domingo, 22 de dezembro de 2013

Parlamento Europeu promete batalha contra acordo na união bancária.Estavam todos contentes porquê?


Parlamento Europeu promete batalha contra acordo na união bancária
ISABEL ARRIAGA E CUNHA (Bruxelas) 20/12/2013 in Público
O acordo sobre a união bancária concluído na madrugada de quinta-feira pelos ministros europeus das Finanças constitui "o maior erro" jamais feito "na resolução da crise" da dívida, avisou na quinta-feira o presidente do Parlamento Europeu (PE), Martin Schulz, garantindo que a sua instituição vai fazer tudo ao seu alcance para o alterar.

Segundo Schulz, o acordo "aponta numa direcção preocupante" porque os Governos europeus decidiram manter o poder de decisão sobre a "resolução" (liquidação ou reestruturação) de um banco insolvente, em vez de o delegarem numa instituição independente das pressões dos Estados.

Schulz, que fez o aviso durante uma intervenção no arranque de uma cimeira de líderes da União Europeia (UE), foi secundado por Elisa Ferreira, eurodeputada socialista portuguesa que tem a responsabilidade da elaboração da posição do PE, "co-decisor" na matéria com o Conselho de Ministros europeu.

A posição dos 28 ministros europeus "contraria radicalmente as grandes posições do PE", afirmou Elisa Ferreira. Parte do problema está no facto de o novo fundo de resolução bancária, que será regulado por um acordo intergovernamental, em que "os Estados mais pequenos vão ter pouca influência na sua construção", afirmou.

Tal como Schulz, Elisa Ferreira também critica a ausência "quase total" da Comissão Europeia, o órgão executivo da UE e a mais comunitária das instituições europeias, nos processos de decisão de resolução dos bancos em crise. O facto de ser o Conselho de Ministros a ter a palavra final introduz uma "politização das decisões" de resolução, o que é "muitíssimo preocupante", afirmou.

Segundo Elisa Ferreira, se o Conselho de Ministros não alterar a sua posição, não será possível fechar um acordo final até ao fim da actual  legislatura na perspectiva das eleições europeias de Maio de 2014. "É preferível não ter nenhum acordo, por muito grave que seja não se concluir a legislação do mecanismo de resolução nesta legislatura, do que ter um acordo contrário ao espírito da união bancária", avisou.

O acordo dos ministros das Finanças, que encerrou um duro braço-de-ferro que se arrastou ao longo de várias semanas, entre a Alemanha, de um lado, a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu, a França e a Itália, do outro sobre um novo mecanismo de resolução dos bancos, saldou-se por uma vitória em toda a linha das teses alemãs.

As novas regras vão-se aplicar aos bancos declarados insolventes pelo BCE no novo papel de supervisor único da zona euro a partir do Outono de 2014.

Nesse cenário, os custos da resolução dos bancos serão suportados primeiro pelos accionistas, seguidos dos credores juniores e seniores, e, se necessário, pelos grandes depositantes com mais de 100.000 euros. Se esta "cascata" de contribuições não for suficiente para cobrir os custos, os bancos poderão recorrer a um fundo de resolução financiado por contribuições dos bancos com base no seu perfil de risco e que será constituído ao longo de 10 anos.

Só que, em vez de ser europeu como era defendido por Bruxelas, PE, França e Itália, a Alemanha impôs que o novo fundo será uma mera justaposição de fundos nacionais alimentados por cada país participante.

Durante os primeiros dez anos, cada país só poderá usar o dinheiro do seu fundo, que se não for suficiente obrigará o respectivo Estado a intervir, como acontece hoje, com dinheiro público (a reembolsar posteriormente pelos bancos). Estes fundos nacionais serão progressivamente fundidos num fundo único ao longo de 10 anos.

Berlim também recusou que o mecanismo de socorro dos países do euro (ESM na sigla inglesa) possa funcionar como uma "rede de segurança" para o fundo de resolução bancária caso os seus meios não sejam suficientes para salvar um banco. A utilização do ESM só será autorizada nos moldes actuais, através de empréstimos aos Governos que os facultarão aos bancos, embora assumindo a responsabilidade pelo reembolso e pelos juros, o que terá como resultado agravar a sua dívida pública. Esta contaminação entre Estados e banca – em que a dívida dos bancos coloca os Estados, sobretudo os mais frágeis, à beira da bancarrota, e em que os Estados afundam os bancos impondo-lhes a compra dos seus títulos de dívida – era precisamente o que os defensores de uma união bancária europeia queriam evitar.

Os alemães também impuseram que as regras para a utilização dos fundos de resolução fiquem consagradas num novo Tratado intergovernamental entre os países participantes, cujos detalhes serão acordados até Março de 2014. É este acordo intergovernamental que é liminarmente rejeitado pelo PE, o mesmo acontecendo com as regras acordadas para a tomada de decisões sobre a resolução de um banco declarado insolvente pelo BCE.

Por razões jurídicas, a decisão tem de ser tomada por uma instituição europeia. Vários países queriam atribuir essa responsabilidade à  Comissão Europeia, no quadro de uma decisão "comunitária".

A Alemanha opôs-se, impondo a solução bem mais intergovernamental de atribuir esse poder ao Conselho de Ministros das Finanças da UE.

Todas as decisões serão tomadas com base nos planos preparados por um "conselho de resolução", formado por um "plenário" com representantes das autoridades nacionais mais cinco independentes, dos quais um presidente. Este plenário será apoiado por um comité executivo formado pelos cinco independentes mais os representantes dos países da sede e das filiais do banco a "resolver".

Se a decisão de resolução não levantar problemas, é aprovada sem demora.

Se, em contrapartida, a Comissão Europeia levantar objecções, por exemplo ao abrigo das suas competências em matéria de autorização da concessão de ajudas públicas às empresas, serão os ministros das Finanças que tomarão a decisão final por maioria qualificada de votos.

A decisão sobre a utilização dos fundos de resolução será ainda mais complexa e precisará de reunir dois terços (66%) dos votos dos membros do plenário do conselho de resolução, a que se juntará a aprovação obrigatória dos países que asseguram pelo menos 55% do fundo comum.



OPINIÃO
Estavam todos contentes porquê?
TERESA DE SOUSA 22/12/2013 – in Público
A Europa não joga apenas o seu papel no mundo na economia. A sua capacidade de agir e de pesar fora das suas fronteiras é igualmente decisiva.
1. Já nos habituámos a que, em matéria de cedências, a Alemanha consegue sempre surpreender-nos. Pela negativa, naturalmente. Talvez por isso, nesta fase difícil, a regra número um que a maioria dos governos resolveu adoptar face à Alemanha seja que mais vale um acordo, mesmo que mau, do que não haver acordo nenhum.

Foi assim na semana passada em Bruxelas. Os governos europeus ficaram agradavelmente surpreendidos quando, há ano e meio, Wolfgang Schauble disse que Berlim estava na disposição de discutir uma união bancária. A surpresa foi tanta que um dos ministros das Finanças chegou a perguntar ao seu homólogo alemão se já tinha confirmado a questão junto da chanceler. Talvez porque as expectativas fossem baixas, os chefes de Estado e de Governo foram capazes de fazer um sorriso de circunstância para saudar o acordo sobre o segundo pilar da união bancária (o terceiro ficará para as calendas), a criação de um mecanismo de “resolução” dos bancos europeus que se encontrem à beira da falência. O primeiro pilar já estava resolvido com a atribuição da supervisão única ao Banco Central Europeu, cujo primeiro exame será em 2014.

Mas, se o objectivo era cortar o cordão umbilical entre as dívidas dos bancos e a dívida dos Estados, o mínimo que podemos dizer é que ainda vamos ter de esperar muito tempo para que isso realmente aconteça. Por enquanto e conforme vontade alemã (que ganhou este jogo por 10 a zero), a responsabilidade é dos accionistas, dos credores e dos depositantes com mais dinheiro. Se não for suficiente, então cabe aos governos nacionais resolver o problema. Entretanto, criar-se-á um “fundo de resolução” capitalizado pelos próprios bancos, que deverá atingir os 55 mil milhões de euros em 2026. “É isto que me faz rir”, observou o analista da BBC Robert Peston. “Depois de 10 anos, em 2026, este fundo contará com 55 mil milhões. Será que isto parece a alguém muito dinheiro?”. Basta pensar no dinheiro de que precisou a Espanha para impedir a falência de um dos seus bancos para acompanhar o riso de Peston. O Mecanismo Europeu de Estabilidade (500 mil milhões), que chegou a ser considerado como instrumento para injectar dinheiro nos bancos em dificuldades, não terá por enquanto (há quem diga que para sempre) esse papel.

Os líderes decidiram manifestar a sua satisfação, o que não impediu críticas muito duras de outros responsáveis. Martin Schulz, o presidente do Parlamento Europeu (que quer ser presidente da Comissão) definiu o acordo da seguinte forma: “É como se um doente entrasse nas urgências e ficasse à espera que o conselho de administração reunisse para ser tratado.” O social-democrata alemão acrescentou que “pode ser o maior dos erros até agora cometidos na resolução desta crise.” O PE, que tem poder nesta matéria, já prometeu lutar para que um tal acordo não chegue a ver a luz do dia. Guntram Wolff, do Bruegel, diz mais ou menos a mesma coisa: “O MEE ficou fora do jogo e não haverá recapitalização directa”. Mesmo em relação ao fundo alimentado pelos bancos, não é mais do que uma “justaposição de fundos nacionais”, como escreveu no sábado Isabel Arriaga e Cunha neste jornal, na medida em que os governos só podem ter acesso à sua própria gaveta e ao dinheiro que lá estiver.

2. Veremos se as economias em dificuldade vêem o custo do crédito descer, anulando uma enorme desvantagem comparativa. Era isto que muita gente reclamava, incluindo Portugal, mas também a França, a Itália ou a Espanha, o BCE ou a Comissão. Ora, a maioria dos analistas insiste em que esta espécie de união bancária à alemã não vai resolver a maioria dos problemas. “O soberano continua a ser o último recurso do seu sistema bancário próprio”, disse um conselheiro do Governo irlandês, que sabe do que fala. “Não é uma verdadeira união bancária. Significa que o custo de financiar a banca nos países da periferia mantém-se alto e que, por isso, o custo dos títulos da dívida manter-se-á igualmente alto”. Para Portugal, que tem de passar pelos pingos da chuva até Junho do próximo ano, esta questão é crucial. Mas, como os seus homólogos, Passos Coelho também se mostrou contente.

Em contrapartida, a chanceler sofreu um pequeno revés noutra dimensão da futura governação da zona euro. Merkel quer a garantia que todos os países façam as reformas estruturais necessárias para melhorar a sua competitividade, segundo o modelo alemão. Como não acredita na capacidade da Comissão de impor essas reformas, quer estabelecer “contractos” entre cada Estado-membro da zona euro e o “nível europeu”, acenando mesmo com um “apoio financeiro” a partir de “uma facilidade orçamental” específica da união monetária. Berlim não está preocupado com Portugal ou a Grécia, que já têm os seus próprios “contractos”. Está a pensar na França ou na Itália, cujas economias pesam a sério na zona euro. A resposta ficou adiada para Outubro. A maioria dos países mostrou-se reticente.

3. A Europa esteve um ano à espera das eleições alemãs e, depois, da negociação de uma “grande coligação”. Esta cimeira seria o primeiro teste à presença dos sociais-democratas no Governo de Berlim, mesmo que já se soubesse que as diferenças não seriam de grande significado. Falta ver ainda até que ponto a sua presença pode facilitar um compromisso franco-alemão de natureza mais ampla que dê um sentido ao projecto europeu. É essa a peça que ainda pode mudar as regras do jogo. Sempre foi assim e continua a sê-lo. A dificuldade agora está no desequilíbrio de poder que afectou este eixo Paris-Berlim e a nova hegemonia alemã sobre os seus parceiros europeus. A França fez boa cara à união bancária mas entra em pânico só de ouvir a chanceler falar da alteração do Tratado. O trauma de 2005 e do chumbo da Constituição ainda ensombra os franceses. Mas alguma coisa Merkel e Hollande terão discutido na quarta-feira, quando o Presidente da França recebeu a chanceler no Eliseu antes da cimeira. Merkel reafirmou a sua vontade de se entender com Hollande. Hollande disse que os dois têm uma visão comum, mas acrescentou que ainda falta acordarem no caminho para chegar lá. A cimeira também mostrou que a Alemanha é muito pouco sensível às preocupações da França noutros domínios igualmente fundamentais. O Presidente francês viu o seu pedido de ajuda financeira para a República Centro-Africana recusado. Apenas a Polónia se dispôs a uma pequena ajuda militar. Berlim limitou-se a dizer que não financia operações que não decidiu, o que à primeira vista poderia parecer acertado, caso a sua resposta não fosse quase sempre “não” quando se trata de agir militarmente. Tudo o que Hollande conseguiu foi que o Conselho Europeu encarregasse Catherine Ashton de elaborar um estudo sobre a questão do financiamento das operações militares. De resto, as conclusões da cimeira sobre a defesa não fogem à lengalenga de sempre. Repetem compromissos já assumidos há anos e enumeram belos princípios que nunca levam a parte nenhuma.


A Europa não joga apenas o seu papel no mundo na economia. A sua capacidade de agir e de pesar fora das suas fronteiras é igualmente decisiva. Há 10 anos, bastava-lhe o seu softpower (a sua enorme capacidade de atracção). Veja-se o que aconteceu em Kiev. Hoje, quando olhada de Brasília, Pequim ou Nova Delhi, o seu modelo de integração já não merece o mesmo interesse. A crise encarregou-se de apagá-lo. Apenas um pequeno exemplo: a cimeira aprovou um projecto para fabricar drones militares até 2025. A França, que precisa deles, acaba de encomendar doze aos Estados Unidos. Volto ao princípio: porque é que estavam, então, todos contentes?

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