, mas como estratégia continuada, como um elemento de cultura política que acho respeitável e legítimo. As pessoas do Manifesto 3D poderiam ter falado com o PCP e recebido a resposta que normalmente os comunistas dão nestas circunstâncias e toda a gente sairia contente por ter feito a sua parte. Estas coisas devem ser feitas com sinceridade. As pessoas do manifesto tiveram contactos com aqueles que sinceramente acreditavam que podiam estar disponíveis para isso, respeitando posições diferentes como as do PCP, e sabendo que isto não é o fim do caminho. No Manifesto 3D consideramos que não há respostas políticas a esta situação que não passem por um governo democrático e patriótico que, obviamente, precisa do PS e do PCP.

É uma mistura nunca feita, como é que faz uma convergência de governação, começando por aí?

Já foram feitas convergências de governação à direita, nunca foram feitas foi à esquerda. Estou absolutamente convencido que não havendo essa convergência agora, não haverá daqui a alguns anos país para governar.

De que forma institucional e política poderia ser feita essa convergência?

Eu acho sempre mau nestas coisas começar a contar pelo fim.

Mas é uma questão de clareza.

Acho muito bem que o PS vá às urnas sozinho. Uma convergência não tem de ser pré-eleitoral.

É unirem-se para fazer algumas reformas?

O PS, naturalmente, depois das próximas eleições, que todas as sondagens dizem que ganhará, fará um bloco central. É para isso que o empurra uma elite que quer que o preço da austeridade não seja paga por si, porque o bloco central permite ao PS não fazer rupturas que são necessárias como negociar com a troika, que são mais desconfortáveis para o PS do que limitar-se a gerir a crise... Portanto, o PS só governará com a esquerda - não é com a ajuda da esquerda, mas com a esquerda -, se à sua esquerda existir um pólo tão forte que tema. É tão simples como isso, uma das razões por que o PS governa à direita é que não tem medo do que está à sua esquerda.

Um cenário em que esse pólo mais o PCP tenham 30% impede um governo de bloco central?

Não sei se será obrigado, sei que terá muito mais dificuldade de governar em bloco central. A esquerda do PS está sub--representada. Há um sector muito razoável da população que não concorda com a política de austeridade e que não vê no PS uma alternativa clara nesse capítulo. Esse sector tem de ser representado para contar para a governação. O PS só não sucumbirá como o PASOK na Grécia se perceber que à sua esquerda existe um pólo político que seja um interlocutor. E isso exige três coisas: que queira ser interlocutor, queira participar na governação, não é ser a flor na lapela de ninguém. Governar...

Ter ministros?

Com certeza, governar, governar, governar. Não concebo de outra forma, governar é estar no governo. Dois, que tenha força para negociar o programa do governo. Partidos com 2, 5 ou 7% não negoceiam, como aliás se vê pelo CDS, isso partindo do princípio que eles queriam negociar alguma coisa para além do número de ministros... Este grupo de independentes, do manifesto 3D, percebe que existe um sector da sociedade que está sub-representado e que é necessário para formar uma alternativa patriótica e democrática. Parece uma coisa muito abrangente mas não é, significa cidadãos que não aceitam que, em nome de um momento de excepcionalidade, o país perca a soberania popular - não se trata de nacionalismo. O governo depende do povo e governa para o povo. Não depende da troika e não governa para a troika ou qualquer outra instituição.

Para isso, está a contar com o mesmo PS que assinou o Memorando e que se estivesse no governo o executaria?

Tenho a profunda convicção que este PS nunca poderá ser o mesmo, caso contrário desaparecerá. O PS que assinou o Memorando já o enjeita. Eles terão a sua justificação para ter assinado o Memorando da troika, mas o discurso político do PS não diz que ele é bom, afirma que é mau. Na realidade, tirando Pedro Passos Coelho e meia dúzia de lunáticos que gravitam à volta dele, não há ninguém neste país que diga, como diziam no início, que o Memorando responde às necessidades do país. Hoje não é só a apreciação do PS que mudou, mas a do próprio país. A opinião do país sobre a troika já não é a mesma.

Como é possível juntar-se a um PS que continua a ser o partido que assinou o Memorando?

Vou responder a título pessoal. Eu não farei depender as convergências governativas necessárias do ajuste de contas com o passado, o combate pela soberania nacional e pela democracia deste país até terá de contar com algumas pessoas à direita. Reconheço nessas pessoas, que têm posições muito diferentes das minhas, sinceros sentimentos patrióticos e que estão enojadas com a posição que este governo tem tomado.

Como é que um país periférico como Portugal pode forçar os seus credores a fazer uma outra política?

A questão tem de ser posta ao contrário: o que é que vai acontecer se continuarmos a fazer o que eles querem? Vai haver um momento em que teremos de parar porque esta dívida é impagável. Era preciso crescermos a 4% ao ano para podermos satisfazer os encargos da nossa dívida. Há uma escolha que nos é apresentada que não existe: pagamos ou não pagamos? A escolha está feita, há um momento em que não poderemos pagar e a questão é como gerimos esta inevitabilidade. Há quem ache que a melhor maneira é esperar por esse momento, quando o país já não existir. E há quem ache que a primeira coisa que se deve fazer é ir ter com os credores e renegociar a dívida. Aí as condições políticas não são irrelevantes: quem quer renegociar a dívida tem de estar disponível para usar todos os instrumentos que estão à sua mão. Isto significa que terá de entrar em confronto com a troika. Se tivéssemos sido suficientemente firmes já teríamos conseguido renegociar parte.

Essa resposta está no quadro nacional e não no quadro europeu?

Grande parte da resposta está no quadro europeu, mas há uma coisa que não se pode fazer em política, é concentrar--nos nas respostas que não dependem de nós. Devíamos ter encontrado na Europa aliados que têm os mesmos problemas que nós, mas há uma coisa que não podemos fazer que é dizer que a solução não depende de nós, porque isso é o que dizem os defensores da troika: fiquem quietos num canto que a solução será o que Deus quiser, aliás, o que a Merkel ordenar. Nós temos de ter outra atitude, sermos firmes com a troika e estarmos disponíveis para as consequências. Um governo só poderá fazer isso se tiver um enorme apoio popular. Não é possível renegociar a dívida com um governo que não tem a confiança dos cidadãos.

Neste campo de convergência governativa caberia José Sócrates?

Quando eu evito fazer estes números, não tem a ver com cautelas de não ser associado a fulano ou beltrano, acho que não devemos estar a fechar à partida um campo que está em mutação. Eu nunca pensei na minha vida estar a escutar Bagão Félix na televisão e estar a acenar a cabeça em concordância. Ou estar de acordo com as intervenções da Manuela Ferreira Leite, que eu trato por brincadeira como a minha camarada Manuela Ferreira Leite. Não estou a dizer que se tenha diluído a distinção entre esquerda e direita, acho até que está mais forte, mas a política sempre se fez de alianças circunstanciais e, neste combate, temos de unir o máximo de pessoas.

Qual a lógica de excluir à partida o PS desse pólo para as europeias, quando afirmam que é necessário que quando o PS, tal como indicam as sondagens, ganhar as eleições os tenha de ouvir para o governo?

Só nos vai escutar se tivermos força eleitoral. Na política ninguém ouve ninguém por achar que o outro tem razão. As pessoas são ouvidas porque têm força política. Nós não excluímos o PS, o que o Manifesto do 3D diz é que queremos unir aquilo que pode ser unido agora, para próximas eleições, que são daqui a poucos meses.

Mas são conhecidas as posições do PS e de António José Seguro sobre a renegociação da dívida...

Eu desconheço as posições de António José Seguro sobre esta matéria - eu e o país -, de qualquer forma acredito que a reestruturação da dívida vai ser inevitável. No dia em que o PS chegar ao governo vai ter de tomar posição sobre isso: ou reestrutura a dívida ou não o faz. E se não fizer não fará nada de diferente deste governo. Esta é provavelmente a minha maior divergência com gente do PS, é que não há austeridade devagarinho. A alternativa à reestruturação da dívida é o programa de Vítor Gaspar. O governo tem muitos incompetentes, mas não está a fazer esta política da troika por incompetência. Está a fazê-lo, porque ou é isto ou é a reestruturação da dívida. E isto é sacar o máximo dinheiro ao país enquanto ele tiver condições para pagar.

De que maneira esse pólo se pode constituir sem ser um bluff? Se o BE não quiser, se o Livre não lhe apetecer, para os forçar tem de ir a jogo?

Querem que responda com toda a sinceridade? Não respondo. Isso seria fazer um jogo, responder a isso agora seria um jogo. Depreenderia que eu já tinha, coisa que não tenho, um plano B para se cada um disser que não. Do meu lado, enquanto cidadão Daniel Oliveira, mais nada digo. Do comportamento de cada um tirarei as minhas conclusões. Agora, não me teria envolvido nisto se não estivesse profundamente convicto de que quer o BE, quer o Livre, quer todas as pessoas com quem falámos farão um sincero e honesto esforço para que isso seja possível. Sei que não basta vontade, mas sei que farão esse esforço com todas as dificuldades que eu conheço nestas escolhas. A dificuldade de os cidadãos independentes quererem continuar a ser independentes, a dificuldade de um partido como o Livre, que se está a afirmar, as dificuldades do BE, que tem uma história e quer preservá-la. Do meu ponto de vista, não é bluff, mas não tenho plano B, porque nem pensarei nele enquanto não se esgotar o plano A.

Se não tiver sucesso baixam os braços?

Posso falar por mim: não. Aí, no caso das europeias, tomarei posição como cidadão. Não desisto que haja um espaço político que tenha a representação que acho que merece do ponto de vista social. Nem o Livre nem o BE preenchem esse espaço?

Sozinhos não. Acho que fazem parte desse espaço e estou absolutamente confiante de que vão fazer parte desse espaço. Estar a antecipar a falta de vontade seria contribuir para ela e passar um atestado de menoridade a essas organizações.

Têm a consciência de que só com a ameaça de que vão concorrer com elas as podem pôr a pensar? Há bocado disse que só falarão convosco se tiverem força.

Estava a falar do PS.

Mas para o Bloco falar com vocês, têm de ter força?

Já falámos e estão a falar.

Porque têm razão ou força?

Acho que pelas duas coisas. Acho que essa força já se exerce de uma forma evidente. Tendo sido os promotores iniciais os que foram, e estando esta posição a ter a reacção que teve, as várias organizações com que falámos percebem que está aqui o seu povo e não se fazem partidos sem povo. Que uma coisa destas vá a bom porto é uma vontade a que estas organizações não são insensíveis, porque os partidos têm características próprias mas não são insensíveis ao exterior. E até ao seu próprio interior.

Se o BE não aceitar este desafio...

[Interrompe]... vocês telefonam e marcam uma entrevista outra vez [risos].

... Isso pode significar uma cisão grave no Bloco?

Isso é que seria um abuso da minha parte. Eu não sou... deixei de ser militante.

Há falta de clareza em alguns dos vossos protagonistas. Num dia temos uma notícia a dizer que é um pólo para se apresentar às europeias, com Carvalho da Silva. No mesmo dia, temos Carvalho da Silva a dizer que não.

O que ele disse, e com toda a legitimidade, foi que não estava na origem de nenhum movimento. Eu também não. O que por enquanto existe é um manifesto.

Não foi pela palavra movimento ou manifesto que ele desmentiu. Desmentiu que fosse protagonista e cabeça de lista às europeias.

Isso até eu desminto. E por duas razões: não é e porque seria de uma enorme arrogância de quem está a falar com os outros para construir um pólo político para as europeias que ainda dissesse quem é o cabeça de lista.

Jorge Costa, do BE, disse que faltava ainda haver coisas mais definidas neste manifesto, sobretudo em matéria de europeias. O que não está claro?

Se a ideia é fazer com outros, faria pouco sentido ter coisas definitivas.

Agora ficam à espera de resposta?

Não, agora, até princípio de Janeiro, vamos fazer uma grande recolha de assinaturas e estabilizar o manifesto e quem o pode representar.

Em Fevereiro há candidatos de outros partidos. Qual a vossa urgência?

Um processo de convergência tem Fevereiro como o momento em que as coisas têm de estar suficientemente claras na cabeça de todos.

Como seria o modelo possível de congregação desse pólo?

O modelo jurídico tanto faz.

Nas europeias é determinante, já que só se podem candidatar partidos.

É o último assunto que deve ser discutido. E não vou dizer que é simples, é complicado. É talvez o mais difícil de resolver, mas o menos importante. Quando se quer convergência deve haver método e espaço, só no momento em que for claro que há vontade para fazer isto e os moldes políticos em que deve ser feito, faz sentido começarmos a ter o debate mais difícil. Começar por aí é perder tempo num debate que, se isto não começar, nem vai ser necessário. Os canais de diálogo já estão abertos.

A necessidade de convergência à esquerda é necessário que se mantenha até às presidenciais de 2016?

Estou-me nas tintas para as presidenciais de 2016. Nessa altura já este governo fez tudo o que tinha para fazer. Para intervir politicamente não espero pelo momento em que a privatização das águas já foi feita, onde a privatização da TAP já foi feita, onde Nuno Crato já acabou de destruir a escola pública.



Rui Tavares. Livre está a "quebrar tabus" à esquerda
Por Catarina Falcão
publicado em 23 Dez 2013 in (jornal) i online
Projecto recolheu até agora 5000 assinaturas das 7500que tem de entregar no Tribunal Constitucional

Ainda não não é um partido, mas para Rui Tavares o Livre já está a "quebrar tabus" à esquerda e a abrir caminho para novos entendimentos. O surgimento de movimentos como o 3D - subscrito por nomes como Daniel Oliveira e Carvalho da Silva - é prova disso. "Portugal é dos países com maior distância entre as duas pontas da esquerda e se há essa distância toda é porque há um espaço da população que não se sente representada. Quando avançámos com o projecto do Livre quebrámos um tabu. A partir daí as pessoas começam a dizer muito mais o que pensam. E é mais difícil justificar agora porque é que as direcções partidárias não se entendem", diz ao i Rui Tavares.

O Livre recolheu desde 16 de Novembro, dia em que foi anunciado, e até ao último sábado, mais de quatro mil assinaturas - para se constituir como partido precisa de 7500. A contagem oficial foi o momento solene da Assembleia Constitutiva realizada no sábado: 4382 assinaturas. Números que o eurodeputado actualizou ontem, referindo que, após a entrega de assinaturas realizada durante a reunião, há agora cinco mil subscritores. O projecto encabeçado por Rui Tavares já tem estatutos e quer, até 31 de Janeiro, ter todos os requisitos preenchidos para se tornar um partido político.

Na reunião, mais de uma centena de pré-filiados e apoiantes do Livre encheram uma sala na Baixa de Lisboa para aprovarem as regras de funcionamento e discutir os próximos passos deste projecto político. A reunião serviu também para aprovar os estatutos. O Livre terá primárias abertas para escolher as listas de candidatos às eleições e porta-vozes temáticos que falarão em nome do partido sobre matérias específicas. Estes porta-vozes são determinados pelo Grupo de Contacto - órgão executivo do Livre - consoante os temas de interesse na política nacional e europeia, não havendo assim a figura de um único líder partidário.

REVIVER O 31 DE JANEIRO Rui Tavares espera conseguir reunir todos os elementos necessários para o Livre ser reconhecido como partido a 31 de Janeiro, dia para o qual foi marcado o congresso fundador, que decorrerá no Porto. Uma data que pode permitir ao Livre ser aprovado a tempo pelo Tribunal Constitucional e conseguir entrar na lista de partidos candidatos às eleições europeias, a 25 de Maio próximo.

O eurodeputado recusa que esse seja o objectivo, mas diz que o Livre não tem medo de eleições, tem " discurso europeu" e "programa para cinco anos em Bruxelas". "Este não é um partido para as europeias, mas estas podem ser as europeias para um partido e podem ajudar-nos a existir", diz Rui Tavares.


Caso não consiga a aprovação do Constitucional, isso não será um drama, aponta o eurodeputado: "Se não pudermos ir às europeias não há problema nenhum. Para nós o que é importante é que uma corrente de opinião de esquerda social, ecológica e libertária pela democracia europeia não existia em Portugal e isto é uma coisa que vai ressoar junto de muita gente. Se não formos, pelo menos acaba a história de sermos um partido para as europeias".



OPINIÃO
A esquerda matrioska
JOÃO MIGUEL TAVARES 19/12/2013 – in Público
Tal como os óculos 3D do cinema, o manifesto 3D filtra a realidade, esbate os contrastes e simula uma profundidade que não existe.
A esquerda portuguesa decidiu que era hora de agir e convergir. E o primeiro passo para a convergência foi a divergência de iniciativas e de projectos.

A nossa esquerda tem um carácter tão buliçoso que é possível que os vários movimentos/partidos que agora estão a alourar venham em breve a desentender-se sobre quem deseja mais o entendimento. Por exemplo, eu pensava que o novo partido de esquerda que desejava a convergência era o LIVRE, do Rui Tavares. Mas, de repente, eis que surge um novo “pólo político” de esquerda, de Daniel Oliveira et al., que ainda deseja mais a convergência do que o LIVRE, na medida em que quer convergir com o próprio partido LIVRE, embora o LIVRE ainda não seja um partido.

Confusos? Juntem-se ao clube. Uma pessoa põe-se a ler o ainda fresquíssimo “roteiro para a convergência” do LIVRE e descobre que para o partido que ainda não é partido essa é uma questão “primordial”. Uma pessoa põe-se a ler o “manifesto 3D” dos 65 senhores-que-não-estão-filiados-em-partidos-mas-são-super-de-esquerda e descobre que para o movimento que não é movimento essa é uma questão central. Pergunta ingénua: mas então porque é que aqueles 65 senhores não aderem antes ao LIVRE, que chegou primeiro, tendo em conta que todos defendem o chuto no rabo da troika, a perfeição da Constituição, o socialismo e – ponto muito importante – a acção política e a possibilidade da governação?

A única resposta possível é esta: porque o LIVRE não é suficientemente convergente na sua convergência. O LIVRE é apenas um partido enquanto os 65 em 3D são um “pólo”. Ora, pelos vistos, no jogo “pedra, papel ou tesoura” da esquerda portuguesa, o “pólo” ganha ao partido. Daniel Oliveira embrulha Rui Tavares. Significa, então, que os 65 em 3D não vão de certeza fundar um partido, em nenhum momento da História de Portugal? Eehrrr… não é bem assim, até porque existe o problema de listas de cidadãos independentes não poderem concorrer a eleições europeias nem legislativas. A solução encontrada por Daniel Oliveira, que em tempos já defendera no Expresso a necessidade de um “novo sujeito político”, tivesse ele “a forma de movimento, frente, coligação ou qualquer outra coisa” (o “qualquer outra coisa” era o “pólo”), é esta: “Começamos pela vontade e pelo conteúdo, depois iremos à forma.”

Começar pela vontade e pelo conteúdo e depois ir à forma poderia perfeitamente ser o lema inscrito no brasão da esquerda portuguesa. Porque eles querem todos o mesmo, mas não querem todos o mesmo da mesma maneira. Daí que aquilo que se está a passar neste momento seja a esquerda matrioska elevada à sua máxima potência – uma boneca russa tamanho XL, cheia de outras bonequinhas no seu interior. Embora vistas de fora pareçam todas iguais, cada uma delas preza muito a sua identidade: os 65 em 3D gostariam de englobar o LIVRE, a Renovação Comunista e o Bloco de Esquerda, que por sua vez engloba, como se sabe, o PSR, a UDP, e a Política XXI, que por sua vez engloba dissidentes da Plataforma de Esquerda e do MDP/CDE. É uma canseira de gente para convergir.

Não há boas notícias no meio disto? Há, claro. “Manifesto 3D” é um nome perfeito: tal como os óculos 3D do cinema, o manifesto 3D filtra a realidade, esbate os contrastes e simula uma profundidade que não existe. Com os óculos postos, pode ser divertido. Mas quem insistir em ver as coisas como elas são lá terá de ver a nossa esquerda como ela é: bastante colorida mas completamente desfocada.

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