quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Palmas, apupos e trabalhadores expulsos durante a discussão da passagem de competências para freguesias de Lisboa

"O Zé faz falta, mas é ao António Costa"

Palmas, apupos e trabalhadores expulsos durante a discussão da passagem de competências para freguesias de Lisboa
INÊS BOAVENTURA 18/12/2013 - 23:34
A Câmara de Lisboa volta a debater o assunto numa nova reunião pública marcada para sexta-feira.

Dezenas de pessoas assistiram esta quarta-feira à reunião da Câmara de Lisboa, na qual foi discutida a descentralização de competências para as juntas de freguesia e que terminou sem que tenham sido votadas as duas propostas do executivo relativas a essa matéria. Ao longo de mais de três horas ouviram-se palmas, apupos e muitos gritos de protesto, tendo vários dos trabalhadores sido expulsos pela polícia.

A sala de reuniões dos Paços do Concelho foi pequena para acolher todos os trabalhadores da autarquia que fizeram questão de estar presentes para dar conta da sua oposição à transferência prevista de 1800 pessoas para os quadros das 24 juntas da capital. Durante várias horas os trabalhadores acompanharam, muitos deles de pé já que os lugares sentados esgotaram rapidamente, a troca de argumentos entre vereadores, e não se inibiram de aplaudir as suas intervenções ou de reagir a elas com veementes protestos.

Além do presidente da câmara, também o vereador Manuel Salgado foi particularmente visado pelos manifestantes. "Só diz é disparates. Deve estar em Marte", contrapôs um dos trabalhadores, quando o autarca afirmou que a reforma administrativa em vias de concretização "peca por ser escassa", porque devia haver mais competências transferidas para as freguesias.

Mal recebidas foram também as palavras de José Sá Fernandes, outro vereador do executivo liderado por António Costa. "Nem me passa pela cabeça que possa haver qualquer privatização", disse, referindo-se ao receio que tem sido expresso por sindicatos e eleitos comunistas de que esta descentralização abra as portas a processos desse tipo. "O Zé faz falta, mas é ao António Costa", reagiu um membro da assistência.

 Já as intervenções dos vereadores comunistas foram brindadas com palmas. "Estamos perante o maior ataque alguma vez feito ao serviço público municipal", disse João Ferreira. "Os monstros não se corrigem, aniquilam-se", afirmou depois o seu colega de partido Carlos Moura.

João Ferreira dirigiu várias perguntas ao executivo, mas muitas delas ficaram sem resposta. António Costa não se pronunciou por exemplo sobre o facto de muitas juntas irem herdar pavimentos e equipamentos desportivos a carecer de reabilitação. Também não explicou como é que esses órgãos, que têm um único eleito a tempo inteiro, irão conseguir dar conta de responsabilidades que até aqui eram partilhadas por "vereadores, directores de serviço e de departamento".

O autarca do PCP acusou ainda o presidente da câmara de fazer "promessas impossíveis de aplicar e ilegais". Entre elas, destacou, a de que aos que transitarem para os quadros das juntas de freguesia não poderá ser aplicado o regime de requalificação de trabalhadores em funções públicas (antiga mobilidade especial). "É uma matéria de reserva da Assembleia da República", sublinhou João Ferreira.

Tanto o eleito comunista como António Prôa, do PSD, consideraram também que as propostas que estavam em discussão na reunião de ontem não salvaguardam a necessidade de os espaços e equipamentos (por exemplo piscinas e bibliotecas) que vão permanecer na dependência da câmara e os que passarão para as freguesias continuarem a funcionar de uma forma integrada.

"A manutenção da unidade e da coerência da cidade, das redes que existem, devia estar mais bem expressa", afirmou António Prôa. O vereador do PSD sublinhou ainda a necessidade de haver mais informação sobre este processo, nomeadamente quanto às posições que os 24 presidentes de junta expressaram ao longo das negociações com o município, e pediu que a votação que estava agendada para ontem fosse adiada, sugestão que acabou por ser acolhida por António Costa.

Já João Gonçalves Pereira, do CDS, apresentou uma proposta de alteração, que pretendia que a transferência de competências para as juntas fosse feita de forma "gradual" e só se iniciasse daqui por seis meses. "Há pessoas que não têm grande experiência autárquica e há juntas de freguesia que não estão preparadas para de uma vez receber 75 funcionários e delegação de competências", alertou, dizendo querer impedir "uma descentralização à pressa".

Executivo antecipa dificuldades na concretização
“Se foi difícil aprovar a lei vai ser muito mais difícil concretizá-la”, reconheceu o presidente da Câmara de Lisboa, referindo-se à Reorganização Administrativa de Lisboa. “Este foi um processo muito maturado. Fomos passo a passo, tijolo a tijolo, concertando posições e ultrapassando dificuldades, mas é evidente que a execução tem muitos problemas práticos”, afirmou António Costa.

Também a vereadora da Modernização Administrativa reconheceu que a descentralização de competências e meios para as freguesias “será um processo muito, muito, muito complexo”. “Tudo faremos para que todos os problemas tenham solução”, acrescentou Graça Fonseca, lembrando que foram realizadas reuniões individuais com as 24 juntas de freguesia.


O assunto voltará a ser discutido na sexta-feira, numa reunião pública marcada para as 9h. Só aí serão votadas as duas propostas - uma relativa aos critérios de transição dos trabalhadores para as juntas e outra definindo quais os espaços, vias e equipamentos que permanecem sob a alçada do município - apresentadas pelo executivo.

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