Esta história
anterior sobre a Amazon, está fortemente em contraste com as duas histórias que
se seguem…
- A entrevista com Catarina Portas revela-nos uma personagem de uma
Empresária que tem constituído um exemplo daquilo a que eu chamava “Inteligência
Empresarial e Sensibilidade Patrimonial” ( alguns “posts”podem ser encontrados
aqui no OVOODOCORVO), numa rubrica que eu publicava no Cidadania LX antes da
minha total ruptura com o mesmo, através de uma “excomunicação”, encapotada e
indirecta.
O contributo que as lojas de Catarina Portas têm tido para a consciencialização do Património Cultural, tanto através dos seus produtos, como na valorização,
reconhecimento e utilização/adaptação dos Interiores Históricos onde estão instaladas, é
evidente e indiscutível.
- A outra história
ilustra um paradoxo bem Português … temos talvez a melhor fábrica de botões do
Mundo, com consciência ecológica crescente e não conseguimos impedir o
encerramento progressivo das retrosarias da Rua de Conceição…
Ausência de estratégia ? Os que me acompanham sabem quanto
te me tenho manifestado ao longo dos anos pela instituição de um regulamento
estratégico para o Urbanismo Comercial :
Ver AUTOR: CARVALHO,
António Sérgio Rosa de
TÍTULO: As lojas
tradicionais da Baixa : desafios presentes e futuros / António Sérgio Rosa de
Carvalho
IN: Baixa Pombalina :
bases para uma intervenção de salvaguarda / coord. João Mascarenhas Mateus. -
Lisboa : Câmara / pags 93-100
Municipal. Pelouro do Licenciamento Urbanístico e
Reabilitação Urbana, 2005. - p. 93-100 : il.
DESCRITORES: Baixa
Pombalina / Urbanismo / Evolução Urbana / Séc. 19-20 / Rossio / Chiado /
Estabelecimentos Comerciais / Pompadour / Ourivesaria Aliança / Alfaiataria
Rosado y Pires / Luvaria Ulisses / Interiores / Fachadas / Tabacaria Mónaco /
Casa Chinesa / Café a Brasileira / Ramiro Leão / Livraria Ferin / Candidaturas
/ Património Mundial
Manuel Salgado afirmou recentemente que vai desenvolver um
Regulamento de Urbanismo Comercial afim de proteger o Comércio Tradicional ….
Ver para Crer …
António Sérgio Rosa de Carvalho
Catarina Portas, empresária
Gerardo Santos
|
Catarina Portas: “Jamais recorreria à bolsa para
financiar A Vida Portuguesa"
30/11/2013 | 00:00 | Dinheiro Vivo/ http://www.dinheirovivo.pt/Empresas/Artigo/CIECO297998.html?page=0
Catarina
Portas é a dona d’A Vida Portuguesa, fatura 1,3 milhões de euros e acusa a
grande distribuição de cilindrar fornecedores
Fez chapéus, foi
jornalista durante quase 20 anos - começou aos 19 anos -, passou pelas rádios,
jornais e televisões, mas, em 2004, lançou-se no mundo dos negócios. Catarina
Portas criou uma das marcas mais reconhecidas no contexto das PME: a Vida
Portuguesa, que se dedica a vender produtos nacionais antigos. Mais tarde virou-se
para os quiosques tradicionais de Lisboa. Recuperou os quiosques e as receitas
das bebidas de época que lá se vendem. Em Dezembro de 2009, foi escolhida pela
revista britânica Monocle, um dos 20 nomes, a nível mundial, que merecem um
palco maior e, um ano mais tarde, integrou a lista de talentos globais que
ditam as tendências do futuro da revista Wallpaper. É também irmã do
vice-primeiro-ministro Paulo Portas.
Veja aqui o vídeo da entrevista
Esta sexta-feira foi dia de festa do lançamento da loja A
Vida Portuguesa, no Intendente, com uma área de 500 m2 . Qual foi o
investimento e quantos empregos criou?
Primeiro, é uma aventura, nesta altura, neste contexto e
nesta zona da cidade. Não era previsível que uma loja deste tamanho e desta
envergadura nascesse, talvez por isso me tenha dado tanto gozo fazê-la. Mas
sim, isto significa para A Vida Portuguesa e para mim, um encadeamento lógico,
porque estamos a vender mais marcas. Agora estamos a ir para a área de casa.
Sempre me pareceu que esse seria o caminho. Aumentámos bastante a equipa,
temos, neste momento, mais nove pessoas.
Quantas pessoas tem a equipa?
Se contarmos com a loja do Porto, que é uma sociedade com a
Ach Brito, no mês passado, paguei 26 salários d’A Vida Portuguesa.
Qual foi o investimento na loja do Intendente?
Cerca de 130 mil euros.
Beneficiou de apoios do Estado?
Zero. Aliás, porque estou a operar na área de Lisboa, que
não é abrangida pelos QREN, não tenho esse tipo de apoios. Consigo entender a
lógica desse dinheiro, mas, às vezes, as lógicas que entendemos na teoria, nem
sempre se aplicam na prática. Ou seja, é muito mais fácil se quiser desenvolver
um projeto numa aldeia onde vivem dez pessoas. Tenho acesso a imenso dinheiro.
Mas, se estiver em Lisboa, onde estão os clientes, e quiser vender produtos
dessas aldeias, tenho direito a zero.
Apesar do potencial de negócio ser maior.
Exatamente. Trabalho com empresas do país inteiro, do norte
ao sul do país, inclusive nas ilhas. Temos mais de 300 fornecedores ativos n’A
Vida Portuguesa. Estamos a falar de muita gente e de muitas empresas.
Nesse caso, como é que olha para o discurso político em
torno da importância das PME e do empreendedorismo?
Se há dinheiro para apoiar projetos, e este é um projeto
grande, eu nunca beneficiei, até hoje, de qualquer espécie de apoio. Aliás, no
início, fazia mesmo questão em não ter qualquer espécie de apoio.
Porquê?
Porque acho que havia uma lógica, neste país, que é: Eu
tenho uma ideia, quem é que a vai pagar? Não quis seguir essa lógica porque se
uma ideia é válida, ela deve pagar-se a si própria. Mas agora, já estamos a dar
um passo muito grande. Raras vezes pedi dinheiro emprestado ao banco, comecei
com mil euros e tudo o que fui ganhando reinvesti. Nunca tirei dinheiro da
Passos em Volta, a empresa que detém a Vida Portuguesa, a não ser aquele que
meti no início.
E não tem dívidas à banca?
Agora tenho, recorri a um empréstimo pequeno, para PME, para
ajudar nesta loja. Tenho tentado endividar-me o menos possível. Prefiro crescer
devagar, mas de forma segura.
Essa não é a lógica seguida pela maior parte das PME
portuguesas?
Sim. Tenho alguma vantagem, é que comecei completamente
inocente. Inocente e ingénua. Se calhar, até não estava preparada. A minha
lógica sempre foi: este é o meu problema, como é que vou resolvê-lo, e tentar
pensar as coisas com bom senso, alguma criatividade e cuidado também. Nunca fui
pelas receitas habituais, porque não as conhecia. Às tantas fui fazer um curso
geral de gestão na Nova Fórum, porque queria perceber se o que estava a fazer
era certo, ou errado. Descobri que não me tinha enganado muito.
No seu caso, o discurso político não teve quaisquer
consequências práticas? A nível fiscal, por exemplo, tem notado alguma mudança?
Aquilo que reparo é que, apesar de faturarmos muito, ao fim
do ano fica pouquíssimo. Se quisermos tratar as pessoas que trabalham connosco
de forma justa, se quisermos ser absolutamente corretos, se cumprirmos todas as
nossas obrigações, o mínimo que se pode fazer - não se pode exigir nada ao
Estado sem cumprir escrupulosamente tudo o que há para cumprir -, de facto, não
fica grande coisa. É um facto.
O pouco que fica tem aumentado ou diminuído?
Agora, também não acho que deva ganhar milhões.
Qual foi a faturação d’A Vida Portuguesa e os resultados
líquidos?
Tenho várias empresas, mas entre A Vida Portuguesa, em
Lisboa e Porto, faturámos acima de um milhão e trezentos mil euros. O preço
médio de um produto n’A Vida Portuguesa é de 4,5 euros, um valor bastante
baixo. Vendemos coisas pequeninas, portanto, é preciso vender muito para chegar
a esse número.
E lucros?
Os lucros, geralmente, não chegam aos 50 mil euros.
O IRC vai baixar dois pontos percentuais para todas as
empresas. No seu caso, de que forma esta redução será aproveitada?
Se reduzirem os impostos, obviamente, não é mau. O que
acontece é que os lucros nunca são muitos. Mas acho que há mais problemas nas
PME do que isso.
Quais?
Há um problema de concorrência, que acho que é dramático. A
grande distribuição está a açambarcar posições e deveria ser muito mais
investigada e sancionada pela Autoridade da Concorrência. Muitos dos meus
fornecedores são fornecedores também da grande distribuição e sei pelo que
estão a passar.
Está a falar da política de preços?
Estamos a falar de muita coisa mas, basicamente, temos,
neste momento, uma grande distribuição alimentar dominada em 70% por duas
únicas empresas. Têm um poder de vida e de morte sobre os seus fornecedores. Eu
entro num Pingo Doce e olho para a prateleira dos fiambres e, onde estavam
antes não sei quantas marcas, neste momento tenho oito embalagens de marca
própria e depois tenho duas embalagens de Nobre, com os preços super
inflacionados porque, basicamente, só lá estão para fazer vender a marca
própria.
Também sente essa concorrência nos produtos que vende?
Eu, felizmente, trabalho com um universo de fornecedores
muitíssimo diversificado. Mas há muitas empresas que vendem para a grande
distribuição e, em muitas delas, hoje em dia, há uma enorme vontade de tentar
depender o menos possível da grande distribuição, porque há um enorme medo. Em
alguns casos, isso tem sido conseguido com a exportação. Há muitas empresas, em
Portugal, que se estão a dedicar tão furiosamente à exportação, também porque
estão demasiado dependentes da grande distribuição. Temos uma grande
distribuição que não hesita em riscar uma empresa e importar. Há um fenómeno
muito interessante n’A Vida Portuguesa. Não é só o que vendemos, que são, de
facto, grandes quantidades, mas também aquilo que fazemos que outros vendam também.
Há muitas lojas em Portugal que se inspiraram no nosso modelo, e depois há
muitos estrangeiros que estão no comércio lá fora, que vão às nossas lojas,
gostam desse produtos e encomendam-nos. O último caso mais espetacular foi o do
diretor artístico da Christian Lacroix, que descobriu a nossa loja no Porto e
de lá saiu com vários sacos de compras, levando o creme de mãos Alantoíne. Hoje
em dia, o Alantoíne está à venda na concept store da Christian Lacroix, em
Paris. E, segundo me confessou, há uns dias, há gente que volta à sua loja,
exatamente, para comprar aquele creme de mãos.
Já disse que, no seu caso, por inocência ou não, nunca
recorreu ao crédito.
Tento, aliás, também na minha vida pessoal, viver com o que
tenho e só, em casos indispensáveis, é que recorro ao crédito.
Uma das soluções apontadas para as empresas se financiarem é
a dispersão do capital em Bolsa. No seu caso, essa é uma hipótese viável?
Cada um sabe do seu caso. Eu, no meu caso, jamais recorreria
a isso.
Porquê?
Porque eu gosto de controlar [gargalhadas].
Não é vergonha nenhuma, escusa de corar.
Gosto de controlar muito bem as coisas e, talvez por isso,
também nunca tenha recorrido ao franchising, e os pedidos foram imensíssimos,
tanto para Portugal como para o estrangeiro. Talvez um dia lá chegue. Mas, como
até aqui, também eu estava a aprender, pareceu-me muito perigoso começar a
dispersar o meu negócio por pessoas que mal conhecia. Prefiro ter poucas lojas,
mas saber exatamente como elas são, fazê-las como acho que devem ser, vendendo
exatamente aquilo que quero, controlar muito bem as coisas. Não tendo vindo da
área da gestão, a minha defesa foi sempre saber exatamente o que estou a fazer.
E ir para fora é uma ideia que lhe passa pela cabeça?
Vendemos para algumas lojas lá fora e já fomos contactados
várias vezes para isso. Acho que haveria possibilidades de fazer isso lá fora,
mas isso pressupõe também dinheiro, é certo, e também prescindir de tempo na
minha vida pessoal, que já não é muito, que é o que acontece aos control
freaks.
As pessoas têm também, muitas vezes, uma relação emocional e
cultural com os produtos que vende, portanto, o sucesso lá fora não seria tão
fácil como cá.
Isso foi exatamente o que pensei no início. A primeira vez
que fui à feira Maison et Object [em Paris], com o stand da Confiança, pensava
que os estrangeiros não reagiriam grande coisa, que não se impressionariam com
a coisa, e foi exatamente o contrário. Levava caixas de sabonetes com os
rótulos originais dos anos 40 e 50 e, de facto, vendi, por exemplo para lojas
como a Designers Guild, em Londres, ou como a Gorrant Shop. Foi aí que percebi
que os estrangeiros reagem a isto. E esse é um facto que constato todos os dias
com os turistas. Nós não exportamos no sentido em que não vendemos além
fronteiras, mas nós vendemos para estrangeiros dentro do país. Os portugueses
estão a comprar muitíssimo menos. Fazemos um cálculo se é dinheiro estrangeiro
ou dinheiro português e, neste momento, estamos quase em 50% de capital
estrangeiro.
Os empresários portugueses estão demasiado dependentes do
Estado, esperam pela ajuda do Estado para desenvolverem os seus projetos?
Acho que é um bocadinho assim. Em alguns casos isso fará
sentido. O Estado somos todos nós e é normal que o Estado exista para
facilitar, para impulsionar e até para definir estratégias em alguns sectores.
O facto de ter investido na loja do Intendente num contexto
económico difícil é a prova de que o seu negócio conseguiu resistir à crise. Já
sente a recuperação da economia de que o Governo tanto fala?
Temos continuado a crescer, mesmo ao longo destes anos de
crise. É uma coisa absolutamente extraordinária.
A que ritmo?
Estamos a falar de menos de 10% ao ano, mas sim, temos
crescido um bocadinho. Isso tem muito a ver com o crescimento no turismo, não
tem a ver com o portugueses.
Sentiu uma redução no consumo?
Claro, absolutamente! Antes, havia quem comprasse sem
pensar, depois as pessoas começaram a pensar duas vezes, e acho que, neste
momento, pensam sete vezes antes de comprar. No domingo passado, por exemplo, a
loja no Intendente estava cheia, mas as pessoas compraram pouquíssimo.
Há uma coisa muito importante que aconteceu com esta crise,
e não foi só uma mensagem do governo: as pessoas começaram a ter consciência do
que é o consumo e de como o consumo afeta a economia em geral, como aquilo que
compram todos os dias se reflete nos resultados e na realidade económica do
país. Isso também nos tem beneficiado, porque as pessoas perceberam que se
comprarem produtos nacionais, em vez de estrangeiros, o dinheiro fica cá, é
reinvestido, paga salários, e por aí fora.
Mas isso só acontece quando o preço é um factor que não
pesa?
Obviamente que há o fator preço e há pessoas que não têm
hipótese de fazer essa escolha. Mas as que têm, é muito importante que o façam,
neste momento. Costumo dizer que, quando vamos votar, elegemos um governo, mas
também há uma espécie de voto, todos os dias, quando vamos às compras. Estamos
a votar em empresas, na forma como elas funcionam, se queremos dar o nosso
dinheiro a uma empresa que paga salários em Portugal, com as regras de trabalho
que nós temos, ou se queremos dar o nosso dinheiro, o nosso voto, a uma empresa
que está a cilindrar toda a gente e que está no mercado com uma única preocupação,
o preço.
Está a pensar em alguma?
Estou a pensar na grande distribuição. Sabe quantas
histórias já ouvi, cada uma mais terrível do que a outra, de empresas que só
não acabaram porque têm pessoas extremamente valentes à sua frente?!
Por pressão da grande distribuição?
A empresas da grande distribuição querem fazer uma marca
própria e contactam um fornecedor, que sabe perfeitamente que no dia em que
fizer a marca própria do tal supermercado, os seus produtos vão descer para a
prateleira do fundo para se vender a marca própria. Ele sabe que está a
contribuir para a sua desgraça, mas não tem outra hipótese. Três meses depois,
a dita empresa vai ter com ele e diz-lhe: primeiro, já não estamos interessados
nos seus produtos, acabou, e depois, está a ver aquela marca branca que
desenvolveu para nós, agora vamos passar a produção para a Ásia, adeus e até um
dia.
Confronta-se com casos destes no seu dia a dia?
Completamente. Trabalho com muitas empresas, algumas delas
familiares, que vão na segunda, terceira ou quarta geração, e que têm toda uma
história atrás de si, já atravessaram muitas crises. Chamo-lhes empresas
valentes, por resistirem a várias dezenas de anos de convulsões políticas,
económicas. Não é fácil. Elas devem concentrar-se em fazer produtos, que depois
devem valorizar, que devem saber comunicar e inovar, e ir para um outro tipo de
distribuição, que não a grande distribuição.
Sente a recuperação da economia nas atitudes dos seus
clientes e fornecedores?
Diria que, no verão, as pessoas começaram a ficar
ligeiramente mais optimistas. Mas acho que agora estão outra vez mais receosas.
Por causa do Orçamento de Estado? Sentiram novamente o peso
da austeridade?
Obviamente.
Quais são os produtos mais vendidos n’A Vida Portuguesa?
O produto mais vendido, em unidades, são as pastilhas
Gorila, porque custam 10 cêntimos e estão ao pé da caixa. A seguir são as
sombrinhas de chocolate da Regina. Mas, depois, a área que mais vendemos é a
perfumaria. Trabalhamos com várias marcas, como a Ach. Brito, que é um farol
para muitas destas empresas de que falamos, percebeu muito cedo o potencial
enorme do seu arquivo histórico, e tem explorado isso muitíssimo bem, está a
vender para várias dezenas de países em todo o mundo. Vendemos também a Confiança,
a Couto, ou a Nally. Depois, há a área alimentar, como os chocolates, da
Regina, ou a Arcadia. Temos a história das andorinhas, um produto que está
ligado ao nosso início, pois foi uma proposta que foi feita ainda aos
anteriores donos, da Bordalo Pinheiro. Era uma peça completamente esquecida,
que a Bordalo praticamente não fazia, e eu propus relançar as andorinhas. Temos
promovido essa andorinha e, de facto, a Bordalo fazia dez andorinhas por ano,
hoje em dia, vendemos 10 mil.
Disse, numa entrevista, que o seu intuito não é fazer
dinheiro. Então, qual é o seu objetivo?
O meu intuito é fazer dinheiro sim, mas não fazer dinheiro
pelo dinheiro. É fazer dinheiro para que o negócio continue a crescer e as
fábricas prosperem, para que as pessoas tenham emprego, para que se exporte
mais e por aí fora.
Paga bons salários?
Pelo que sei, pago acima do habitual. Atenção, porque no
comércio e na restauração, em geral, não se pagam grandes salários. Mas, toda a
gente está a contrato, obviamente. No caso d’A Vida Portuguesa em Lisboa,
quando há margem para isso, é feita a distribuição de lucros com as pessoas que
lá trabalham. As pessoas que estão n’A Vida Portuguesa não estão apenas atrás
de um balcão, têm consciência de que esse balcão é uma frente avançada de toda
a produção portuguesa que está atrás. Muitas vezes conhecem também os nossos
fornecedores, portanto, sabem que, quando estão a vender, estão a representar
muita gente, centenas ou até milhares de pessoas, que estão por trás a
trabalhar, e que é graças a elas que mantém os seus empregos.
A Catarina é irmã do vice-primeiro-ministro Paulo Portas,
que está num campo ideológico oposto ao seu.
Pois sou, com muito orgulho!
Já teve oportunidade de falar com Paulo Portas sobre estas
queixas que faz sobre a grande distribuição e a investigação que, diz, deveria
ser feita?
Já, falámos muitas vezes sobre tudo isto. E muitas vezes
estamos de acordo. É uma grande preocupação minha e acho que é uma também uma
preocupação dele. Por exemplo, a história do Pingo Doce com o 1.o de Maio,
tornou óbvio para as pessoas uma série de coisas, nomeadamente o dumping, que
as cadeias não se coíbem de praticar e que são contra a lei. Isso tem dado
origem a várias coisas, nomeadamente à PARCA [Plataforma de Acompanhamento das
Relações na Cadeia Alimentar], que pretende criar regras mais justas.
Conversa com ele sobre o Governo, o país, sobre as opções
ideológicas do governo?
São conversas pessoais, de irmãos, de pessoas que gostam uma
da outra, e de pessoas que se preocupam.
Dá-lhe algum conselho? Irrita-se com as opiniões dele?
Não, temos um grande sentido de humor e um imensíssimo
respeito pelas nossas diferenças. Sempre tivemos, na nossa família, sempre
fomos todos diferentes e sempre nos demos muito bem. Acho que isso é a coisa
preciosa, para mim não há nada mais natural do que essas diferenças.
Algum conselho?
Acho que ele não precisa de conselhos, é uma pessoas com muito
bom senso.
A Vida Portuguesa e os quiosques são a face mais visível da
sua atividade empresarial, mas faz muitas coisas ao mesmo tempo. Foi notada no
estrangeiro pela revista Monocle, que a escolheu como uma das vinte pessoas, a
nível mundial, que deveria ter um palco maior. O que faria se tivesse direito a
esse palco maior?
Olhe, por acaso, tenho de decidir hoje se vamos ou não à
Feira de Natal da Monocle. Fomos convidados, tal como no ano passado, e foi
curioso, pois eles convidaram 20 marcas e nós éramos a única que não tem loja
em Londres. Já tive em conversas para abrir uma loja em Londres, mas vamos
fazendo as coisas com calma.
Ainda não tem nenhum projeto nesse sentido?
Concreto, neste momento, não. Há conversas.
E se estas conversas resultarem em alguma coisa, podemos
esperar alguma coisa nos próximos meses?
Não sei, o que temos de pensar é até onde é que queremos
crescer, e se é isso que queremos. Eu, às vezes tenho um bocadinho de mixed
feelings em relação a isso. Se há coisa que hoje em dia me enerva de uma forma
louca, é este retalho obsessivo, ou seja, é encontrar as mesmas marcas em todo
o lado onde vou, tanto em Portugal como no estrangeiro. As cidades começam a
ficar todas iguais, hoje em dia as grandes ruas comerciais das cidades são
iguais a corredores de aeroportos, é tudo igual. Temos uma loja da Mark Jacobs
ao pé da nossa loja do Chiado, temos uma Mark Jacobs ao pé da loja do Porto. É
um criador cujo trabalho aprecio, mas lembro-me que, há dois anos, fui a Nova
Iorque e saí à rua, tinha cinco lojas Mark Jacobs à minha frente e pensei “para
que é que atravessei um oceano?” Para encontrar exatamente as mesmas coisas? No
ano passado, estive em Bangkok, uma cidade onde tinha ido há dez anos, onde
estive uns meses, e que tinha centros comerciais fantásticos, com lojas
tailandesas, cada uma mais criativa que a outra, com coisas muito bonitas,
agora, a única coisa que encontrei foi Hermés, Zara, Burberry, as mesmas marcas
do costume, as mesmas coisas. Estou farta! Não quero que a minha cidade seja
assim, não pode ser só isto. Atenção, que ao pé disto sou um formiga, não mes
estou a querer comparar, nada disso, mas quando penso em crescer, às vezes,
penso em fenómenos destes.
O fenómeno pode ser visto ao contrário. Em Londres tem todas
essas marcas todas, mas não A Vida Portuguesa. Não seria bom A Vida Portuguesa
destoar, no bom sentido?
Tenho muito medo das coisas que crescem muito, assim como
tenho medo das empresas de distribuição que tendem sempre a querer crescer mais
para terem mais lucro, e que, pelo caminho, vão espezinhando mais fornecedores.
Também tenho muitas dúvidas sobre lojas ou marcas que cada vez crescem mais e
que, depois, nos seus sistemas de produção têm que recorrer a países de
terceiro mundo, com salários miseráveis. Estive no Laos, o ano passado, é um
país comunista, que está, neste momento, a entrar na Organização Mundial do
Comércio, e vai ser o próximo Vietnam, vai ser o próximo Bangladesh. Olho para
a vida daquelas pessoas que, por enquanto, ainda não estão escravizadas com uma
máquina de costura durante dez ou doze horas por dia, com uns salários
miseráveis, mas que, enfim, vão poder comprar umas televisões e ver o Big
Brother, e penso é este o modelo de sociedade, é este modelo de civilização que
nós temos para propor aos outros? Isto vale a pena? Acho que temos sempre que
questionar tudo e pensar sobre tudo.
Em 2014,
A Vida Portuguesa chegará a Londres?
Em 2014, provavelmente, não teremos A Vida Portuguesa em
Londres. Gostaria de estender este modelo de Lisboa para o Porto, por exemplo.
E também é provável que o negócio dos quiosques, que é um negócio muito
importante para mim e que me dá uma enorme satisfação, venha a crescer. Já
cresceu este ano. Desta vez, comprámos mesmo um quiosque, dos poucos quiosques privados
que existiam em Lisboa. É o nosso mais novo na família, vai fazer 100 anos no
próximo ano. O quiosque do Largo de São Paulo, que estava há três gerações na
mesma família, quisemos comprá-lo, mas a pessoa que o tinha também o quis
vender a nós, e isso deixa-me muito orgulhosa. Esse negócio sim, também, vai
crescer.
Define-se como uma empresária com atitude de jornalista. O
que é que isto significa?
A força que eu tenho neste negócio, em relação, por exemplo,
a todas as inspirações e, em alguns casos, situações de plágio, aquilo que nos
diferencia dos outros, é a pesquisa. Nunca paro de pesquisar, nunca paro de ir
às fábricas, nunca paro de fazer perguntas, nunca paro de querer conhecer
arquivos, de colecionar as embalagens antigas, de saber mais, de procurar mais.
Essa, acho, é a nossa força em relação aos outros. E isso é uma coisa que vem,
obviamente, do jornalismo.
A cadeira
O entrevistado foi fotografado na cadeira Bacará, desenhada
em 1996 pelo designer português Pedro Silva Dias, representado na coleção do
Museu de Design de Lisboa - MUDE. Composta por uma estrutura de aço inox polido
e uma placa, recortada a laser, de polietileno, a cadeira foi posteriormente
reeditada pela editora MU, em 2003. Ao não necessitar de investimento em moldes
para a configuração do assento de plástico, é possível a produção em pequena
série, on demand.PVP: 430 euros, n’ A Linha da Vizinha
1 comentário:
e como foi que conseguiu tantos quiosques em Lisboa? foram todos por concurso público?
Como há pouco tempo comentava com uma colega minha, de facto em Portugal as pessoas são um bando de ignorantes, afinal, mesmo que sejamos apenas 10 milhões são sempre os mesmos a terem ideias...
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