sábado, 7 de dezembro de 2013

O PSD é uma doença terminal / VASCO PULIDO VALENTE A segunda morte de Sá Carneiro/JOSÉ PACHECO PEREIRA

“Ventos do Norte uivam sobre as ruínas do PSD”
António Sérgio Rosa de Carvalho in Público

OPINIÃO
O PSD é uma doença terminal
VASCO PULIDO VALENTE 07/12/2013 – in Público

Não existe maneira de “reformar” o PSD, com uma “agenda” ou sem “agenda” nenhuma.
Apareceu por aí um grupo (Agenda para Portugal), que segundo consta se destina a promover a candidatura de Rui Rio a presidente do PSD. Acho muito bem: quanto maior for a confusão, mais fraco e menos perigoso será o Governo.

Mas, fora isso, os nobres varões do Porto cometem um erro essencial: o erro de pensarem que Passos Coelho não representa de facto o partido como ele hoje é. Passos Coelho nasceu no PSD, cresceu no PSD e não fez mais nada na vida senão tratar do PSD. Não deve haver um único militante com quem ele não se tenha alternativamente zangado e reconciliado e, sobretudo, metido numa intriga qualquer inútil e esquecida. O “Pedro”, educado por Luís Filipe Menezes, por Marco António Costa e por exemplares do mesmo género, acabou por se tornar no menino da casa.

Ora nem Rui Rio, nem Rangel, nem Pacheco Pereira, nem sequer a lucidíssima dr.ª Manuela Ferreira Leite são meninos da casa e alguns já entraram mesmo, ou estão a entrar, na 3.ª idade. Que percebem eles da JSD, das concelhias, das distritais, da gente das câmaras que aguentou o partido nos quinze anos de vacas magras, quando o PS distribuía a sopa do convento? A importância que lhes dá agora a televisão (e os jornais), por amor a um pouco de racionalidade, não se reflecte na importância que lhes dão as “bases” (para excepcionalmente usar a “linguagem” da seita). As “notabilidades” do partido são vistas com desconfiança, quando não são, como Pacheco Pereira, objecto de um ódio histórico e tenaz. Os proclamados “sociais-democratas”, que a esquerda tanto estima, não pertencem ao submundo que empurrou Passos Coelho para primeiro-ministro.


Pior ainda: não existe maneira de “reformar” o PSD, com uma “agenda” ou sem “agenda” nenhuma. Basta lembrar a gente que dirigiu aquela gerigonça desde a morte de Sá Carneiro e do intermédio Cavaco. Barroso fugiu e entre o resto não apareceram mais do que incapazes, irresponsáveis, criaturas de acaso e um ou outro oportunista. Porquê? Pela simples razão que lá em casa era o que havia. O dr. Rui Rio pode ser um génio e um justo, mas se por milagre se conseguir alçar a presidente, a canzoada do costume não o deixará governar. A canzoada da província e a canzoada de Lisboa e do Porto, que se imagina superior (como, por exemplo, Morais Sarmento) e predestinada a pastorear o próximo. O PSD é uma doença terminal. Para nós, claro.

"O que é que Sá Carneiro tem a ver com esta gente? Muito: atacou-os toda a vida."

OPINIÃO
A segunda morte de Sá Carneiro
JOSÉ PACHECO PEREIRA 07/12/2013 – in Público

As comemorações pelo PSD do aniversário da morte de Francisco Sá Carneiro nos últimos anos têm-se caracterizado por serem feitas quase por obrigação do calendário, sem autonomia política, e com crescente e acentuada mediocridade.


São, de um modo geral, realizadas em conjunto com o CDS, a pretexto de homenagearem Adelino Amaro da Costa, o que tem sentido pelo destino comum e efectivos laços mútuos entre os dois homens, mas nada justifica que o PSD não complemente as cerimónias comuns por iniciativas autónomas, acabando assim o partido por servir apenas como instrumento eleitoral que permite ao CDS aceder ao poder. Há diferenças programáticas e políticas entre os dois partidos e é um sinal de um oportunismo táctico que se iludam essas diferenças a favor de uma amálgama sem identidade, nem sentido.

Na verdade, as comemorações, que a actual direcção do PSD por sua vontade deixaria no esquecimento, servem apenas para usar Sá Carneiro, num único dia do ano, para o transformar num símbolo morto para legitimar quem nada tem a ver com ele, nem como pessoa, nem como político, nem como parte do mesmo movimento político e ideológico, nem no programa escrito, nem na história concreta do PSD que é o seu programa não escrito.

Uma antologia das frases mais significativas de Passos Coelho, das posições da revisão constitucional que encomendou a Paulo Teixeira Pinto, e dos seus mentores ideológicos que ele levou dos blogues ultraliberais e dos think tanks universitários mais conservadores para o Governo e para os gabinetes, revela a enorme distância entre aquilo que, com muito boa vontade, podemos chamar o seu “pensamento” e o núcleo central do pensamento de Sá Carneiro. Bem pelo contrário, eles representam um dos lados daquilo que Sá Carneiro combateu – o outro era o comunismo – com toda a clareza e sem margem para dúvidas. O PSD foi feito contra o PREC e contra a manutenção de formas de controlo militar da democracia civil, e esse combate assentava num programa positivo de combinação do liberalismo político com a doutrina social da Igreja, e a experiência da social-democracia europeia. Como Sá Carneiro repetiu vezes sem fim toda a sua vida, isso colocava o PSD fora do âmbito da “direita” e é interessante verificar, em múltiplas entrevistas dadas no I Congresso fundacional do PSD, como essa afirmação é repetida. Magalhães Mota afirma explicitamente que o PSD, então PPD, não era um partido de “direita”, nem sequer exclusivamente do “centro”, ou seja, podia ter também (e tinha) parte da “esquerda”. Cavaco Silva repetiu o mesmo mais tarde.

O revisionismo actual do pensamento de Sá Carneiro faz-se essencialmente valorizando os aspectos coreográficos da sua vida política e, mesmo assim, nem todos, dissociando-os do seu aspecto político e ideológico, considerado “de época” ou “ultrapassado”, ou resultado de uma deslocação “táctica” para a esquerda devido às circunstâncias da época (uma típica projecção do oportunismo ideológico dos dias de hoje…). Repare-se neste texto de Sá Carneiro, que seria certamente considerado ultra-esquerdista, quando não comunista, se fosse lido na Aula Magna sem indicação de autor (e estive para o fazer):

A democracia económica postula a intervenção de todos na determinação dos modos e dos objectivos de produção, o predomínio do interesse público sobre os interesses privados, a intervenção do Estado na vida económica e a propriedade colectiva de determinados sectores produtivos; pressupõe ainda a intervenção dos trabalhadores na gestão das unidades de produção. A democracia social impõe que sejam assegurados efectivamente os direitos fundamentais de todos à saúde, à habitação, ao bem-estar e à segurança social; exige a abolição das distinções entre classes sociais diversas e a redistribuição dos rendimentos, pela utilização de uma fiscalidade justa e progressiva.

Sá Carneiro ainda não falava, como falam os actuais dirigentes do PSD, quase obsessivamente de “empresas”, e conceda-se que ele pretendia referir-se-lhes quando falava de “unidades de produção”, mas, fora disso, o que é que está aqui que não seja preciso do ponto de vista político e programático? E que não seja consistente com muitas outras afirmações de Sá Carneiro explícitas sobre o capitalismo e a tecnocracia, “o poder é pertença de minorias compostas pelos detentores do grande capital e por membros da tecno-estrutura”. Todas estas citações estão rigorosamente dentro do contexto. E há muitas mais.

Considerando obsoleto o seu pensamento explícito, Sá Carneiro fica assim reduzido apenas a um actor político, que combateu o PCP no PREC, combateu Eanes e o Conselho da Revolução, combateu Soares e o PS, foi criador e primeiro-ministro da AD, reduzindo-se os seus actos a uma espécie de gramática da acção, sem o léxico e a semântica das suas ideias políticas. Ora, se há coisa em que Sá Carneiro não queria que existisse nenhuma dúvida, era que actuava baseado em princípios políticos, ideais e tradições, pelo que não pode ser reduzido, como foi por Passos Coelho, a um lutador contra o défice e a dívida, ele que nunca admitiria que Portugal pudesse ser um “protectorado”, ou que o poder do Parlamento e da soberania popular dos portugueses fosse “automaticamente” deslocado para a burocracia europeia. Tirar-lhe esta identidade é matá-lo pela segunda vez.

A actual direcção do PSD é mais próxima de um Tea Party à portuguesa, burocrático, sem apoio popular, “europeísta” e desligado da comunidade orgânica dos portugueses, que despreza o primado da “pessoa”, a “dignidade do trabalho” e a “justiça social”, que no programa genético do PSD feito por Sá Carneiro não são meras palavras, mas identidades inquestionáveis do partido. Feita de admiradores de Sarah Palin, de gente que quando vai à Grécia vem de lá apodado de “alemão”, de entusiastas do efeito revolucionário do programa da troika e do FMI para pôr em ordem os “piegas”, punir a classe média “que vive acima das suas possibilidades”, colocar os pobres naquilo que eles merecem, uma “assistência aos desvalidos”, oferecer às empresas estrangeiras um país de baixos salários, e falar todos os dias, como se fosse a coisa mais natural do mundo, de despedimentos, cortes de pensões e reformas (desculpem, “poupanças”), como a quinta-essência da acção política. Ainda por cima sorrindo, com empáfia e descaramento, porque estão a fazer uma “revolução” e a “salvar o país”.

O que é que Sá Carneiro tem a ver com esta gente? Muito: atacou-os toda a vida.


Historiador

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