No debate sobre o futuro da Colina de Santana foram
muitas as vozes contra o fecho anunciado dos hospitais
INÊS BOAVENTURA 10/12/2013 – in Público
Os 20 intervenientes no
debate desta terça-feira, vários dos quais deputados da Assembleia Municipal de
Lisboa, manifestaram também preocupações com a salvaguarda do património
arquitectónico e imaterial da colina
Os membros da mesa pareciam decididos a falar do futuro da
Colina de Santana, em Lisboa, e dos passos já dados para que se concretizem os
projectos urbanísticos que tanta polémica têm gerado. Mas era do passado, e da
decisão de desactivar os hospitais ali instalados, que a maioria dos
participantes no debate que se realizou esta terça-feira na Assembleia
Municipal de Lisboa queria falar.
O argumento de que o fecho desses equipamentos, e a sua
concentração num novo hospital em Marvila, foi decidido já lá vai uma década
foi usado pelo presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale
do Tejo (ARS-LVT), Luís Cunha Ribeiro, e depois repescado pelo vereador do
Urbanismo da Câmara de Lisboa, Manuel Salgado. A ouvi-los, na plateia, estavam
vários médicos, enfermeiros e munícipes de outras áreas de actividade que nas
suas intervenções fizeram questão de dizer que não aceitam a ideia de que esse
é um facto consumado.
Luís Cunha Ribeiro revelou-se, na sua intervenção inicial,
um defensor entusiasta da criação do novo Hospital de Lisboa Oriental, que
segundo as mais recentes expectativas do Governo deverá ser uma realidade em
2017. “O objectivo é rapidamente termos esse equipamento, que é essencial para
a cidade. Por todas as razões e mais algumas precisamos de um novo hospital”,
afirmou, acrescentando que é sua “ambição” poder encerrar “rapidamente” os
hospitais de São José, Capuchos e Santa Marta.
Já o vereador Manuel Salgado sublinhou a “grande
resiliência” da Colina de Santana e dos antigos conventos (que sobreviveram ao
terramoto de 1755), onde funcionam hoje aqueles equipamentos hospitalares.
“A Colina de Santana resistiu a tudo menos a Manuel
Salgado”, reagiu Carlos Silva Santos, já durante o período de intervenções do
público, no qual houve 20 inscritos. “Ainda estamos a tempo de parar. A saúde
não tem de ser corrida do centro de Lisboa”, acrescentou o médico, que é também
deputado do PCP na Assembleia Municipal de Lisboa.
Antes dele já Elsa Soares, médica que trabalhou em São José
e Santa Marta, defendeu que não há “razões médicas” para justificar o
encerramento desses equipamentos. Esta interveniente no debate lembrou os
“elevados investimentos feitos em instalações e equipamentos” num passado
recente e afirmou que dadas as “enormes dificuldades financeiras do país” não
se justifica criar “um mega-hospital de raiz numa zona periférica da cidade”.
Luís Cunha Ribeiro respondeu-lhe depois, explicando que o hospital
projectado para Marvila é “de dimensão média” e sublinhando a falta de
condições dos equipamentos da Colina de Santana. Este dirigente falou em
“enfermarias com 16 camas, em salas com pé-direito de 8,5 metros, com
canalizações velhas e telhados que metem água”, dizendo que como médico não
considera “aceitável” que aí se internem doentes.
Por sua vez, a historiadora Adélia Caldas questionou que
sentido faz, numa cidade cada vez mais envelhecida, “obrigar” os utentes do
serviço nacional de saúde “a irem a caminho de Marvila, na periferia”. “Não
vejo em nenhuma cidade da Europa esta ânsia de acabar com os hospitais
antigos”, disse depois António Brotas.
O engenheiro arrancou risos e palmas da assistência quando
defendeu que a forma de impedir que os edifícios se degradem quando os
hospitais forem desactivados (uma preocupação que a arquitecta Inês Lobo,
responsável pelo Estudo Urbano da Colina de Santana, confessou ter) era
“mantê-los no seu funcionamento normal”.
Nas 20 intervenções do público, várias das quais de
deputados da Assembleia Municipal de Lisboa, houve vozes preocupadas com o
futuro do património da Colina de Santana. “Este projecto é um verdadeiro
atentado ao património nacional. Só um apátrida é que pode estar de acordo com
ele”, afirmou Fátima Ferreira de Matos.
Já Simonetta Luz Afonso, ex-presidente da assembleia e hoje
deputada municipal eleita pelo PS, sublinhou a importância de se preservar e de
se encontrar na Colina de Santana um espaço para musealizar o “património
imaterial e móvel” ligado à “longa história da saúde e da medicina”.
Salgado fala numa “grande oportunidade para reabilitar o
centro da cidade”
O vereador do Urbanismo da Câmara de Lisboa defende que
aquilo que está em causa na Colina de Santana é “uma grande oportunidade para
reabilitar o centro da cidade”.
Com a vantagem, frisou Manuel Salgado, de os terrenos em
causa terem um só dono (a Estamo, a imobiliária de capitais exclusivamente
públicos), o que “dispensa tratar com vários proprietários e torna mais fácil
encontrar soluções de conjunto que interessem à cidade”.
O autarca explicou que nenhum dos projectos em cima da mesa
prevê o surgimento de centros comerciais ou condomínios de luxo na Colina de
Santana e garantiu ser seu desejo que as novas habitações que ali venham a
surgir sejam “acessíveis”.
Quanto a críticas relativas à falta de cuidado com a
salvaguarda do património, Manuel Salgado voltou a dizer que foi acordado que
os “edifícios com grande valor patrimonial” seriam transferidos, “na totalidade
ou em grande parte” para o município. O vereador deixou ainda a garantia de que
os serviços municipais de planeamento e reabilitação urbana desenvolveram
trabalho no sentido de se construir “uma estratégia para toda a colina” e não
apenas para os terrenos da Estamo.
-----------------------------------------
-----------------------------------------
MÉDICOS CRITICAM PROJECTO PARA A COLINA DE SANTANA
11/12/2013 in blog “O Corvo” http://ocorvo.pt/2013/12/11/medicos-criticam-projecto-para-a-colina-de-santana/?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=medicos-criticam-projecto-para-a-colina-de-santana
A Colina de Santana, onde vai ocorrer a próxima grande
operação urbanística de Lisboa, resistiu ao Terramoto de 1755 mas é capaz de
não aguentar o mandato do vereador Manuel Salgado.
A ideia pairou no debate aceso que decorreu terça-feira à
tarde e noite na Assembleia Municipal de Lisboa, o primeiro de cinco dedicados
à intervenção prevista para este antigo conjunto urbano que afectará alguns dos
mais antigos e conhecidos hospitais públicos da cidade — S. José,Capuchos,
Santa Marta, Miguel Bombarda ou S. Lázaro — que deverão fechar para serem
substituídos pelo futuro Hospital de Todos-os-Santos, a construir em Marvila.
Este mês fecha S. Lázaro, por “não ter condições”, anunciou
Francisco Cal, presidente da empresa que agora detém os estabelecimentos de
saúde, a Estamo. No seu conjunto, os hospitais desta zona da cidade apoiam 1,2
milhões de pessoas.
“Por que se quer destruir os hospitais?”, perguntou a médica
Elsa Soares, para dizer que antevê algo “pior que o Terramoto de 1755″. O
deputado municipal e médico Carlos Silva Santos (PCP) comentaria pouco depois
os esclarecimentos sobre o andamento do projecto como a “encrenca tipicamente
lisboeta do facto consumado” e interrogou: “Vamos ver se temos que dizer que a
Colina de Santana resistiu a tudo menos a Manuel Salgado”.
Salgado, Francisco Cal, o médico Luís Cunha Ribeiro,
presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, e a
arquitecta Inês Lobo, responsável pelo estudo urbano preparatório da
intervenção, abriram o debate, onde a classe médica este marcadamente presente,
e em claro desacordo.
Os quatro primeiros intervenientes deram a operação
urbanística como inevitável, há muito delineada, já desde o tempo do ministro
da Saúde Correia de Campos, e tema de frequentes consultas com a Câmara. Só
falta fazer o novo hospital de Marvila, estando por decidir a forma do projecto
financeiro, se por empreitada se por Parceria Público-Privada. A unidade, a
erguer em terreno comprado à Câmara, deverá servir 267 mil lisboetas, segundo
foi anunciado.
O fim dos hospitais na Colina de Santana acabará com os pólos
de atracção desta zona da cidade, envelhecida e degradada. Haverá que criar
outros neste “mundo à parte, a dois passos do centro” de Lisboa, como lhe
chamou Salgado.
O vice-presidente da CML traçou um quadro grandioso da
intervenção que poucos ainda conhecem, dizendo que ”é uma grande oportunidade para reabilitar o
centro da cidade”, que é “vital para a sustentabilidade”. Terá estacionamento
para residentes, elevadores a partir da Av. da Liberdade, “novos jardins e
miradouros”, incubadoras de empresas. Nesta zona onde há “fogos sem retrete e
sem casa de banho” deverá nascer um “eco-bairro histórico” que atraia o turismo
cultural. Outro motivo de atracção desta colina — explicou o vereador — reside
na circunstância de ter um alto interesse residencial pois aqui é possível
habitar “de forma recatada e aprazível” muito perto do centro da cidade.
Do público, veio a crítica de Vítor Freire de que “não será
com habitação para classes abastadas quem entram e saem desses prédios em
carros de alta cilindrada que se vai resolver a desertificação” da zona. “Toda
a opção de base está errada”, rematou.
Na assistência ouviram-se repetidas queixas quanto à pouca
transparência de todo este processo e apelos a uma verdadeira discussão pública
do assunto — que dê aos participantes mais dos que os “dois ou três minutos”
concedidos aos cidadãos inscritos para falar.
Repetidos foram também os comentários defendendo a
manutenção de alguns hospitais na colina. Professor jubilado do IST, António
Brotas diria até: “Prefiro ir morrer num hospital velho, como era o de
Arroios”. O engenheiro lamentou “esta ânsia de destruir edifícios antigos”.
O projecto tem que ser alterado, disse na ocasião o cirurgião
António Gentil Martins, comentando que a intervenção na chamada colina dos
hospitais é assunto a “ser discutido, mas não a nível de gabinetes”. “Tenho
esperança que isto não seja um facto consumado”, disse.
Simonetta Luz Afonso (PS), presidente da Comissão Municipal
de Cultura, advertiu para a importância de se preservar o património móvel e
imaterial ligado à história da saúde de Lisboa. “Sentimos que há pouca
informação quanto à preservação e divulgação deste património”, declarou.
Já no termo do debate, de cerca de três horas, o presidente
da ARSLVT lembrou que as decisões relativas aos hospitais “foram tomadas há
mais de dez anos por pessoas capazes”. Refutou a acusação de “novo-riquismo” na
construção do Hospital de Todos-os-Santos e perguntou se algum doente hesitaria
entre um estabelecimento novo e um hospital “com enfermarias com um pé direito
de 8,5 metros, sanitários péssimos mas azulejos fantásticos, com fendas nas
paredes”, onde é preciso “aumentar o número de cobertores porque não se consegue
aquecer uma enfermaria”. “Se um dia for internado, não quero ir para um
edifício desses”, afirmou.
O próximo debate sobre a Colina de Santana está marcado para
Janeiro de 2014 e
deverá focar o impacto na saúde pública desta reformulação
da cobertura hospitalar da cidade.
Texto: Francisco Neves
Sem comentários:
Enviar um comentário