"O Decreto-Lei 96/2013, aprovado em
Conselho de Ministros em Julho deste ano, depois de grande polémica na sua
discussão, permite a liberalização da plantação de espécies exóticas em mais de
80% das propriedades florestais de Portugal. Não houve qualquer avaliação
ambiental estratégica desta lei e o seu impacte no país é incalculável."
OPINIÃO
Decreto-lei nº 96/2013: um erro histórico só
comparável à Campanha do Trigo
EUGÉNIO SEQUEIRA 11/12/2013 in Público
Há muito que vimos destruindo a floresta climáxica de
carvalhal. Sempre a utilizámos para obter energia, material de construção,
pasto e alimentos. No século XIV acelerámos o seu uso para os Descobrimentos,
no século XIX para a construção dos caminhos-de-ferro, no século XX para a
Campanha do Trigo, até que a substituímos, primeiro pelo pinheiro, seguido pelo
eucalipto e pelo abandono. Isto conduziu à existência contínua de material de
elevada combustibilidade, matos, pinhal e eucaliptal, e agricultura abandonada
em mais de 50% do território.
Os povoamentos (a que se chama impropriamente floresta)
ocupam aproximadamente 38% do território (dos quais a maioria é eucalipto), os
matos ocupam 22% e estão em expansão, a agricultura ocupa 33% do território e
está em decréscimo (acentuado pelo abandono), as águas interiores 2%, enquanto
os solos urbanos e selados são 5% do território nacional. Mas o maior problema
reside não no eucaliptal em si mas na forma como ele está ordenado, ou melhor,
desordenado e como ele é, ou melhor, como ele não é, gerido.
De facto, dos 813 milhares de hectares de eucaliptal, 93.000 hectares são
povoamentos mistos de eucalipto com pinheiro, o que indica uma gestão
deficiente; 70.000
hectares têm um coberto inferior a 50%, o que indica má
ou mesmo gestão inexistente e baixa produtividade, 400.000 hectares
apresentam menos de 600 árvores por hectare, indicando igualmente deficiência
de gestão e 100.000
hectares dos povoamentos “ditos puros” (isto é, apenas
eucaliptos) apresentam idade superior a 12 anos (muito para além da idade ideal
de corte), mais uma vez indicando má gestão.
A má gestão ou ausência de gestão ocorre em bem mais de 600.000 hectares
(80% do chamado eucaliptal) em que a produtividade anual será pouco maior do
que cinco metros cúbicos por hectare. Ora, os terrenos geridos pelas indústrias
e pelos bons produtores atingem valores duas a quatro vezes essa produtividade,
e o risco de incêndios é muito inferior. As áreas sem gestão ou com gestão
deficiente constituem na maioria dos casos verdadeiros “barris de pólvora”,
responsáveis pela grande dimensão dos fogos, pela degradação dos solos e das
águas.
Este panorama resulta também do despovoamento do interior,
do abandono da agricultura e da estrutura fundiária, em que mais de 80% das
propriedades têm menos de dois hectares, o que com os actuais custos torna
incomportável a manutenção de uma produção florestal sustentável, qualquer que
fosse a espécie.
Uma solução séria implicava a constituição de unidades de
gestão nunca inferiores a 400
a 500
hectares , que permitissem a existência de ordenamento e
boa gestão, quer seja através de Zonas de Intervenção Florestal que funcionassem,
quer através de empresas do tipo Sociedade Anónima ou do Estado. Podíamos
aumentar a produção de pasta para papel, aumentar a produção de madeira de
qualidade fundamental para a indústria de mobiliário, aumentar a área de
montado, que é a defesa contra o avanço do deserto, reduzir a área de eucalipto
e melhorar a sua gestão, aumentando emprego, crescimento económico,
biodiversidade e qualidade devida. Era possível. Mas não querem.
O Decreto-Lei 96/2013, aprovado em Conselho de Ministros em
Julho deste ano, depois de grande polémica na sua discussão, permite a
liberalização da plantação de espécies exóticas em mais de 80% das propriedades
florestais de Portugal. Não houve qualquer avaliação ambiental estratégica
desta lei e o seu impacte no país é incalculável. É urgente encontrar soluções,
mas nunca o aumento da dispersão e o desordenamento que decorrerão
inevitavelmente caso o Decreto-Lei 96/2013 se mantenha em vigor. Este
decreto-lei está a ser apreciado na Assembleia de República (uma vez que já foi
aprovado sem debate no Parlamento) e é urgente a sua revogação sob pena do
despovoamento, dos fogos catastróficos, da degradação dos solos, da água, e da
perda de diversidade biológica continuarem a destruir o nosso país.
Apelamos a que os cidadãos contactem os 22 deputados da
Comissão de Agricultura e Mar, pedindo a revogação deste diploma.
Engenheiro agrónomo, da direcção nacional da Liga para a
Protecção da Natureza
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