O dilema do Bloco
Por Ana Sá Lopes
publicado em 23 Dez 2013 in (jornal) i online
Vai ser difícil mas necessário o Bloco assumir que os tempos
mudaram, para pior
Não é fácil estar em quase nenhum sítio nos tempos que
correm, com a excepção da militância na direita muito liberal que se identifica
com o pensamento dominante na Europa – os partidários do “custe o que custar” e
do “ir além da troika”. Mas mesmo alguns destes já iniciaram o processo de descrença.
Estar no PS não é fácil, porque o PS sempre foi uma amálgama
ideológica que de vez em quando encontra um sentido comum. Muitos militantes do
PS não aceitam o destino defendido por Augusto Santos Silva, na entrevista de
ontem ao “Público”, de que o PS se deve coligar com Miguel Macedo, Paulo
Macedo, António Pires de Lima e até Assunção Cristas. Ou a proposta de que o PS
deve fazer um novo bloco central PS-PSD enunciada por Carlos César na
entrevista à TVI na semana passada. Nem Santos Silva nem César são elementos
“seguristas” – o que torna divertida
aquela amálgama toda que se juntou para levar António Costa ao poder no
PS, e a esperança de muitos que consideravam não ser António José Seguro
suficientemente à esquerda.
Não é fácil ser do PS, mas é muito difícil ser do Bloco.
Enquanto a máquina do PCP conseguiu cavalgar a crise, a inexistente máquina do
Bloco paralisou-se. O Bloco foi um milagre por ter conseguido juntar o velho
Partido Socialista Revolucionário com a União Democrática Popular, misturar com
a Política XXI de Miguel Portas e apresentar um novo partido que se esforçou
por “nascer duas vezes”, como diria o Presidente da República. O Bloco foi um
milagre durante 14 anos, mas começou lentamente a decair. Francisco Louçã
percebeu isso nas presidenciais de 2006 quando o candidato do BE ficou sem
votos que engrossaram o “movimento alegrista”. Numa Europa minada pela
configuração alucinada do euro, é muito difícil dizer qualquer coisa de
esquerda que não se fique por um mero slogan destituído de adesão à realidade.
A vantagem do surgimento de novos movimentos como o Livre ou o movimento 3D –
basta ler a entrevista de Daniel Oliveira publicada nesta edição – é arranjar
um programa que tenha a capacidade de seduzir novos eleitores exaustos de antigas
propostas. Foi essa a lição do movimento alegrista.
O Bloco de Esquerda não pode deixar de se juntar a estas
novas movimentações, sob pena de perder o discurso de convergência à esquerda e
o resto. Vai ser difícil, mas necessário, o Bloco assumir que os tempos mudaram
– para pior – e é preciso agir em conformidade.
"Se não houver convergência de esquerda agora,
daqui a uns anos não haverá país"
Por Nuno Ramos de Almeida e Rita Tavares
publicado em 23 Dez 2013 in (jornal) i online
Com o Manifesto 3D,
Daniel Oliveira, ex-dirigente do BE, quer um pólo à esquerda que impeça o PS de
fazer um governo de bloco central
Em política, só é
ouvido quem tem força, os que têm razão são muitas vezes ignorados - é esta a
convicção do entrevistado. Considera que estamos perante um momento
extraordinário que exige soluções nunca ensaiadas. O Manifesto 3D pretende a
convergência do Bloco de Esquerda, Livre e independentes para obrigar o PS a
governar com a esquerda, incluindo o PCP. Tudo se decide nos próximos meses.
PCP, Plataforma de Esquerda, Política XXI, Bloco de Esquerda
e Manifesto 3D, o que é que falhou nesse percurso e porque pensa que vai
resultar no Manifesto?
Estão-se a esquecer da Associação de Pais da Escola
Secundária António Arroio [risos] e do Sindicato dos Jornalistas. É que nem
tudo tem as mesmas características, há coisas que são partidos e outras que
nunca o ambicionaram ser. Não vejo as organizações e os partidos como um fim em
si mesmo. São instrumentos de intervenção política. Quando se olha para este
percurso e se vê os anos em que as coisas aconteceram, percebe--se que
corresponde a períodos políticos em que houve grandes alterações políticas. A
minha passagem pela Plataforma de Esquerda, Política XXI, Bloco de Esquerda
significa um processo numa mesma direcção de alguém que, saindo do PCP, se
encaminhou para um espaço político para onde muita gente nesse período se foi
aproximando, quando abandonou o comunismo. No caso mais recente, o 3D, não é,
por enquanto, mais que um manifesto.
O Bloco de Esquerda falhou?
Eu não ponho as coisas assim.
Não lhe convém pôr as coisas assim...
Acho que não convém a ninguém neste momento pôr as coisas
assim, mas o que diria é que o BE não conseguiu atingir os objectivos a que se
propunha há 14 anos. Pelo menos do ponto de vista da representação de um espaço
político bastante mais abrangente do que ocupa. Podemos dizer que também não
conseguiu o seu propósito de desbloquear a esquerda, parece-me evidente que
está mais bloqueada que há 20 anos. Mas há outras coisas que têm de ser
valorizadas: teve a capacidade de dar expressão, na agenda política, a um
conjunto de matérias e sectores que não tinham representação nem expressão.
E o declínio do Bloco é irreversível?
No meu entender os partidos são instrumentais. A mim o que
me interessa saber não é se o declínio do Bloco é irreversível, mas se o espaço
político em que ele está integrado está em perda de força irreversível, e isso
acho convictamente que não, e que há mesmo todas as condições para que se
reforce.
Quais as razões que impedem o Bloco de corporizar esse
crescimento?
A política tem um lado racional e tem também um lado
emotivo, acho que o Bloco perdeu a capacidade de seduzir e encantar as pessoas.
Às vezes isso pesa mais do que as ideias que se defendem. E depois aconteceu ao
Bloco aquilo que aconteceu ao conjunto da esquerda, há uma crise que mudou tudo.
Mudou a exigência do discurso sobre a Europa, as ideias sobre a economia, e aí
não vou ser injusto com o Bloco, acho que ninguém foi ainda capaz de estar à
altura desta situação. Apenas o PCP respondeu melhor, porque o seu discurso
sempre foi anti-europeista, com matizes e nuances, e adapta-se melhor a esta
situação. O Bloco e o resto da esquerda, nomeadamente os sectores do PS que têm
posições à esquerda, tem dificuldades muito maiores, já que o discurso que
tinham sobre a Europa não bate certo com a realidade de hoje.
Como é possível pretender juntar sectores que têm um
entendimento tão divergente sobre a Europa? Uns são a favor do euro, outros
contra. Uns querem aprofundar a integração, outros a soberania dos Estados.
Se falarmos do euro e do escudo, acho que não há consenso em
nenhum partido da esquerda sobre esta questão, e as pessoas estão nos mesmos
partidos. Estamos numa fase da política em que é muito difícil construir a
unidade e fazer consensos em torno de respostas acabadas a esta crise. Eu tenho
discussões com pessoas com quem tenho posições políticas muitos próximas em
quase tudo, mas sobre o euro temos posições diametralmente opostas. Acabaremos
por nos encontrar.
Mas para fazer o quê?
As unidades, tanto à esquerda como à direita, e ao contrário
do que as pessoas pensam, começam sempre pela negativa. Começa-se sempre por
definir o que não se quer. É assim que se constrói uma concordância. Nós
unimo-nos na democracia, não é porque todos temos a mesma concepção de
democracia, mas porque há uma coisa em que todos os que defendem a democracia
estão de acordo: não querem uma ditadura.
Independentemente disso há coisas que separam politicamente
as pessoas desta área, poderia estar no Livre com o programa europeísta que
eles têm?
Como aderente não poderia estar, mas eu não estou a batalhar
pela criação de um partido político, estou a bater-me por uma convergência. Não
estou no Livre ou no BE, mas isso não me impede de querer a convergência com esses
partidos. Uma coisa é concordar com a totalidade de um programa, outra é
conseguir pontos de entendimento comuns. O Manifesto 3D define bem essas
fronteiras e não são muito abrangentes: somos contra o Tratado Orçamental,
contra a política austeritária e pela renegociação da dívida.
Como é possível convergir para construir um novo pólo
político nas europeias quando a grande questão da manutenção da moeda única,
associada a este modelo de integração, fica de fora?
A grande questão é a austeridade. É possível um grupo de
pessoas ser contra a austeridade e ser pela renegociação da dívida e, para
isso, não é preciso concordarem que a consequência disso será uma eventual
saída do euro. Aliás, eu estou infelizmente convencido que Portugal sairá do
euro sem ser por vontade própria. Não acho que seja programa político de
ninguém a saída do euro, mesmo o PCP, que é o partido que está mais próximo
disso, não defende a saída do euro. Não a enjeita, o que é diferente. Acho que
é perfeitamente possível construir um programa comum de esquerda para a Europa
sair da crise agora.
O aparecimento do 3D não vai desunir ainda mais a esquerda
com mais uma formação?
Não. O 3D não pretende ser um novo partido, mas um manifesto
que apela à convergência de forças numa determinada área política.
O PCP não se enquadra nessas fronteiras? Porque não o
convidaram ?
Do meu ponto de vista, o PCP caberia nesse espaço. Não digo
o mesmo do PS, devido à necessidade de, nesta fase, criar um pólo à sua
esquerda. Mas o PCP tem deixado sempre claro que a sua estratégia eleitoral é
apresentar-se às eleições com os seus aliados tradicionais.
O mesmo declarou o Bloco em Convenção...
Há uma diferença: o PCP expressa essa vontade, não como
decisão para umas eleições, mas como estratégia continuada, como um elemento de
cultura política que acho respeitável e legítimo. As pessoas do Manifesto 3D
poderiam ter falado com o PCP e recebido a resposta que normalmente os
comunistas dão nestas circunstâncias e toda a gente sairia contente por ter
feito a sua parte. Estas coisas devem ser feitas com sinceridade. As pessoas do
manifesto tiveram contactos com aqueles que sinceramente acreditavam que podiam
estar disponíveis para isso, respeitando posições diferentes como as do PCP, e
sabendo que isto não é o fim do caminho. No Manifesto 3D consideramos que não
há respostas políticas a esta situação que não passem por um governo
democrático e patriótico que, obviamente, precisa do PS e do PCP.
É uma mistura nunca feita, como é que faz uma convergência
de governação, começando por aí?
Já foram feitas convergências de governação à direita, nunca
foram feitas foi à esquerda. Estou absolutamente convencido que não havendo
essa convergência agora, não haverá daqui a alguns anos país para governar.
De que forma institucional e política poderia ser feita essa
convergência?
Eu acho sempre mau nestas coisas começar a contar pelo fim.
Mas é uma questão de clareza.
Acho muito bem que o PS vá às urnas sozinho. Uma
convergência não tem de ser pré-eleitoral.
É unirem-se para fazer algumas reformas?
O PS, naturalmente, depois das próximas eleições, que todas
as sondagens dizem que ganhará, fará um bloco central. É para isso que o
empurra uma elite que quer que o preço da austeridade não seja paga por si,
porque o bloco central permite ao PS não fazer rupturas que são necessárias
como negociar com a troika, que são mais desconfortáveis para o PS do que
limitar-se a gerir a crise... Portanto, o PS só governará com a esquerda - não
é com a ajuda da esquerda, mas com a esquerda -, se à sua esquerda existir um
pólo tão forte que tema. É tão simples como isso, uma das razões por que o PS
governa à direita é que não tem medo do que está à sua esquerda.
Um cenário em que esse pólo mais o PCP tenham 30% impede um
governo de bloco central?
Não sei se será obrigado, sei que terá muito mais
dificuldade de governar em bloco central. A esquerda do PS está
sub--representada. Há um sector muito razoável da população que não concorda
com a política de austeridade e que não vê no PS uma alternativa clara nesse
capítulo. Esse sector tem de ser representado para contar para a governação. O
PS só não sucumbirá como o PASOK na Grécia se perceber que à sua esquerda
existe um pólo político que seja um interlocutor. E isso exige três coisas: que
queira ser interlocutor, queira participar na governação, não é ser a flor na
lapela de ninguém. Governar...
Ter ministros?
Com certeza, governar, governar, governar. Não concebo de
outra forma, governar é estar no governo. Dois, que tenha força para negociar o
programa do governo. Partidos com 2, 5 ou 7% não negoceiam, como aliás se vê
pelo CDS, isso partindo do princípio que eles queriam negociar alguma coisa
para além do número de ministros... Este grupo de independentes, do manifesto
3D, percebe que existe um sector da sociedade que está sub-representado e que é
necessário para formar uma alternativa patriótica e democrática. Parece uma
coisa muito abrangente mas não é, significa cidadãos que não aceitam que, em
nome de um momento de excepcionalidade, o país perca a soberania popular - não
se trata de nacionalismo. O governo depende do povo e governa para o povo. Não
depende da troika e não governa para a troika ou qualquer outra instituição.
Para isso, está a contar com o mesmo PS que assinou o
Memorando e que se estivesse no governo o executaria?
Tenho a profunda convicção que este PS nunca poderá ser o
mesmo, caso contrário desaparecerá. O PS que assinou o Memorando já o enjeita.
Eles terão a sua justificação para ter assinado o Memorando da troika, mas o
discurso político do PS não diz que ele é bom, afirma que é mau. Na realidade,
tirando Pedro Passos Coelho e meia dúzia de lunáticos que gravitam à volta
dele, não há ninguém neste país que diga, como diziam no início, que o
Memorando responde às necessidades do país. Hoje não é só a apreciação do PS
que mudou, mas a do próprio país. A opinião do país sobre a troika já não é a
mesma.
Como é possível juntar-se a um PS que continua a ser o
partido que assinou o Memorando?
Vou responder a título pessoal. Eu não farei depender as
convergências governativas necessárias do ajuste de contas com o passado, o
combate pela soberania nacional e pela democracia deste país até terá de contar
com algumas pessoas à direita. Reconheço nessas pessoas, que têm posições muito
diferentes das minhas, sinceros sentimentos patrióticos e que estão enojadas
com a posição que este governo tem tomado.
Como é que um país periférico como Portugal pode forçar os
seus credores a fazer uma outra política?
A questão tem de ser posta ao contrário: o que é que vai
acontecer se continuarmos a fazer o que eles querem? Vai haver um momento em
que teremos de parar porque esta dívida é impagável. Era preciso crescermos a
4% ao ano para podermos satisfazer os encargos da nossa dívida. Há uma escolha
que nos é apresentada que não existe: pagamos ou não pagamos? A escolha está
feita, há um momento em que não poderemos pagar e a questão é como gerimos esta
inevitabilidade. Há quem ache que a melhor maneira é esperar por esse momento,
quando o país já não existir. E há quem ache que a primeira coisa que se deve
fazer é ir ter com os credores e renegociar a dívida. Aí as condições políticas
não são irrelevantes: quem quer renegociar a dívida tem de estar disponível
para usar todos os instrumentos que estão à sua mão. Isto significa que terá de
entrar em confronto com a troika. Se tivéssemos sido suficientemente firmes já
teríamos conseguido renegociar parte.
Essa resposta está no quadro nacional e não no quadro
europeu?
Grande parte da resposta está no quadro europeu, mas há uma
coisa que não se pode fazer em política, é concentrar--nos nas respostas que
não dependem de nós. Devíamos ter encontrado na Europa aliados que têm os
mesmos problemas que nós, mas há uma coisa que não podemos fazer que é dizer
que a solução não depende de nós, porque isso é o que dizem os defensores da
troika: fiquem quietos num canto que a solução será o que Deus quiser, aliás, o
que a Merkel ordenar. Nós temos de ter outra atitude, sermos firmes com a
troika e estarmos disponíveis para as consequências. Um governo só poderá fazer
isso se tiver um enorme apoio popular. Não é possível renegociar a dívida com
um governo que não tem a confiança dos cidadãos.
Neste campo de convergência governativa caberia José
Sócrates?
Quando eu evito fazer estes números, não tem a ver com
cautelas de não ser associado a fulano ou beltrano, acho que não devemos estar
a fechar à partida um campo que está em mutação. Eu nunca pensei na minha vida
estar a escutar Bagão Félix na televisão e estar a acenar a cabeça em
concordância. Ou estar de acordo com as intervenções da Manuela Ferreira Leite,
que eu trato por brincadeira como a minha camarada Manuela Ferreira Leite. Não
estou a dizer que se tenha diluído a distinção entre esquerda e direita, acho
até que está mais forte, mas a política sempre se fez de alianças
circunstanciais e, neste combate, temos de unir o máximo de pessoas.
Qual a lógica de excluir à partida o PS desse pólo para as
europeias, quando afirmam que é necessário que quando o PS, tal como indicam as
sondagens, ganhar as eleições os tenha de ouvir para o governo?
Só nos vai escutar se tivermos força eleitoral. Na política
ninguém ouve ninguém por achar que o outro tem razão. As pessoas são ouvidas
porque têm força política. Nós não excluímos o PS, o que o Manifesto do 3D diz
é que queremos unir aquilo que pode ser unido agora, para próximas eleições,
que são daqui a poucos meses.
Mas são conhecidas as posições do PS e de António José
Seguro sobre a renegociação da dívida...
Eu desconheço as posições de António José Seguro sobre esta
matéria - eu e o país -, de qualquer forma acredito que a reestruturação da
dívida vai ser inevitável. No dia em que o PS chegar ao governo vai ter de
tomar posição sobre isso: ou reestrutura a dívida ou não o faz. E se não fizer
não fará nada de diferente deste governo. Esta é provavelmente a minha maior
divergência com gente do PS, é que não há austeridade devagarinho. A
alternativa à reestruturação da dívida é o programa de Vítor Gaspar. O governo
tem muitos incompetentes, mas não está a fazer esta política da troika por
incompetência. Está a fazê-lo, porque ou é isto ou é a reestruturação da
dívida. E isto é sacar o máximo dinheiro ao país enquanto ele tiver condições para
pagar.
De que maneira esse pólo se pode constituir sem ser um
bluff? Se o BE não quiser, se o Livre não lhe apetecer, para os forçar tem de
ir a jogo?
Querem que responda com toda a sinceridade? Não respondo.
Isso seria fazer um jogo, responder a isso agora seria um jogo. Depreenderia
que eu já tinha, coisa que não tenho, um plano B para se cada um disser que
não. Do meu lado, enquanto cidadão Daniel Oliveira, mais nada digo. Do
comportamento de cada um tirarei as minhas conclusões. Agora, não me teria envolvido
nisto se não estivesse profundamente convicto de que quer o BE, quer o Livre,
quer todas as pessoas com quem falámos farão um sincero e honesto esforço para
que isso seja possível. Sei que não basta vontade, mas sei que farão esse
esforço com todas as dificuldades que eu conheço nestas escolhas. A dificuldade
de os cidadãos independentes quererem continuar a ser independentes, a
dificuldade de um partido como o Livre, que se está a afirmar, as dificuldades
do BE, que tem uma história e quer preservá-la. Do meu ponto de vista, não é
bluff, mas não tenho plano B, porque nem pensarei nele enquanto não se esgotar
o plano A.
Se não tiver sucesso baixam os braços?
Posso falar por mim: não. Aí, no caso das europeias, tomarei
posição como cidadão. Não desisto que haja um espaço político que tenha a
representação que acho que merece do ponto de vista social. Nem o Livre nem o
BE preenchem esse espaço?
Sozinhos não. Acho que fazem parte desse espaço e estou
absolutamente confiante de que vão fazer parte desse espaço. Estar a antecipar
a falta de vontade seria contribuir para ela e passar um atestado de menoridade
a essas organizações.
Têm a consciência de que só com a ameaça de que vão
concorrer com elas as podem pôr a pensar? Há bocado disse que só falarão
convosco se tiverem força.
Estava a falar do PS.
Mas para o Bloco falar com vocês, têm de ter força?
Já falámos e estão a falar.
Porque têm razão ou força?
Acho que pelas duas coisas. Acho que essa força já se exerce
de uma forma evidente. Tendo sido os promotores iniciais os que foram, e
estando esta posição a ter a reacção que teve, as várias organizações com que
falámos percebem que está aqui o seu povo e não se fazem partidos sem povo. Que
uma coisa destas vá a bom porto é uma vontade a que estas organizações não são
insensíveis, porque os partidos têm características próprias mas não são
insensíveis ao exterior. E até ao seu próprio interior.
Se o BE não aceitar este desafio...
[Interrompe]... vocês telefonam e marcam uma entrevista
outra vez [risos].
... Isso pode significar uma cisão grave no Bloco?
Isso é que seria um abuso da minha parte. Eu não sou...
deixei de ser militante.
Há falta de clareza em alguns dos vossos protagonistas. Num
dia temos uma notícia a dizer que é um pólo para se apresentar às europeias,
com Carvalho da Silva. No mesmo dia, temos Carvalho da Silva a dizer que não.
O que ele disse, e com toda a legitimidade, foi que não estava
na origem de nenhum movimento. Eu também não. O que por enquanto existe é um
manifesto.
Não foi pela palavra movimento ou manifesto que ele
desmentiu. Desmentiu que fosse protagonista e cabeça de lista às europeias.
Isso até eu desminto. E por duas razões: não é e porque
seria de uma enorme arrogância de quem está a falar com os outros para
construir um pólo político para as europeias que ainda dissesse quem é o cabeça
de lista.
Jorge Costa, do BE, disse que faltava ainda haver coisas
mais definidas neste manifesto, sobretudo em matéria de europeias. O que não
está claro?
Se a ideia é fazer com outros, faria pouco sentido ter
coisas definitivas.
Agora ficam à espera de resposta?
Não, agora, até princípio de Janeiro, vamos fazer uma grande
recolha de assinaturas e estabilizar o manifesto e quem o pode representar.
Em Fevereiro há candidatos de outros partidos. Qual a vossa
urgência?
Um processo de convergência tem Fevereiro como o momento em
que as coisas têm de estar suficientemente claras na cabeça de todos.
Como seria o modelo possível de congregação desse pólo?
O modelo jurídico tanto faz.
Nas europeias é determinante, já que só se podem candidatar
partidos.
É o último assunto que deve ser discutido. E não vou dizer
que é simples, é complicado. É talvez o mais difícil de resolver, mas o menos
importante. Quando se quer convergência deve haver método e espaço, só no
momento em que for claro que há vontade para fazer isto e os moldes políticos
em que deve ser feito, faz sentido começarmos a ter o debate mais difícil.
Começar por aí é perder tempo num debate que, se isto não começar, nem vai ser
necessário. Os canais de diálogo já estão abertos.
A necessidade de convergência à esquerda é necessário que se
mantenha até às presidenciais de 2016?
Estou-me nas tintas para as presidenciais de 2016. Nessa
altura já este governo fez tudo o que tinha para fazer. Para intervir
politicamente não espero pelo momento em que a privatização das águas já foi
feita, onde a privatização da TAP já foi feita, onde Nuno Crato já acabou de
destruir a escola pública.
Rui Tavares. Livre está a
"quebrar tabus" à esquerda
Por Catarina Falcão
publicado em 23 Dez 2013 in (jornal) i online
Projecto recolheu até
agora 5000 assinaturas das 7500que tem de entregar no Tribunal Constitucional
Ainda não não é um partido, mas para Rui Tavares o Livre já
está a "quebrar tabus" à esquerda e a abrir caminho para novos
entendimentos. O surgimento de movimentos como o 3D - subscrito por nomes como
Daniel Oliveira e Carvalho da Silva - é prova disso. "Portugal é dos
países com maior distância entre as duas pontas da esquerda e se há essa
distância toda é porque há um espaço da população que não se sente
representada. Quando avançámos com o projecto do Livre quebrámos um tabu. A
partir daí as pessoas começam a dizer muito mais o que pensam. E é mais difícil
justificar agora porque é que as direcções partidárias não se entendem",
diz ao i Rui Tavares.
O Livre recolheu desde 16 de Novembro, dia em que foi
anunciado, e até ao último sábado, mais de quatro mil assinaturas - para se
constituir como partido precisa de 7500. A contagem oficial foi o momento solene
da Assembleia Constitutiva realizada no sábado: 4382 assinaturas. Números que o
eurodeputado actualizou ontem, referindo que, após a entrega de assinaturas
realizada durante a reunião, há agora cinco mil subscritores. O projecto
encabeçado por Rui Tavares já tem estatutos e quer, até 31 de Janeiro, ter
todos os requisitos preenchidos para se tornar um partido político.
Na reunião, mais de uma centena de pré-filiados e apoiantes
do Livre encheram uma sala na Baixa de Lisboa para aprovarem as regras de
funcionamento e discutir os próximos passos deste projecto político. A reunião
serviu também para aprovar os estatutos. O Livre terá primárias abertas para
escolher as listas de candidatos às eleições e porta-vozes temáticos que
falarão em nome do partido sobre matérias específicas. Estes porta-vozes são
determinados pelo Grupo de Contacto - órgão executivo do Livre - consoante os
temas de interesse na política nacional e europeia, não havendo assim a figura
de um único líder partidário.
REVIVER O 31 DE JANEIRO Rui Tavares espera conseguir reunir
todos os elementos necessários para o Livre ser reconhecido como partido a 31
de Janeiro, dia para o qual foi marcado o congresso fundador, que decorrerá no
Porto. Uma data que pode permitir ao Livre ser aprovado a tempo pelo Tribunal
Constitucional e conseguir entrar na lista de partidos candidatos às eleições
europeias, a 25 de Maio próximo.
O eurodeputado recusa que esse seja o objectivo, mas diz que
o Livre não tem medo de eleições, tem " discurso europeu" e
"programa para cinco anos em Bruxelas". "Este não é um partido
para as europeias, mas estas podem ser as europeias para um partido e podem
ajudar-nos a existir", diz Rui Tavares.
Caso não consiga a aprovação do Constitucional, isso não
será um drama, aponta o eurodeputado: "Se não pudermos ir às europeias não
há problema nenhum. Para nós o que é importante é que uma corrente de opinião
de esquerda social, ecológica e libertária pela democracia europeia não existia
em Portugal e isto é uma coisa que vai ressoar junto de muita gente. Se não
formos, pelo menos acaba a história de sermos um partido para as
europeias".
OPINIÃO
A esquerda matrioska
JOÃO MIGUEL TAVARES 19/12/2013 – in Público
Tal como os óculos 3D do cinema, o manifesto 3D filtra a
realidade, esbate os contrastes e simula uma profundidade que não existe.
A esquerda portuguesa decidiu que era hora de agir e
convergir. E o primeiro passo para a convergência foi a divergência de
iniciativas e de projectos.
A nossa esquerda tem um carácter tão buliçoso que é possível
que os vários movimentos/partidos que agora estão a alourar venham em breve a
desentender-se sobre quem deseja mais o entendimento. Por exemplo, eu pensava
que o novo partido de esquerda que desejava a convergência era o LIVRE, do Rui
Tavares. Mas, de repente, eis que surge um novo “pólo político” de esquerda, de
Daniel Oliveira et al., que ainda deseja mais a convergência do que o LIVRE, na
medida em que quer convergir com o próprio partido LIVRE, embora o LIVRE ainda
não seja um partido.
Confusos? Juntem-se ao clube. Uma pessoa põe-se a ler o
ainda fresquíssimo “roteiro para a convergência” do LIVRE e descobre que para o
partido que ainda não é partido essa é uma questão “primordial”. Uma pessoa
põe-se a ler o “manifesto 3D” dos 65 senhores-que-não-estão-filiados-em-partidos-mas-são-super-de-esquerda
e descobre que para o movimento que não é movimento essa é uma questão central.
Pergunta ingénua: mas então porque é que aqueles 65 senhores não aderem antes
ao LIVRE, que chegou primeiro, tendo em conta que todos defendem o chuto no
rabo da troika, a perfeição da Constituição, o socialismo e – ponto muito
importante – a acção política e a possibilidade da governação?
A única resposta possível é esta: porque o LIVRE não é
suficientemente convergente na sua convergência. O LIVRE é apenas um partido
enquanto os 65 em 3D são um “pólo”. Ora, pelos vistos, no jogo “pedra, papel ou
tesoura” da esquerda portuguesa, o “pólo” ganha ao partido. Daniel Oliveira
embrulha Rui Tavares. Significa, então, que os 65 em 3D não vão de certeza
fundar um partido, em nenhum momento da História de Portugal? Eehrrr… não é bem
assim, até porque existe o problema de listas de cidadãos independentes não
poderem concorrer a eleições europeias nem legislativas. A solução encontrada
por Daniel Oliveira, que em tempos já defendera no Expresso a necessidade de um
“novo sujeito político”, tivesse ele “a forma de movimento, frente, coligação
ou qualquer outra coisa” (o “qualquer outra coisa” era o “pólo”), é esta:
“Começamos pela vontade e pelo conteúdo, depois iremos à forma.”
Começar pela vontade e pelo conteúdo e depois ir à forma
poderia perfeitamente ser o lema inscrito no brasão da esquerda portuguesa.
Porque eles querem todos o mesmo, mas não querem todos o mesmo da mesma maneira.
Daí que aquilo que se está a passar neste momento seja a esquerda matrioska
elevada à sua máxima potência – uma boneca russa tamanho XL, cheia de outras
bonequinhas no seu interior. Embora vistas de fora pareçam todas iguais, cada
uma delas preza muito a sua identidade: os 65 em 3D gostariam de englobar o
LIVRE, a Renovação Comunista e o Bloco de Esquerda, que por sua vez engloba,
como se sabe, o PSR, a UDP, e a Política XXI, que por sua vez engloba
dissidentes da Plataforma de Esquerda e do MDP/CDE. É uma canseira de gente
para convergir.
Não há boas notícias no meio disto? Há, claro. “Manifesto
3D” é um nome perfeito: tal como os óculos 3D do cinema, o manifesto 3D filtra
a realidade, esbate os contrastes e simula uma profundidade que não existe. Com
os óculos postos, pode ser divertido. Mas quem insistir em ver as coisas como
elas são lá terá de ver a nossa esquerda como ela é: bastante colorida mas
completamente desfocada.
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