“No passado podia haver pobres, estes tinham, porém, a possibilidade de
ter uma dinâmica social e política para saírem da pobreza, uma capacidade de
inverterem as relações sociais que lhes eram desfavoráveis. Eram pobres, mas
não estavam condenados à pobreza. Era isso a que se chamava “a melhoria
social”, num contexto de mobilidade e num contrato social que permitia haver
adquiridos. Agora tudo isso aparece como um esbanjamento inaceitável, e o que
hoje se pretende é que os pobres, cada vez mais engrossados pela antiga classe
média, sejam condenados à sua condição de pobreza em nome de uma crítica moral
ao facto de “viverem acima das suas posses”, perdendo ou tornando inútil os
instrumentos que tinham para a sua ascensão social, a começar pela educação,
pela casa própria, e a acabar nas manifestações e protestos cívicos, as greves
e outras formas de resistência social. É um conflito de poder social que
atravessa toda a sociedade e que se trava também nas ideias e nas palavras, em
que a comunicação social é um palco determinante, com a manipulação das
notícias, a substituição da informação pelo marketing e pela propaganda. E o PS
escolheu estar ao lado dos “ajustadores”.
OPINIÃO
O PS não é confiável como partido da oposição
JOSÉ PACHECO PEREIRA 21/12/2013 - 00:18
O PS de Seguro ou não percebe
o sentido de fundo da actual política de “ajustamento”, ou, pelo contrário,
percebe bem de mais e quer ser parte dela.
O Governo, o PSD e o CDS, e todos os apoiantes do
“ajustamento” na versão troika-Gaspar-Passos, obtiveram uma importante vitória
política ao levarem o PS a assinar um acordo a pretexto do IRC. Foi um dia
grande. “Rejubilai”, dizem os anjos do “ajustamento”. Dizem bem.
Nesse mesmo dia, os professores contratados foram
abandonados pelo PS, que apenas pediu uma pífia “suspensão” da prova, e os
trabalhadores dos Estaleiros de Viana, que marcharam pelas ruas de Lisboa com
as suas famílias, a caminho da miséria, não merecem nem um levantar de
sobrancelhas dos doutos conselheiros económicos do “líder” Seguro. O PS, que
tinha já enormes responsabilidades na situação actual de ambos os sectores
profissionais, agora mostrou de novo por que razão não é confiável como partido
de oposição, mas, pelo contrário, é confiável, pela mão de Seguro, para lá de
muitas encenações, para os que mandam em Portugal, sempre os mesmos.
É que o acordo sobre o IRC não é sobre o IRC. O IRC, repito,
foi o pretexto. Aliás, a pergunta mais simples a fazer, a óbvia, aquela que a
comunicação social, se não estivesse subjugada à agenda e aos termos dessa
agenda do poder político dominante, faria é esta: por que razão é que um acordo
deste tipo não veio da Concertação Social, mas de conversações entre os dois
partidos? Por que razão é que o Governo nunca esteve disposto a fazer este tipo
de cedências diante da CCP ou da UGT, já para não dizer da CIP e da CGTP, mas
está disposto a fazê-lo com o PS? Ou, dito de outra maneira, que vantagem tem o
Governo em fazer este acordo com um partido da oposição e não com os parceiros
sociais? Ou ainda melhor: o que é que o PSD e o CDS obtiveram do PS que
justificou este remendo, aliás, pequeno e de pouca consequência, na sua política?
É que, convém lembrar, o Governo não precisava do voto do PS para passar esta
legislação, e é por isso que o único ganho de causa é o do Governo.
O acordo foi um acordo político de fundo que amarra o PS a
sistemáticas pressões governamentais e outras, para que passe a ser parte do
“consenso” que legitime a actual política. O que está em causa é algo que
seria, se as classificações ideológicas tivessem alguma correspondência com a
realidade, inaceitável por um partido socialista, como o é para um social-democrata,
moderado que seja. O sentido de fundo do “ajustamento” está muito para além do
resolver os problemas mais imediatos do défice ou da dívida, mas traduz-se numa
significativa alteração das relações sociais a favor dos senhores da economia
financeira, em detrimento daquilo que a maioria da população, classe média e
trabalhadores, remediados e pobres, tinham conseguido nos últimos 40 anos.
O que marcará com um rastro profundo Portugal para muitos
anos é acima de tudo essa transferência de poder, recursos e riqueza na
sociedade. Ela faz-se pela mudança de fundo no terreno laboral, com a
aquiescência do PS – recorde-se que aceitou sem críticas o acordo assinado pela
UGT –, com a fragilização das relações entre trabalhadores, o elo mais fraco, e
o patronato, o esmagamento da classe média pelo assalto à função pública, aos
salários, reformas e pensões. A destruição unilateral dos “direitos adquiridos”
destinou-se não apenas a garantir essa enorme transferência de recursos, mas
acima de tudo a enfraquecer o poder social dos trabalhadores, dos funcionários
públicos, dos detentores de direitos sociais.
No passado podia
haver pobres, estes tinham, porém, a possibilidade de ter uma dinâmica social e
política para saírem da pobreza, uma capacidade de inverterem as relações
sociais que lhes eram desfavoráveis. Eram pobres, mas não estavam condenados à
pobreza. Era isso a que se chamava “a melhoria social”, num contexto de
mobilidade e num contrato social que permitia haver adquiridos. Agora tudo isso
aparece como um esbanjamento inaceitável, e o que hoje se pretende é que os
pobres, cada vez mais engrossados pela antiga classe média, sejam condenados à
sua condição de pobreza em nome de uma crítica moral ao facto de “viverem acima
das suas posses”, perdendo ou tornando inútil os instrumentos que tinham para a
sua ascensão social, a começar pela educação, pela casa própria, e a acabar nas
manifestações e protestos cívicos, as greves e outras formas de resistência
social. É um conflito de poder social que atravessa toda a sociedade e que se
trava também nas ideias e nas palavras, em que a comunicação social é um palco
determinante, com a manipulação das notícias, a substituição da informação pelo
marketing e pela propaganda. E o PS escolheu estar ao lado dos “ajustadores”.
Pode-se argumentar que a “cedência” do PS permitiu algum
alívio às pequenas e médias empresas, e que por isso há um ganho de causa.
Talvez, e isso seria bom, se fosse apenas isso. Mas o que o PS cedeu é muito
mais do que isso: é um contributo decisivo para manter a actual política em
tudo o que é fundamental, a começar pela prioridade do alívio às empresas e aos
negócios em detrimento das pessoas e do consumo. O PS enfileirou no núcleo duro
do discurso governamental, mais sensível às empresas do que às pessoas,
aceitando que, a haver abaixamento dos impostos, ele deve começar pelas
empresas e não pelos indivíduos e as famílias, pelo IRC e não pelo IRS e pelo
IVA.
Eu conheço a lengalenga de que os benefícios às empresas, à
“economia”, são a melhor maneira de beneficiar as pessoas, e que é a
“vitalidade” da economia que pode permitir todos saírem da crise. Em abstracto,
poderia ser assim, no nosso concreto, não é. Chamo-lhe "lengalenga"
porque no actual contexto a inversão muito significativa dos poderes sociais
torna muito desigual a distribuição de benesses oriundas deste tipo de medidas,
reforça os mais fortes como um rio caudaloso e chega tardiamente e sem mudar
nada, como um fio de água, aos que mais precisam. E a outra verdade que tem que
ser dita é que este tipo de acordo no IRC vai tornar mais difícil que haja uma
diminuição significativa do IRS ou do IVA, ou seja, quem vai pagar os
benefícios a algumas empresas são outras empresas mais em risco e as pessoas e
as famílias.
Numa altura em que a campanha eleitoral para as europeias e
a, mais distante, das legislativas são já um elemento central das preocupações
partidárias do PSD e do CDS, o PS deu-lhes um importante trunfo político, e um
sinal de que não confia nas suas próprias forças para ganhar as eleições e
muito menos governar sozinho. Um acordo PS-PSD feito pela fraqueza e assente na
continuidade da política actual prenuncia apenas que, seja o PS, seja o PSD, a
governarem em 2015, cada um procurará no outro um seu aliado natural, não para
uma política de reformas, mas para garantir a política que interessa ao sector
financeiro, que capturou de há muito a decisão política em Portugal.
O PS de Seguro mostrou que não é confiável como partido da
oposição e que ou não percebe o sentido de fundo da actual política de
“ajustamento”, de que este abaixamento do IRC é um mero epifenómeno, ou, pelo
contrário, percebe bem de mais e quer ser parte dela. Inclino-me, há muito,
para a segunda versão. Seguro e os seus criaditos diligentes estão ali para
servirem as refeições aos que mandam, convencidos que as librés que vestem são
fardas de gala num palanque imaginário. Vão ter muitas palmas e responder com
muitos salamaleques.
Estamos assim.
OPINIÃO
Os erros do Partido LIVRE
EURICO FIGUEIREDO e FERNANDO CONDESSO 21/12/2013 in Público
A declaração de princípios do candidato a partido LIVRE é
uma declaração social-democrata (liberdade, igualdade, justiça social,
socialismo não estatal), europeísta e pugnando por uma democracia europeia,
universalista, ecologista, declaração absolutamente compatível com os
princípios de qualquer partido social-democrata europeu.
O LIVRE pretende vir a colocar-se a meio da esquerda.
Afirmam-se como tal, em Portugal, o PCP, BE e PS. O primeiro
apenas governou no PREC e fez perigar a evolução do país para uma democracia
representativa. O PCP e o BE funcionam, sobretudo, como partidos de protesto.
Ajudam a derrubar governos, mas não procuram criar alternativas credíveis em
democracia.
Da esquerda
considera-se também o PS: a este podemos atribuir uma influência
decisiva na criação de uma democracia representativa e de um Estado social em
Portugal.
O PPD quis-se atribuir os méritos da social-democracia,
passando a chamar-se "social-democrata". O pensamento de Sá Carneiro
iria nesse sentido. Procurou filiar o partido que dirigia na Internacional
Socialista. Mas nunca, com seriedade, se assumiu como um partido de esquerda –
o que não impediu que coexistisse neste
partido uma forte corrente social-democrata, agora completamente impotente e
extremamente crítica da actual governação, como o é um dos autores deste
artigo.
Para compreendermos, ou melhor, não compreendermos o
posicionamento do LIVRE, vamos, numa rápida pincelada, analisar as flutuações
de voto entre o PS e PSD desde 1976.
Nesse ano o PS obteve cerca de 800 mil votos mais do que o
PSD. Mas já em 1979 perdeu para a aliança de direita, AD, que obteve à volta 300 mil votos mais do que o PS. E em 1980, a coligação de
centro-esquerda ficou a mais de 1 milhão 100 mil votos da coligação de direita.
Contudo, em 1983, o PS voltou a ultrapassar o PSD em cerca
de 500 mil nvotos.
O terramoto PRD surgiu em 1985. Este novo partido, dito
"eanista", obteve acima de 1 milhão de votos, conquistados sobretudo
ao PS, mas também ao PCP. O PRD foi o único partido de massas, efémero, é
certo, a surgir depois de 1976.
A indecisão do seu líder real, general Eanes, de
excepcional prestígio, acabou por o fragilizar.
Na sequência da vitória de 1985, o PSD, em 1987, ultrapassou
o PS, com a enorme vantagem de cerca de 1 milhão e 600 mil votos, diferença que
manterá, aliás, em perda, em 1991, mas conservando ainda mais de 1 milhão e 200 mil votos do que
o PS.
Nova viravolta em 1995: o PS ultrapassou o PSD em mais de
meio milhão de votos, tendo mesmo aumentado esta vantagem em 1999.
Esta situação inverteu-se em 2002: o PSD obteve uma ligeira
vitória sobre o PS, não indo, contudo, a diferença além de cerca de 150 mil
votos.
Nova cambalhota em 2005: o PS conseguiu arrecadar cerca de 1
milhão de votos mais do que o PSD. Vantagem que se mantém em queda em 2009: o
PS obteve quase mais 500 mil votos do que o PSD, pressagiando a vitória do PSD
em 2011 com mais de 600 mil votos do que o PS.
Temos, deste modo, desde 1976, seis vitórias do PS e cinco
do PSD. Com a vitória de cada um destes partidos a deslocar, habitualmente,
centenas de milhares de votos!
Foi também nesta área que surgiu em 1985 o PRD, aliás,
também social-democrata.
Por que é que o LIVRE não procurou inserir-se nesta área
sempre em movimento, com propostas inovadoras a nível da democracia
participativa (faz algumas), quando os partidos políticos e a democracia
representativa estão em queda livre em termos de prestígio?
Sendo, todavia, indiscutível que centenas de milhares de
votos se deslocaram pendularmente ora para o PSD, ora para o PS, votando os
eleitores à esquerda, sem complexos, quando o julgaram necessário. Estes
votantes são o sal da democracia portuguesa! Exigentes e disponíveis.
Para sermos mais claros, vamos analisar a evolução dos
partidos que se pretendem colocados à esquerda do PS desde as primeiras
eleições livres em 1976.
Nas primeiras eleições livres o PCP obteve cerca de 800 mil
votos. Cresceu em 1979, através de uma frente unitária, que manteve até agora
sob outras formas, atingindo então o seu máximo histórico: mais de 1 milão e
100 mil votos.
Baixando, todavia, em 1980 para cerca de 1 milhão de votos,
score que manteve em 1983. Desceu, em 1985, para cerca de 900 mil votos, também
afectado pelo fenómeno PRD.
Descida que continua em 1987, conquistando 700 milhões de
votos, e em 1991, com meio milhão.
Conseque estabilizar a queda em 1995 e 1999, mas continua em
queda ligeira em 2002, com cerca de 400 mil votos. Sobe, contudo, ligeiramente
em 2005 e 2009, captando cerca de 450 mil votos em 2011.
Entretanto surgiu o BE, que sobe sempre de 2002 a 2005 e 2009,
atingindo mais de meio milhão de votos. Para, contudo, regredir em 2011 para
cerca de 300 mil votos.
O que significa que o BE e o PCP juntos só atingiram o
máximo histórico da coligação comunista de 1979 em 2009, para decaírem em 2011.
O que nos leva a admitir que um partido claramente
social-democrata, a meio da esquerda, num momento de gravíssima crise
económico-financeira, dificilmente se poderá implementar na área do PCP-BE. O
mais certo é a subida do PCP com uma longa tradição de luta nesta área.
Mas há algo de mais surpreendente: o LIVRE tem a pretensão
de poder unir a esquerda, o que explicita no Roteiro para a Convergência.
Compreenderíamos que este possa ser o objectivo de um movimento cívico. Os
autores deste artigo pertenceram a um movimento cívico que teve, sem sucesso,
essa pretensão piedosa.
Mas pôr esse objectivo como a primeira intenção de um novo
partido, que para existir terá de ir buscar votos ao PS, BE e PCP, é, a nosso
ver, de uma comovente ingenuidade.
Professores catedráticos
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