Bruno Maçães, que recebeu na Grécia o cognome de 'o alemão',
explica que os aliados de Portugal na Europa devem ser os 27 parceiros e não um
grupo regional.
'Aliança do Sul contra o Norte da Europa é ideia do
séc.XIX'
17 de Dezembro, 2013 por Helena Pereira in Sol online
Foi chamado de 'o alemão' depois da sua recente deslocação a
Atenas. Como viu isso?
Uma editorialista grega achou que a minha conferência (30
minutos muito técnicos sobre a união bancária) estava próxima das posições
alemãs. Não vi uma única declaração minha a ser discutida em Portugal, só esse
editorial. O antigo primeiro-ministro, José Sócrates, acusou-me de ser contra
uma frente comum dos países do Sul da Europa contra os do Norte e tem toda a
razão. Sou contra.
Porquê?
Porque o processo de integração europeia é um esforço
conjunto de 28 países que rompe claramente com a tradição europeia de se criar
alianças regionais que se enfrentavam em público. Esse é o legado do séc. XIX
que a UE quer ultrapassar. Estranhamente, o antigo PM, suponho que por completa
ausência de pensamento europeu, veio recomendar que se crie uma frente comum do
Sul contra o Norte.
Mas ainda existem na Europa esses alinhamentos.
Eu próprio tive reuniões na Grécia com três ministros.
Expressei o nosso apoio ao esforço notável do Governo e do povo gregos. Tenho
as melhores relações com os meus colegas gregos. Mas o que defendi é que não
faz sentido criar uma frente comum do Norte contra o Sul, ou do Sul contra o
Norte, porque os nossos aliados na UE são os outros 27 países. Qualquer outra
ideia é a negação do projecto europeu. Defendi isso em Atenas e defenderei em
Berlim e em Paris e onde for preciso. Muito me custa compreender que achem o
contrário uma ideia sensata.
Mas os nossos problemas não são mais parecidos com os da
Espanha ou Itália do que com os do Norte da Europa?
Claro que sim, em alguns casos. Mas a ideia fixa do Sul
contra o Norte é uma regra absurda. No caso do desemprego jovem, países como a
Irlanda e a Eslováquia também têm taxas elevadas, embora não sejam países do
Sul.
Ser chamado de 'alemão' é, para si, mais um orgulho do que
um insulto?
Nem sequer gosto muito de colocar a discussão nesses termos.
Gosto de discutir as ideias sem lhes atribuir nacionalidades. Respeito que as
pessoas discutam ideias como entendam e fiquei satisfeito que a minha
conferência tenha ajudado a lançar o debate sobre estas questões.
Ainda recentemente Durão Barroso criticou a Alemanha por
causa do seu excedente comercial. Concorda que tem que haver um reequilíbrio?
Todos os países europeus têm que fazer reformas na economia.
A ausência de reformas num país cria problemas para outros países e isto
aplica-se evidentemente à Alemanha, que tem que fazer reformas importantes no
sector dos serviços. Temos que insistir neste ponto. O projecto de reforma
estrutural da economia europeia não diz apenas respeito a países como Portugal
mas a todos. O sector de serviços alemão tem que ser mais competitivo, mais
aberto a diferentes agentes económicos. Continua relativamente protegido, tal
como o da França. Será a discussão do próximo ano, a propósito dos contratos de
competitividade. Há ainda muito por fazer em termos de reforma estrutural da
economia europeia. Há consciência disso em países como a Alemanha, Suécia ou Finlândia.
Acha que a Alemanha é um país solidário com os países
intervencionados?
Acho.
Na discussão sobre a união bancária, está de corpo e alma
com a posição portuguesa?
O pecado original responsável pela crise do euro foi uma
ausência da união bancária. O processo de decisão política tem que ser rápido
porque o processo através do qual os efeitos da união bancária se repercutem é
lento. Esta união é absolutamente crucial, porque as empresas portuguesas estão
a trabalhar numa desvantagem de acesso ao crédito que decorre apenas da sua
situação geográfica. Esta semana, deveremos ter alguns resultados definitivos
no Conselho Europeu sobre a resolução bancária. Uma união bancária só pode
funcionar se existir um fundo de resolução comum. E o período de transição deve
ser o mais curto possível.
A Alemanha não está a dificultar precisamente esse ponto?
Desde o início, tem sido apoiante da união bancária. Nós
temos insistido também com os nossos colegas alemães que é preciso um fundo
comum, não basta um sistema articulado de fundos nacionais. Esta é a posição
maioritária na Europa. Temos que esperar pela formulação final da posição da
Alemanha.
Em relação ao recente acordo da Organização Mundial do
Comércio, quando é que as empresas portuguesas vão começar a sentir os seus
efeitos?
É muito importante para as pequenas e médias empresas, que
não têm capacidades para suportar imprevisibilidades, a redução da burocracia e
da discricionariedade alfandegária. Isto é crucial nos mercados emergentes, que
são muito difíceis e incertos, da América Latina, África e Ásia. Julgo que no
fim do próximo ano vai começar a sentir-se os seus efeitos.
E o acordo de comércio UE-EUA?
Penso que também já em 2014. Existe uma vontade política
muito forte dos dois lados. As exportações portuguesas para o mercado
norte-americano têm descido: actualmente, representam só 4%.
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