segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Distrito de Beja tem 17 mil desempregados, mas são romenos, nepaleses e vietnamitas que apanham a azeitona


"Henrique Coroa, um agricultor de Beja que contrata trabalhadores imigrantes, tem uma explicação para este paradoxo. “A maioria dos desempregados na nossa região não se dispõe a ir trabalhar para o campo por achar que isso representa um desprestígio social”, diz, acrescentando que parte “são pessoas instruídas que não querem desempenhar tarefas na agricultura”.
Por outro lado, os imigrantes “são muito mais rápidos” na execução das tarefas, explica Henrique Coroa. “São a nossa sorte, senão a produção de azeite no Alentejo parava”, observa."

Distrito de Beja tem 17 mil desempregados, mas são romenos, nepaleses e vietnamitas que apanham a azeitona

Cidadãos do Leste europeu deambularam sem dinheiro e alojamento até que se iniciassem os trabalhos nos olivais do Alentejo. Associação de Solidariedade Imigrante diz que, nesta altura, há entre dez a 15 mil trabalhadores imigrantes na região.
Tal como aconteceu em anos anteriores, milhares de romenos rumam nesta altura do ano em autocarros, carrinhas e carros utilitários para trabalhar na apanha de azeitona na região alentejana. Acontece que a grande maioria veio antes de a campanha se iniciar (a maturação da azeitona sofreu um atraso de semanas) e foram deixados em vários concelhos do distrito de Beja sem condições para suprir as suas necessidades básicas.
“Não tinham dinheiro, nem onde ficar e estavam a passar fome”, adiantou ao PÚBLICO Teresa Chaves, presidente da Cáritas Diocesana de Beja, frisando que foi necessário recorrer à Cruz Vermelha e à Segurança Social para acudir às situações mais críticas.
Este é o cenário que se repete nos campos do Alentejo desde há três anos. Depois dos ucranianos e brasileiros, chegam agora naturais da Roménia, Nepal e até do Vietname, contratados por indivíduos romenos, espanhóis e israelitas que os sujeitam a situações laborais à margem da lei e que as autoridades portuguesas têm vindo a sancionar desde o início de Novembro.
Alberto Matos, responsável da delegação do Alentejo da Associação de Solidariedade Imigrante, recorda que em 2011 as autoridades assumiam que as denúncias sobre exploração de mão-de-obra romena “eram histórias inventadas pelos jornais” ou admitiam que “não havia nada a fazer” por se tratar de trabalhadores comunitários.
Agora, acrescenta, são várias as entidades que “se meteram ao caminho”: Polícia Judiciária, Serviços de Estrangeiros e Fronteiras, Autoridade para as Condições de Trabalho e Guarda Nacional Republicana estão a “competir entre si” no combate à exploração de mão-de-obra imigrante. Alberto Matos admite que estarão na apanha de azeitona no Alentejo “entre 10 a 15 mil trabalhadores imigrantes” na sua grande maioria romenos.
“Estamos perante uma situação problemática que envolve tráfico e exploração de pessoas”, assinala, por seu turno, Teresa Chaves.

Acções de fiscalização
As acções de fiscalização que têm sido efectuadas revelam uma repentina preocupação das autoridades portuguesas pela dimensão de um fenómeno que era esperado desde que foi iniciada a plantação maciça de olivais intensivos e superintensivos no território abrangido pelos blocos de rega do Alqueva, em meados da década anterior. O novo modelo agrícola baseado no regadio requer muita mão-de-obra e sempre foi dito, por especialistas, que a região não tinha condições para responder.
No entanto, o Baixo Alentejo apresenta uma das mais elevadas taxas de desemprego do país, cerca de 17.000 desempregados em Outubro. Apesar disso, e de acordo com várias fontes, os empresários agrícolas preferem a mão-de-obra imigrante.
Henrique Coroa, um agricultor de Beja que contrata trabalhadores imigrantes, tem uma explicação para este paradoxo. “A maioria dos desempregados na nossa região não se dispõe a ir trabalhar para o campo por achar que isso representa um desprestígio social”, diz, acrescentando que parte “são pessoas instruídas que não querem desempenhar tarefas na agricultura”.
Por outro lado, os imigrantes “são muito mais rápidos” na execução das tarefas, explica Henrique Coroa. “São a nossa sorte, senão a produção de azeite no Alentejo parava”, observa.
Confrontado com as denúncias que têm sido feitas pelas autoridades sobre o tráfico e exploração da mão-de-obra imigrante, Henrique Coroa reconhece que esta situação não abona a imagem da região, afirmando que no seu caso só contrata imigrantes “dentro da legalidade”.

Exploração, diz PCP
O PÚBLICO deslocou-se ao Centro de Emprego de Beja e pediu dados sobre as ofertas de emprego disponíveis. “Só temos para o estrangeiro”, foi a resposta obtida, referindo-se a cerca de 200 ofertas para os Estados Unidos da América, quase sempre para pessoal qualificado e altamente qualificado com formação superior.
O deputado do PCP João Ramos pediu recentemente à ministra da Agricultura e do Mar, Assunção Cristas, através de um requerimento entregue na Assembleia da República, que explicasse as razões que obrigam a que produção agrícola em Alqueva esteja “dependente de trabalho clandestino” e da “desregulação das relações laborais”.
A ministra respondeu que a “EDIA e os serviços do Ministério da Agricultura e Mar têm mantido uma ligação estreita com as autoridades com responsabilidade na fiscalização das condições de trabalho, sempre pugnando por uma melhoria dessas condições”. Sempre que se verifique “o desrespeito pelas condições de trabalho” as “referidas entidades serão alertadas”, garante Assunção Cristas.

O deputado comunista não ficou satisfeito com a resposta e considerou “inaceitável que numa das mais importantes áreas agrícolas do país, precisamente aquela que tem maiores condições para se modernizar e para se desenvolver, se possa recorrer a formas de exploração do trabalho de há vários séculos atrás”.


Suspeitos de tráfico de pessoas detidos no Alentejo

Em cerca de um mês foi divulgada a realização de três operações policiais relacionadas com a utilização de imigrantes ilegais em explorações agrícolas no Alentejo.
Inspectores da Directoria do Sul da Polícia Judiciária (PJ) e efectivos dos postos da GNR de Serpa e Moura procederam à detenção de três indivíduos sobre quem recai a suspeita de estarem envolvidos no tráfico de seres humanos para trabalharem na apanha de azeitona no Alentejo.
A operação que levou à detenção dos suspeitos foi desencadea na sequência de uma queixa apresentada por um grupo de cidadãos estrangeiros, supõe-se que de nacionalidade romena, que tinham sido contratados para trabalhar na na campanha da azeitona em herdades da região. Num comunicado divulgado terça-feira, no portal da Directoria do Sul da Polícia Judiciária, lê-se que “foram efectuadas diligências de investigação que levaram à detenção, na zona de Serpa, de três homens”.
Nos últimos anos, e sempre que decorrem trabalhos sazonais nas vindimas e na apanha de azeitona, indivíduos do leste europeu, na sua maioria romenos, procedem à contratação dos trabalhadores nos seus países, que depois transportam para o Alentejo. As pessoas engajadas são por vezes albergadas em instalações degradadas, sem água, rede de esgotos ou energia eléctrica e são sujeitas a ritmos de trabalho violentos.
Para evitar a fuga das vítimas, os membros destas redes de tráfico de pessoas actuam habitualmente como terão feito no caso agora detectado: “retêm os documentos de identificação” dos trabalhadores, a pretexto de garantir o "pagamento das despesas de transporte e estadia”, explica a PJ. Os homens detidos em Serpa, com idades compreendidas entre 22 e 33 anos, foram presentes às autoridades judiciárias para “aplicação das medidas de coação tidas por adequadas”, as quais não foram divulgadas.
Já na semana passada, inspectores da Autoridade para as Condições de Trabalho, militares da GNR e do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras identificaram 21 cidadãos romenos que não estavam inscritos na Segurança Social e que se encontravam a trabalhar na apanha de azeitona no Baixo Alentejo. Há cerca de um mês, no início de Outubro, as autoridades detectaram também 25 trabalhadores estrangeiros em situação ilegal a trabalhar nas vindimas na região.
Este tipo de aproveitamento de mão-de-obra barata conta por vezes com a permissividade dos empresários agrícolas, que justificam o recurso a trabalhadores contratados ilegalmente com a necessidade de gente para apanhar a azeitona, alegando que no Alentejo não há pessoas disponíveis em número suficiente.
Grande parte destes imigrantes pertence à etnia cigana e tem origem no Sul da Roménia, sendo a sua contratação feita normalmente através de empresas criadas por compatriotas seus, afirma Alberto Matos, dirigente da Associação Solidariedade Imigrante. Para levaram a cabo as suas actividades, os recrutadores chegam a Portugal, obtêm o número de contribuinte e logo a seguir formalizam a constituição das empresas intermediárias nos balcões Empresa na Hora, negociando depois com os empresários agrícolas a cedência de mão-de-obra para os trabalhos sazonais.

Em troca recebem o salário dos trabalhadores, normalmente o salário mínimo nacional, e mais uma comissão, tudo  acrescido do IVA correspondente. Muitas vezes desaparecem, deixando os trabalhadores abandonados e sem lhes pagarem e o fisco português lesado com o IVA que não entregam às Finanças.

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