“No presente , a consciência da autenticidade única da
textura e do tecido histórico, assim como o reconhecimento do carácter único da
sua inerente energia criadora e artística, valores tão defendidos por Ruskin e
por Morris, foi aceite por todos e institucionalizada pela Carta de Veneza em
1964 e adoptada pelo ICOMOS em 1965.
A consciência do valor intríseco e específico das
intervenções nas diversas épocas de um Monumento e a sua aceitação, foi também
oficialisada pela mesma Carta e Instituição, rejeitando-se assim oficialmente e
definitivamente, o conceito de Restauro em “Unidade de Estilo”.
Assim, o conceito de “Conservação acima do restauro”,
tornou-se éticamente a única atitude aceitável e possivel, partindo da permissa
Ruskiniana, mas com uma interpretação ligada a consequências com alguns
aspectos curiosos ...
A norma adoptada pelo ICOMOS é a de, que depois da atitude
de conservação e manutenção máxima e rigorosa da autenticidade do material
histórico presente no Monumento, atitude que corresponde a um rigor de
principio, com o qual todos concordamos, reflexo de um simples bom senso aceite
universalmente, toda e qualquer intervenção posterior deve ser demarcada
através estilo que denuncie claramente o contemporâneo.
Ora o contemporâneo é neste caso interpretado, depois da
“victória” cultural do Modernismo como estilo, no pós-guerra, como algo
abstracto e depurado de forma minimalista.
Esta situação, de pura influência ideológica, perfeitamente
datável e nesse sentido imposta, torna-se mais clara ao aproximarmos o trabalho
da DOCOMOMO, a organisação das Nações Unidas que se dedica à defesa dos
Monumentos Modernos (leia-se Modernistas).
Assim, têm-se sem hesitações, reconstruído na integra,
notáveis e magnificos Monumentos do Periodo Heróico do Movimento Moderno, tais
como o Pavilhão Mies van der Rohe (Barcelona) o Café de Unie em Roterdão
(etc.,) e têm-se restaurado em “Unidade de Estilo” Monumentos como a Fábrica
Van Nelle, O Sanatório “Zonnenstraal” em Hilversum, a “OpenluchtSchool” em
Amsterdão , etc, etc,.
Chegou-se mesmo ao ponto de propôr a construção de edifícios
nunca construídos e que tinham ficado apenas como projecto.
Esta atitude é apoiada sem reservas e aplaudida pela grande
maioria da classe arquitecta, com convicção e nostalgia.
Mas quando chegamos, à hipótese da aplicação da mesma
atitude aos Monumentos anteriores a este periodo, aí, imediatamente grita-se de
forma furiosa e indignada : “Sacrilégio”! “Sacrilégio”! “Pastiche”! Pastiche”!
Verificamos assim , dois critérios, dois pesos e duas
medidas, determinados claramente por uma ambígua, subjectiva e ideológicamente
motivada dualidade.”
António Sérgio Rosa de Carvalho
In “História das Ideias , História da Teoria da Arquitectura
e Defesa do Património”, 2010, Scribe .
OPINIÃO
Rei Docomomo
JORGE FIGUEIRA 09/12/2013 in Público
A voz trémula da gravação em português, nos voos da Iberia,
é todo um programa. Depois do vozeirão do capitão em castelhano, e do inglês
massacrado sem remorso, o som da menina aterra-nos poeticamente em Portugal.
Queríamos talvez que não fosse assim.
Uma União Ibérica? Sim, com a Espanha como região autónoma
de Portugal. Estamos no VIII Docomomo Ibérico, reunido em Málaga. Não há nada
como um bom seminário: as ponencias, os crachás, os cartões-de-visita
oferecidos furtivamente, os sacos e os mapas, as boas-vindas nos hotéis, os
jantares protocolares. Para os professores, investigadores e estudantes, é
fazer pela vida.
Aqui, no entanto, não me queixo. Fala-se de
arquitectura-arquitectura. O Docomomo é uma organização especial, visa a
“documentação e conservação” de edifícios do “movimento moderno”. É
retro-futurista. Patrimonializa o moderno. Moderniza o património.
Muitas vezes o tom é angustiado; a falta da consideração das
pessoas ou dos poderes públicos por determinada fábrica ou por um cinema
abandonado pode chegar a arrepiar.
Às vezes melancólico é um clube feito de pessoas boas, que
genuinamente gostam das suas cidades e que dedicam a sua vida à hipotética vida
de edifícios mal-amados.
É comovente essa dedicação. Embora também possa enfurecer e
suscitar pensamentos heréticos: “o melhor, então, será mesmo demolir”, já me
ocorreu silenciosamente.
No Docomomo Brasil já assisti a discussões de vida ou morte
sobre algumas nuances da relação entre o modernismo de São Paulo e o carioca.
Em Málaga, reencontramos Victor Pérez Escolano, fluente em
sabedoria e inteligência “momo” e tudo o resto. Represento a parte rectangular
da Ibéria com o Gonçalo Canto Moniz, dedicado investigador e amigo.
Presidente do Docomomo Internacional desde 2010, Ana Tostões
encerra o encontro. Este importante cargo não foi devidamente notado a seu
tempo. O trabalho da Ana em Portugal foi pioneiro ao cruzar metodologias
historiográficas com o olhar do arquitecto, fazendo sentido de leituras que
estavam dispersas a Norte e a Sul. Este prestigiante lugar é inteiramente
merecido porque, além do mais, sendo uma estudiosa da arquitectura moderna,
conhece o antes e o depois suficientemente bem para não se enredar na afición,
que sem dúvida sente.
Como a Ana diz, nós, os portugueses, temos que ser muito
bons: falamos todas as línguas; e inventamos, a rir, a língua do desenrascanço.
A Ana ri-se, e fala-nos em castelhano e inglês impecável,
liderando com reconhecimento global o Docomomo Internacional; que inclui
dezenas de países, entre os quais o Irão.
Haverá arquitectura moderna no Irão? Uma coisa é certa: há
uma portuguesa à frente do Docomomo, que “documenta” e “conserva” edifícios
construídos desde que o betão começou a levantar paredes, e até antes.
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