Na sua intervenção na Conferência, Pedro Serra levantou ontem a questão de esta Convenção poder vir a morrer e ironizou: "Uma boa seca fazia jeito". Isto porque o Governo e os cidadãos só em alturas de seca se preocupam com estas questões. "A Convenção de Albufeira tem estado hibernada e as autoridades nacionais têm estado desatentas", afirmou o especialista.
Tejo e Guadiana podem ficar com menos água
Espanha aprovou uma lei que
permite aumentar a quantidade de água transvasada do rio Tejo e prepara-se para
amplificar as captações do Guadiana sem dar cavaco a Portugal.
Carla Tomás
14:41 Sexta feira, 6 de dezembro de 2013 in Expresso online
A nova lei de Avaliação Ambiental espanhola, aprovada há
duas semanas pelo Governo de Madrid, vem flexibilizar os desvios de água no
transvase Tejo-Segura, "aumentar a pressão sobre o rio Tejo e ter impactos
claríssimos do lado português", avisa Núria Hernandez-Mora, co-presidente
da Fundação Nova Cultura da Água, à margem do 8º congresso Ibérico de Gestão e
Planeamento da Água, que teve inicio
ontem e termina sábado na Fundação Calouste Gulbenkian.
"Houve um pacto político entre o Governo de Madrid e
cinco regiões autonómicas (todas do PP), feito nas costas de Portugal, de modo
a garantir os interesses das províncias de Múrcia e da Andaluzia", informa
a investigadora. E chama a atenção para "a necessidade de uma gestão
coordenada das bacias partilhadas dos rios que atravessam as fronteiras dos
dois países".
Núria Hernandez-Mora sublinha também que a Convenção de
Albufeira (que garante caudais mínimos para o lado português) "não pode
ser meramente uma repartição de água".
A lei agora aprovada permite a Espanha viabilizar transvases
por mero decreto, ignorando os Planos de Bacia Hidrográfica do Tejo e a Lei da
Água. O movimento ProTejo já alertara a semana passada semana para "este
grave precedente", que pode afetar Portugal.
Questionado sobre estes factos, o secretário de Estado do
Ambiente, Paulo Lemos, diz não ter "conhecimento oficial" da nova lei
espanhola. E argumenta que "os espanhóis têm de respeitar os caudais na
fronteira e, até agora, têm-nos cumprido. E esperamos que o continuem a
fazer".
Paulo Lemos indica também que haverá uma reunião da comissão
de acompanhamento da Convenção de Albufeira (CADC) a 18 de dezembro e que os
ministros do Ambiente dos dois países combinaram falar sobre este tema em
janeiro.
O problema, alertaram vários dos especialistas presentes na
Conferência da Fundação Nova Cultura da Água, é que a Comissão de Aplicação e
Desenvolvimento da Convenção de Albufeira (CADC) - que devia manter um diálogo
permanente entre os dois países sobre todos os planos e projetos que envolvem
os rios ibéricos - "foi praticamente aniquilada nos últimos dois
anos". Afirmaram-no, quinta-feira, as presidentes da Fundação Nova Cultura
da Água e afirmam-no dois dos ex-membros desta comissão, Pedro Serra (ex-presidente
das Águas de Portugal que acompanha a história desta convenção desde os anos
60) e o Santa Clara Gomes, embaixador que presidiu à CADC até 2011.
"Uma boa seca dava jeito"
Na sua intervenção na Conferência, Pedro Serra levantou
ontem a questão de esta Convenção poder vir a morrer e ironizou: "Uma boa
seca fazia jeito". Isto porque o Governo e os cidadãos só em alturas de
seca se preocupam com estas questões. "A Convenção de Albufeira tem estado
hibernada e as autoridades nacionais têm estado desatentas", afirmou o especialista.
Quanto ao desconhecimento alegado pelo ministério do
Ambiente, Pedro Serra lembrou que "se não têm a informação é porque
Espanha não informou e Portugal não a pediu. E a Convenção prevê que uma e
outra sejam feitas".
Questionada pelo Expresso, na semana passada sobre este
assunto, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) alegou "não ter
informações oficiais" e negou que a Convenção de Albufeira esteja
moribunda: "Os trabalhos da convenção de Albufeira foram revitalizados nos
últimos dois anos, na sequência de um renovado impulso político de trabalhar
para planeamento conjunto por parte dos dois países para o novo ciclo de planos
de gestão de região hidrográfica, já iniciado".
A última reunião da CADC realizou-se em Mérida, em fevereiro
passado. E em Novembro os ministros do Ambiente dos dois países combinaram, à
margem da Conferência das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (COP19),
que debateriam o tema ao pormenor em janeiro. Entretanto, segundo a APA,
"são mantidos regulares contactos através de videoconferência e correio
eletrónico reforçando o trabalho bilateral ao nível técnico".
Porém apesar do anunciado diálogo bilateral, "os
primeiros planos de bacia hidrográfica não foram coordenados entre os dois
países", lembrou Paula Chainho. A investigadora do Centro de Oceanografia
da Universidade de Lisboa alertou ainda para o facto de "a Agência
Portuguesa do Ambiente ter anunciado no último Conselho Nacional da Água que
"várias medidas contidas nos planos de bacia nacionais vão ser
reformuladas porque não há dinheiro para implementá-las".
Também "a situação no Guadiana se revela preocupante,
já que está projetada um aumento de captação de água para o regadio, na região
de Huelva", indicou Amparo Sereno, co-presidente da Fundação Nova Cultura
da Água e investigadora do centro de Estudos Jurídicos, Económicos e Ambientais
da Universidade Lusíada. Esta situação deve-se à exploração massiva das águas
superficiais e do aquífero (mais de mil poços ilegais) que alimenta o Parque
Natural de Doñana, pondo em risco uma das mais importantes reservas ibéricas da
bioesfera.
Para evitar afetar Doñana, a Agência da Água da Andaluzia
projetou um desvio do Chança (um afluente do Guadiana) para a zona de Huelva, e
este transvase "pode vir a afetar a biodiversidade e a pesca no estuário
do Guadiana", acrescenta.
A Diretiva Quadro da Água obriga os estados membros a
alcançar o bom estado ecológico das suas massas de água até 2015, mas para
isso, dizem os cientistas presentes nesta conferência "é preciso um regime
de caudais mais ecológicos".
E estes não estão definidos nos planos. "Não existem
caudais ecológicos definidos nos planos de bacia passados, outrossim caudais
mínimos (anuais, semestrais, semanais- Tejo e Douro e diários) que vêm sendo cumpridos",
indica a APA. E, acrescenta: Os temas relevantes para o planeamento conjunto
serão identificados por cada país para os planos de segunda geração e a reunião
de 18 de dezembro servirá para isso".
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