Membro do Governo da Guiné-Bissau terá dado ordem para
embarcar sírios
ANA CRISTINA PEREIRA e RAQUEL ALMEIDA CORREIA (em Viena)
13/12/2013 – in Público
Ordem terá sido dada directamente ao chefe de escala da TAP,
sob a ameaça de o avião da companhia ficar retido em Bissau. Incidente leva
ministro dos Negócios Estrangeiros do país a pôr lugar à disposição.
A ordem para embarcar 74 sírios no avião da TAP que seguia
de Bissau para Lisboa na terça-feira terá sido dada por um membro do Governo
guineense. O PÚBLICO apurou que essa ordem terá partido do ministro do Interior
do executivo de transição, António Suca Ntchama, que contactou, directamente e
por telefone, o chefe de escala da companhia áerea nacional, ameaçando-o de que
o avião ficaria retido no aeroporto caso os passageiros não fossem
transportados.
As inconformidades nos passaportes (na maioria falsos e,
noutros casos, verdadeiros mas pertencentes a outras pessoas) terão sido
detectadas no check in pela equipa da TAP. Os funcionários chamaram ao local o
oficial de ligação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) que se
encontrava na embaixada de Portugal na Guiné-Bissau e que confirmou que a
documentação dos passageiros não era válida.
Informações recolhidas pelo PÚBLICO dão conta de que as
autoridades locais terão tido uma opinião diferente e autorizado o embarque.
Decisão a que o chefe de escala da companhia nacional se opôs. Terá sido nesta
altura que recebeu um telefonema a ordenar que a TAP transportasse os 74
sírios.
Nesta sexta-feira, Catherine Ashton, alta representante da
União Europeia para os Assuntos Externos, afirmou que a tripulação foi coagida
por “um membro superior das autoridades de transição guineenses”, acrescentando
que este “obrigou a tripulação de uma aeronave da TAP a transportar 74
presumíveis cidadãos sírios com passaportes falsos, em total desrespeito pelo
direito internacional”. A responsável exortou, por isso, “as autoridades de
transição a tomar urgentemente as medidas adequadas”, citou a TSF.
Também nesta sexta-feira, o presidente da TAP, Fernando
Pinto, explicou que “não houve demonstração de força perante a tripulação”. “A
maior pressão foi feita sobre o chefe de escala”, disse. Houve “ordens
superiores” para proceder ao embarque, sob pena de o aparelho ficar retido. A
garantir que eram cumpridas estavam as autoridades locais. O voo decorreu de
forma ordeira. Em Lisboa, o SEF esperava os sírios, que formavam várias
famílias e já formalizaram o pedido de asilo.
Este incidente, que levou a TAP a suspender os voos entre os
dois países, está já a alargar as brechas no Governo da Guiné-Bissau. O
ministro dos Negócios Estrangeiros guineense, Delfim da Silva, entregou ao
Presidente da República, Serifo Nhamadjo, uma carta na qual coloca o lugar à
disposição. Para Delfim da Silva, “é óbvio que houve cumplicidade entre pessoas
que tinham a obrigação de proteger o país e não protegeram”. Não lhe parece
possível os 74 sírios entrarem na Guiné-Bissau, via Marrocos, deslocarem-se em
Bissau, ficarem alojados num hotel e embarcarem para Lisboa sem “a cumplicidade
de muita gente”. Não desfia nomes. Refugia-se numa expressão vaga como “gente
ligada à segurança e à imigração”.
A confusão instalou-se no Governo saído do golpe de Estado
de Abril de 2012 — as eleições estão marcadas para 14 de Março. Numa primeira
fase, o ministro de Estado que costuma assumir a função de porta-voz, Fernando
Vaz, disse ao PÚBLICO que a suspensão dos voos poderia custar à companhia aérea
a autorização para voar para a Guiné. Depois, Delfim da Silva tentou pôr água
na fervura e reatar as relações.
Na sua opinião, o episódio provocou “um dano grande na
diplomacia guineense”. Não ajuda nas relações com Portugal, nem com a UE.
Também não favorece a vida dos cidadãos da Guiné-Bissau que residem em Portugal
ou noutro país do velho continente, já que aquela é a única ligação aérea que
lhes resta. Enquanto ministro da tutela, tentou reduzir os danos.
“Lamentamos o sucedido, vamos apurar responsabilidades e
tirar consequências”, comentou, por exemplo, após o encontro com o encarregado
de negócios da embaixada de Portugal, Teles Fazendeiro. “Estamos numa situação
delicada e queremos compor as relações com todos os países”, disse depois.
A companhia não descarta a hipótese de retomar os voos, mas
apenas “se não voltarem a acontecer situações deste tipo”, referiu Fernando
Pinto, frisando que “o aeroporto tem de oferecer uma condição de conforto à
empresa”. Uma das soluções poderá ser retomar o apoio do SEF em Bissau, que foi
proibido pelas autoridades locais há cerca de um ano.
Delfim da Silva também defendeu que se reactivasse o protocolo
que permite ao SEF participar no controlo dos passageiros que embarcam em
Bissau com destino a Lisboa. Por força do protocolo, que vigorou ao longo de
2012, as autoridades portuguesas terão conseguido reduzir de forma
significativa a entrada de cidadãos oriundos da Guiné-Bissau com documentos
falsos em território nacional. Findo o acordo, tudo terá regressado à estaca
zero.
Quem deu a ordem? “São detalhes que vão demorar a ficar
esclarecidos”, reagiu, pouco depois do almoço, o ministro. Uma comissão de
inquérito fora já anunciada pelo primeiro-ministro, mas não sabia dizer quando
entraria em funções. Horas depois, estava a apresentar a demissão a Serifo
Nhamadjo. Está descontente com o que aconteceu e com o modo como tudo está a
ser gerido. “Tinha de dar um sinal. Coloquei o meu lugar à disposição do
Presidente, que foi quem me convidou.”
Sem comentários:
Enviar um comentário