OPINIÃO
Ventos do Norte sobre as ruínas do PSD
ANTÓNIO SÉRGIO ROSA DE CARVALHO
06/12/2013 in Público
Tal como Solnado anunciava com uma simples frase o fim de
uma guerra, o rei da Holanda anunciou o fim do Estado-Providência. Em troca, o
Governo, através do discurso do rei, fazia um apelo a um novo tipo de
sociedade: a “sociedade da participação”, numa Europa cada vez mais envelhecida
e incapaz de suportar os custos da solidariedade centralizada e
institucionalizada. Um apelo, portanto, à participação orgânica entre os
membros das comunidades, baseada em valores “humanistas/cristãos” como a
solidariedade, o altruísmo, o amor pelo próximo.
Ora, este apelo está em profundo contraste paradoxal com
todos os valores hiperindividualizados dum neoliberalismo que domina, no
presente, as sociedades ocidentais. A supremacia das “finanças” sobre um
conceito mais vasto da Ciência Económica, que a reduziram a uma especialidade
convicta, determinada por modelos “seguros” e matemáticos.
Quando falo de neoliberalismo, refiro-me a toda a herança
ideológica e messiânica de Ayn Rand ilustrada no seu Atlas Shrugged (1957).
Neste livro, que é talvez o livro mais lido nos Estados Unidos, a seguir à
Bíblia, Ayn Rand desenvolve toda a sua teoria e visão de uma Utopia/Distopia,
baseada num hiperindividualismo “heróico”, inimigo de um Estado regulador,
aplicado por uma nova elite/casta empreendedora de empresários capazes, na
melhor tradição nietzschiana de aceitar a solidão arrogante dos líderes,
construtores de uma sociedade definida em contornos hierárquicos típicos da
melhor tradição do Darwinismo Social.
Uma apologia visionária do Egoísmo total, com profundo
desprezo para com os fracos, os “falhados” e os pobres, que são vistos, através
da sua “mediocridade”, como merecedores do seu destino. Valores baseados também
num conceito de crescimento ilimitado, sustentado na visão e premissa da
disponibilidade de um espaço ilimitado de expansão e duma “Natureza” com uma
capacidade infinita de absorção. Valores “pioneiros” duma América naïfperante o
desafio ecológico da gestão do planeta nos seus recursos e equilíbrios.
Valores, no entanto, que guiam os radicais do “TeaParty” que se opõem a Obama.
Ora, o problema é que, através do seu clube elitista, Ayn
Rand conseguiu propagar as suas ideias e ganhou uma influência determinante em
personagens como Alan Greenspan, tornando-se no seu “guru” espiritual. Todo o percurso
de Greenspan foi determinado por esta “missão” até ao seu acto de contrição
pública perante o Congresso em 2008.
Os que lêem este texto poderão concluir que esta crítica é
motivada por mais uma deriva escapista neomarxista. Não, com efeito, o manifesto
de Rand, na sua redução exclusiva da Existência a um axioma económico e
produtivo, é comparável precisamente ao materialismo filosófico de Marx, numa
curiosa e perversa inversão. Uma espécie de O Capital, voltado ao contrário.
Este texto não constitui também uma negação de necessidade
de uma Reforma do Estado. Ele constitui sim, um reconhecimento de uma profunda
crise de representatividade e credibilidade da classe política. De uma ausência
de líderes capazes de nos explicarem de forma coerente e nos motivarem de forma
convincente, à necessidade imperativa dessa mesma Reforma e a todos os
sacrifícios ligados a ela. De uma ausência de sensibilidade social/ humana na
tradição humanista/iluminista, que constituem os nossos fundamentos
civilizacionais.
Ora, o mundo político português foi surpreendido pela
eleição de Rui Moreira no Porto.
Até agora, pois teremos que aguardar os desenvolvimentos,
Rui Moreira conseguiu transmitir a imagem do “homem bom”, verdadeiramente
independente e dedicado exclusivamente à cidade, e com preocupações sociais. A
sua vitória que ilustra na democracia representativa a inserção de “sinais”,
através do voto, vindos da democracia participativa, está a enervar os
“instalados” no PSD, partido que no presente, de social-democrata só tem o
nome, e é miticamente e vagamente inspirado por um culto irrealista de Sá
Carneiro, político que, devido às circunstâncias do país, nunca conseguiu
passar das intenções.
Entretanto, Rui Rio e Paulo Rangel vão enviando “recados”.
Para tirarmos conclusões sobre a efectividade destes
“ventos” críticos e reformistas, teremos que aguardar os desenvolvimentos
futuros. Mas, para já, podemos afirmar que: “Ventos do Norte uivam sobre as
ruínas do PSD”.
Historiador de Arquitectura
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