domingo, 15 de dezembro de 2013

Comunidade portuguesa


OPINIÃO
Comunidade portuguesa
VALTER HUGO MÃE 15/12/2013 in Público

Depois de três meses em viagem, regresso a Portugal como alguém que arruma ideias, resolve ainda emoções, prepara o sossego possível. Trago, desta vez, o impacto de encontrar, um pouco por todo o lado, a nova emigração portuguesa. Essa gente jovem e zangada, educada para sonhos maiores mas, repetindo ciclos, ganhando frequentemente a vida em serviços braçais.

Fazem um coro de enjeitados perplexos. Têm dificuldade em acreditar como tão de repente o país se fechou para eles, depois de tanto investimento na formação, depois do esforço, sentem-se como desperdiçados, escorraçados, ofendidos por quem vê o mundo a partir de números e não pelos rostos das pessoas. Dizem-me que não voltam. Portugal tem nada para oferecer, apenas para tirar.


Onde estão, agora, os novos emigrantes perspectivam a esperança, desde logo, porque encontram estruturas a partir das quais a comunidade portuguesa se reúne e repensa constantemente.


No Canadá, quer em Montreal, quer em Toronto, é impressionante ver o que a emigração dos anos 60 fez, sobretudo no que respeita à manutenção da língua entre os filhos já canadenses. Os novos emigrantes encontram nas associações consolidadas dos emigrantes mais antigos o apoio fundamental para uma integração minimamente cuidada, minimamente informada, para além do que é responsabilidade das representações diplomáticas.


Eu sei que isso não retira a dificuldade e não apaga amarguras ou revoltas, mas é admirável que, em alguns lugares do mundo, se tenha criado um certo pulmão português onde, à revelia da distância, as pessoas se podem identificar e guardar memória.


Dei conta da falta de livros em português. Dei conta da ansiedade para que cheguem, para que estejam disponíveis. A responsável pelos Serviços de Coordenação de Ensino da Língua Portuguesa, Ana Paula Ribeiro, leva a cabo a criação de uma biblioteca (no espaço partilhado do consulado português em Toronto) onde já são assinaláveis os volumes, disponibilizando o que é possível da contemporaneidade literária, motivando o atempado da comunidade com as referências de hoje, corrigindo muitas vezes o equívoco de se pensarem as coisas apenas com referências de décadas passadas.


Em Montreal, por exemplo, uma senhora disse-me que lia frequentemente para sentir que não partiu. Lendo, participava no mundo do seu país, imaginando-se sempre cidadã e curando a frustração de ter sido mandada embora.


Mandados embora, vi bem visto, os novos emigrantes têm na literatura uma forma quase desesperada de receberem um pedido de desculpa. Orgulha-me e envergonha-me. Orgulho de que a literatura seja um país. Vergonha de que sejamos obrigados a ter um país à distância.

Crónica publicada na Revista 2 de 15 de Dezembro de 2013

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