Parlamento Europeu promete batalha contra acordo na
união bancária
ISABEL ARRIAGA E CUNHA (Bruxelas) 20/12/2013 in Público
O acordo sobre a união bancária concluído na madrugada de
quinta-feira pelos ministros europeus das Finanças constitui "o maior
erro" jamais feito "na resolução da crise" da dívida, avisou na
quinta-feira o presidente do Parlamento Europeu (PE), Martin Schulz, garantindo
que a sua instituição vai fazer tudo ao seu alcance para o alterar.
Segundo Schulz, o acordo "aponta numa direcção
preocupante" porque os Governos europeus decidiram manter o poder de
decisão sobre a "resolução" (liquidação ou reestruturação) de um
banco insolvente, em vez de o delegarem numa instituição independente das
pressões dos Estados.
Schulz, que fez o aviso durante uma intervenção no arranque
de uma cimeira de líderes da União Europeia (UE), foi secundado por Elisa
Ferreira, eurodeputada socialista portuguesa que tem a responsabilidade da
elaboração da posição do PE, "co-decisor" na matéria com o Conselho
de Ministros europeu.
A posição dos 28 ministros europeus "contraria
radicalmente as grandes posições do PE", afirmou Elisa Ferreira. Parte do
problema está no facto de o novo fundo de resolução bancária, que será regulado
por um acordo intergovernamental, em que "os Estados mais pequenos vão ter
pouca influência na sua construção", afirmou.
Tal como Schulz, Elisa Ferreira também critica a ausência
"quase total" da Comissão Europeia, o órgão executivo da UE e a mais
comunitária das instituições europeias, nos processos de decisão de resolução
dos bancos em crise. O facto de ser o Conselho de Ministros a ter a palavra
final introduz uma "politização das decisões" de resolução, o que é
"muitíssimo preocupante", afirmou.
Segundo Elisa Ferreira, se o Conselho de Ministros não
alterar a sua posição, não será possível fechar um acordo final até ao fim da
actual legislatura na perspectiva das
eleições europeias de Maio de 2014. "É preferível não ter nenhum acordo,
por muito grave que seja não se concluir a legislação do mecanismo de resolução
nesta legislatura, do que ter um acordo contrário ao espírito da união
bancária", avisou.
O acordo dos ministros das Finanças, que encerrou um duro
braço-de-ferro que se arrastou ao longo de várias semanas, entre a Alemanha, de
um lado, a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu, a França e a Itália, do
outro sobre um novo mecanismo de resolução dos bancos, saldou-se por uma
vitória em toda a linha das teses alemãs.
As novas regras vão-se aplicar aos bancos declarados
insolventes pelo BCE no novo papel de supervisor único da zona euro a partir do
Outono de 2014.
Nesse cenário, os custos da resolução dos bancos serão
suportados primeiro pelos accionistas, seguidos dos credores juniores e
seniores, e, se necessário, pelos grandes depositantes com mais de 100.000
euros. Se esta "cascata" de contribuições não for suficiente para
cobrir os custos, os bancos poderão recorrer a um fundo de resolução financiado
por contribuições dos bancos com base no seu perfil de risco e que será
constituído ao longo de 10 anos.
Só que, em vez de ser europeu como era defendido por
Bruxelas, PE, França e Itália, a Alemanha impôs que o novo fundo será uma mera
justaposição de fundos nacionais alimentados por cada país participante.
Durante os primeiros dez anos, cada país só poderá usar o
dinheiro do seu fundo, que se não for suficiente obrigará o respectivo Estado a
intervir, como acontece hoje, com dinheiro público (a reembolsar posteriormente
pelos bancos). Estes fundos nacionais serão progressivamente fundidos num fundo
único ao longo de 10 anos.
Berlim também recusou que o mecanismo de socorro dos países
do euro (ESM na sigla inglesa) possa funcionar como uma "rede de
segurança" para o fundo de resolução bancária caso os seus meios não sejam
suficientes para salvar um banco. A utilização do ESM só será autorizada nos
moldes actuais, através de empréstimos aos Governos que os facultarão aos
bancos, embora assumindo a responsabilidade pelo reembolso e pelos juros, o que
terá como resultado agravar a sua dívida pública. Esta contaminação entre
Estados e banca – em que a dívida dos bancos coloca os Estados, sobretudo os
mais frágeis, à beira da bancarrota, e em que os Estados afundam os bancos
impondo-lhes a compra dos seus títulos de dívida – era precisamente o que os
defensores de uma união bancária europeia queriam evitar.
Os alemães também impuseram que as regras para a utilização
dos fundos de resolução fiquem consagradas num novo Tratado intergovernamental
entre os países participantes, cujos detalhes serão acordados até Março de
2014. É este acordo intergovernamental que é liminarmente rejeitado pelo PE, o
mesmo acontecendo com as regras acordadas para a tomada de decisões sobre a
resolução de um banco declarado insolvente pelo BCE.
Por razões jurídicas, a decisão tem de ser tomada por uma
instituição europeia. Vários países queriam atribuir essa responsabilidade
à Comissão Europeia, no quadro de uma
decisão "comunitária".
A Alemanha opôs-se, impondo a solução bem mais
intergovernamental de atribuir esse poder ao Conselho de Ministros das Finanças
da UE.
Todas as decisões serão tomadas com base nos planos
preparados por um "conselho de resolução", formado por um
"plenário" com representantes das autoridades nacionais mais cinco
independentes, dos quais um presidente. Este plenário será apoiado por um comité
executivo formado pelos cinco independentes mais os representantes dos países
da sede e das filiais do banco a "resolver".
Se a decisão de resolução não levantar problemas, é aprovada
sem demora.
Se, em contrapartida, a Comissão Europeia levantar objecções,
por exemplo ao abrigo das suas competências em matéria de autorização da
concessão de ajudas públicas às empresas, serão os ministros das Finanças que
tomarão a decisão final por maioria qualificada de votos.
A decisão sobre a utilização dos fundos de resolução será
ainda mais complexa e precisará de reunir dois terços (66%) dos votos dos
membros do plenário do conselho de resolução, a que se juntará a aprovação
obrigatória dos países que asseguram pelo menos 55% do fundo comum.
OPINIÃO
Estavam todos contentes porquê?
TERESA DE SOUSA 22/12/2013 – in Público
A Europa não joga apenas o seu papel no mundo na economia. A
sua capacidade de agir e de pesar fora das suas fronteiras é igualmente
decisiva.
1. Já nos habituámos a que, em matéria de cedências, a
Alemanha consegue sempre surpreender-nos. Pela negativa, naturalmente. Talvez
por isso, nesta fase difícil, a regra número um que a maioria dos governos
resolveu adoptar face à Alemanha seja que mais vale um acordo, mesmo que mau,
do que não haver acordo nenhum.
Foi assim na semana passada em Bruxelas. Os governos
europeus ficaram agradavelmente surpreendidos quando, há ano e meio, Wolfgang
Schauble disse que Berlim estava na disposição de discutir uma união bancária.
A surpresa foi tanta que um dos ministros das Finanças chegou a perguntar ao
seu homólogo alemão se já tinha confirmado a questão junto da chanceler. Talvez
porque as expectativas fossem baixas, os chefes de Estado e de Governo foram
capazes de fazer um sorriso de circunstância para saudar o acordo sobre o
segundo pilar da união bancária (o terceiro ficará para as calendas), a criação
de um mecanismo de “resolução” dos bancos europeus que se encontrem à beira da
falência. O primeiro pilar já estava resolvido com a atribuição da supervisão
única ao Banco Central Europeu, cujo primeiro exame será em 2014.
Mas, se o objectivo era cortar o cordão umbilical entre as
dívidas dos bancos e a dívida dos Estados, o mínimo que podemos dizer é que
ainda vamos ter de esperar muito tempo para que isso realmente aconteça. Por
enquanto e conforme vontade alemã (que ganhou este jogo por 10 a zero), a responsabilidade
é dos accionistas, dos credores e dos depositantes com mais dinheiro. Se não
for suficiente, então cabe aos governos nacionais resolver o problema.
Entretanto, criar-se-á um “fundo de resolução” capitalizado pelos próprios
bancos, que deverá atingir os 55 mil milhões de euros em 2026. “É isto que me
faz rir”, observou o analista da BBC Robert Peston. “Depois de 10 anos, em
2026, este fundo contará com 55 mil milhões. Será que isto parece a alguém
muito dinheiro?”. Basta pensar no dinheiro de que precisou a Espanha para
impedir a falência de um dos seus bancos para acompanhar o riso de Peston. O
Mecanismo Europeu de Estabilidade (500 mil milhões), que chegou a ser
considerado como instrumento para injectar dinheiro nos bancos em dificuldades,
não terá por enquanto (há quem diga que para sempre) esse papel.
Os líderes decidiram manifestar a sua satisfação, o que não
impediu críticas muito duras de outros responsáveis. Martin Schulz, o
presidente do Parlamento Europeu (que quer ser presidente da Comissão) definiu
o acordo da seguinte forma: “É como se um doente entrasse nas urgências e
ficasse à espera que o conselho de administração reunisse para ser tratado.” O
social-democrata alemão acrescentou que “pode ser o maior dos erros até agora
cometidos na resolução desta crise.” O PE, que tem poder nesta matéria, já prometeu
lutar para que um tal acordo não chegue a ver a luz do dia. Guntram Wolff, do
Bruegel, diz mais ou menos a mesma coisa: “O MEE ficou fora do jogo e não
haverá recapitalização directa”. Mesmo em relação ao fundo alimentado pelos
bancos, não é mais do que uma “justaposição de fundos nacionais”, como escreveu
no sábado Isabel Arriaga e Cunha neste jornal, na medida em que os governos só
podem ter acesso à sua própria gaveta e ao dinheiro que lá estiver.
2. Veremos se as economias em dificuldade vêem o custo do
crédito descer, anulando uma enorme desvantagem comparativa. Era isto que muita
gente reclamava, incluindo Portugal, mas também a França, a Itália ou a
Espanha, o BCE ou a Comissão. Ora, a maioria dos analistas insiste em que esta
espécie de união bancária à alemã não vai resolver a maioria dos problemas. “O
soberano continua a ser o último recurso do seu sistema bancário próprio”,
disse um conselheiro do Governo irlandês, que sabe do que fala. “Não é uma
verdadeira união bancária. Significa que o custo de financiar a banca nos
países da periferia mantém-se alto e que, por isso, o custo dos títulos da
dívida manter-se-á igualmente alto”. Para Portugal, que tem de passar pelos
pingos da chuva até Junho do próximo ano, esta questão é crucial. Mas, como os
seus homólogos, Passos Coelho também se mostrou contente.
Em contrapartida, a chanceler sofreu um pequeno revés noutra
dimensão da futura governação da zona euro. Merkel quer a garantia que todos os
países façam as reformas estruturais necessárias para melhorar a sua
competitividade, segundo o modelo alemão. Como não acredita na capacidade da
Comissão de impor essas reformas, quer estabelecer “contractos” entre cada
Estado-membro da zona euro e o “nível europeu”, acenando mesmo com um “apoio
financeiro” a partir de “uma facilidade orçamental” específica da união
monetária. Berlim não está preocupado com Portugal ou a Grécia, que já têm os
seus próprios “contractos”. Está a pensar na França ou na Itália, cujas
economias pesam a sério na zona euro. A resposta ficou adiada para Outubro. A
maioria dos países mostrou-se reticente.
A Europa não joga apenas o seu papel no mundo na economia. A
sua capacidade de agir e de pesar fora das suas fronteiras é igualmente
decisiva. Há 10 anos, bastava-lhe o seu softpower (a sua enorme capacidade de
atracção). Veja-se o que aconteceu em Kiev. Hoje, quando olhada de Brasília,
Pequim ou Nova Delhi, o seu modelo de integração já não merece o mesmo
interesse. A crise encarregou-se de apagá-lo. Apenas um pequeno exemplo: a
cimeira aprovou um projecto para fabricar drones militares até 2025. A França, que precisa
deles, acaba de encomendar doze aos Estados Unidos. Volto ao princípio: porque
é que estavam, então, todos contentes?
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