Paulo Morais, o ‘Batman’ contra a
corrupção que quer ser Presidente
Catarina Falcão /
18 Abril 2015 / OBSERVADOR
Inscreveu-se na JSD aos 16 anos e
só saiu em 2013. Pelo meio fez nome na opinião pública a falar contra a
corrupção. Uns dizem que é sério, outros que tem ego grande. Agora, a missão é
chegar a Belém.
Considerado pelos
amigos como um homem autêntico, sólido e sempre ao ataque, Paulo Morais é
acusado de ter um “discurso fácil” e “demagógico”, conseguindo “um nicho de
mercado” na denúncia da corrupção em Portugal. Entrou na política aos 16 anos
quando integrou a JSD de Viana do Castelo, foi número dois de Rui Rio na Câmara
do Porto e é uma das vozes mais ativas em Portugal pela transparência nas
instituições públicas. Agora, decidiu concorrer à Presidência da República e
apresenta a sua candidatura este sábado. Amigos ou menos amigos, a opinião
sobre Paulo Morais é consensual: é um homem amável, mas não é uma pessoa fácil.
Desde muito novo,
Paulo Morais diz ter admirado a organização dos países nórdicos, lendo Olof
Palme, antigo primeiro-ministro sueco, e Eduard Bernstein, precursor da
social-democracia. Nascido em Viana do Castelo em dezembro de 1963 (tem 51
anos), o agora candidato a Presidente da República discutia política em casa
com o pai – industrial na região e filiado no PSD -, mas diz que isso não o
influenciou nas suas escolhas políticas. “Vivíamos no pós-25 de abril, eu
rejeitava as ditaduras de esquerda e de direita e identificava-me com o que
estava no centro, e neste caso era o PSD”. Integra assim a JSD e é
contemporâneo de muitas das atuais figuras cimeiras do partido: Pedro Passos
Coelho, Pedro Pinto, Carlos Pimenta, Miguel Macedo, Rui Rio.
Carlos Brito,
presidente da Alfândega do Porto, lembra-se de ter conhecido Paulo Morais em
1985 na casa de António Paulo Vallada, então presidente da Câmara. Brito era na
altura o vice-presidente da Câmara e Paulo Morais, já estudante universitário
no curso de Matemática, era o presidente da associação de estudantes da
Faculdade de Ciências do Porto. “O interesse pelos outros já existia na
juventude e manteve-se no pensamento de adulto. Ele tinha muita vontade de se
doar à causa pública e coletiva. Não tinha visão oportunista do poder”, garante
Brito, também militante do PSD. A amizade manteve-se ao longo dos anos e por
ironia do destino acabaram por ocupar o mesmo lugar na política da cidade.
Em 2001, e
segundo o Observador apurou junto de fonte da estrutura do PSD no Porto, Paulo
Morais foi uma escolha pessoal de Rui Rio para ser o seu número dois nas listas
da coligação PSD/CDS à Câmara Municipal. Desde 1999 que se tinham vindo a
aproximar num Conselho Consultivo promovido pelo PSD/Porto que congregava os
militantes mais prestigiados daquela estrutura como Miguel Veiga ou Couto dos
Santos e alguns independentes. Professor universitário e com conhecimento do
partido, Paulo Morais integrou este conselho e a consequente preparação da
candidatura de Rio – o programa da candidatura foi redigido por Paulo Rangel e
Paulo Morais ficou encarregado de coordenar as propostas da Área Social.
O
social-democrata diz que só aceitou o convite porque achava que ia perder e
admite que só foi convidado por esse mesmo motivo. “O combinado era que eu
manteria o meu trabalho e como vereador sem pelouro, já que o PS ia ganhar. Iria
uma vez por semana às reuniões de câmara denunciar a corrupção que por lá se
fazia, participando também nos trabalhos dessas reuniões”, afirma o matemático
ao Observador, garantindo que na altura, a cidade até então governada por
Fernando Gomes “estava totalmente capturada por interesses imobiliários”. Mas,
contra todas as expetativas, a coligação “Pelo Porto Sempre”, ganhou.
"Existe uma preocupante
promiscuidade entre diversas forças políticas, dirigentes partidários, famosos
escritórios de advogados e certos grupos empresariais"
Paulo Morais,
agosto de 2005, revista Visão
Um vereador com
uma missão
Antes mesmo da
tomada de posse, Carlos Brito disse que sabia que Morais ia “encontrar
dificuldades”. “Falámos e eu disse-lhe que já Almeida e Sousa, antigo
presidente da Assembleia Municipal nos anos 80, tinha feito um discurso sobre
corrupção na câmara, uma situação, que com a minha própria experiência eu podia
confirmar”, disse ao Observador Carlos Brito. Na Câmara Municipal, Paulo Morais
quis melhorar a habitação social, levando a cabo várias demolições de bairros
problemáticos, e prometeu até demitir-se caso não conseguisse tirar da rua
todos os arrumadores de carros que havia nas ruas do Porto, encetando uma
parceria com o Ministério da Saúde para reabilitar os arrumadores com problemas
de dependências e dar-lhes novas competências – a equipa era coordenada pelo
psiquiatra Carlos Mota Cardoso, que escreveu recentemente o livro “Raízes
D’Aço”, que traça o perfil de Rui Rio.
Mas, no PSD, as
coisas não corriam bem. Durante a sua vereação, Paulo Morais falou de forma
crítica sobre a gestão dos interesses na Câmara Municipal, referindo mesmo que
os partidos políticos são “bandos de assalto ao poder”, uma referência “injusta
e desagradável” que não caiu bem no partido, segundo relatou ao Observador
fonte da estrutura do PSD/Porto. “O Paulo sempre teve uma péssima relação com o
partido no Porto, incluindo com os presidentes de junta de freguesia. Causou
mal-estar em inúmeros episódios e o próprio Rui Rio reconhecia isso”, revela a
mesma fonte ao Observador. Já Carlos Brito defende o melhor serviço que se pode
fazer ao partido é “desempenhar bem a função para a qual se foi eleito” e que
“o resto são negócios de mercearia política”.
“O urbanismo em Portugal dá mais
dinheiro do que o tráfico de droga”,
afirma Paulo Morais.
A situação
agravou-se quando a saída de um vereador fez com que Paulo Morais assumisse o
pelouro do urbanismo. “A forma como ele implementava as políticas era incorreta
e não respeitou os compromissos feitos pelo antecessor”, diz ao Observador o
vereador do PCP, Rui Sá, que na altura estava encarregue do Ambiente. Já o PSD
defende que Paulo Morais não aprovava nada “porque podia haver alguma coisa
errada”, congelando o trabalho do seu pelouro. Morais defende-se, dizendo que
considera essa afirmação um elogio. “Havia prioridades, nomeadamente na
recuperação dos edifícios da Baixa. Quanto ao resto, seguia uma linha normal. Se
cumpria os requisitos, as obras eram aprovadas de imediato, se não cumpria era
recusado. Comigo não havia lugar a negociações”, afirma, dizendo que não
diferenciava entre alguém que fizesse obras no T1 e uma grande empresa de
construção que quisesse construir um prédio de oito andares.
Rui Sá diz que,
apesar das discordâncias políticas, sempre manteve uma relação cordial com
Paulo Morais. “Que eu saiba, nunca transgrediu nem cedeu a facilitismos, embora
eu não ponha as mãos no fogo por ninguém. A certa altura estava a ser um
empecilho ao funcionamento da câmara. Sei que houve coisas que Paulo Morais
chumbou e depois foram aprovadas”, afirma o comunista. Paulo Morais diz que
quando se começou a delinear o plano para as eleições autárquicas de 2005, “não
havia entendimento entre ele, Rui Rio e o PSD”. Mas em entrevista à revista
Visão, quando já estava fora das listas e em plena campanha eleitoral, Morais
largou uma bomba, afirmando: “Rio não tira o sono aos interesses instalados”.
Dez anos depois
Paulo Morais diz que não tira “uma vírgula” àquilo que disse na entrevista. Contactado
pelo Observador, Rui Rio não se mostrou disponível para falar até à publicação
deste artigo.
Paulo Morais
continuou um militante ativo dentro do PSD depois desta rutura, tendo sido
eleito presidente da Assembleia Municipal de Ponte de Lima em 2009 e até apoiou
Pedro Passos Coelho na campanha para as legislativas de 2011. No entanto,
desfiliou-se em 2013. “Abandonei o partido quando verifiquei que não era
regenerável”, afirma.
"Os promotores imobiliários
têm lucros parecidos com os traficantes de droga. No fundo estive naquele
mandato [na Câmara do Porto] sempre a combater traficantes. Os traficantes de
droga nos bairros sociais e os traficantes de solos."
Paulo Morais,
janeiro de 2013
Luta quase
solitária: Batman e Robin
Paulo Morais diz
ter-se deparado com a corrupção e com os seus efeitos quando esteve à frente da
associação de estudantes da Faculdade de Ciências do Porto. Embora não entre em
detalhe sobre a situação em si, disse que se tratavam de irregularidades de
gestão nos serviços sociais do Porto. A partir daí e consciente desses temas,
afirma ter sempre continuado a falar abertamente sobre corrupção, até porque
julga que a denúncia da corrupção está ligada à liberdade de expressão, não se
privando de falar destes temas dentro do PSD, nomeadamente a acumulação de
cargos públicos e privados. “Fiz as denúncias que tinha a fazer nos órgãos próprios
do partido, não falei individualmente com as pessoas porque não sou pai deles”,
constata.
“Por ele ser
matemático e simplificar o discurso, que se torna fácil para a compreensão do
público em geral, conseguiu chegar a muitas pessoas, quer em conferências, quer
em programas de televisão, quer em jornais. E algumas elites pensam que tem
discurso fácil”, afirma o investigador Luís de Sousa, presidente da
Transparência e Integridade (TIAC), associação afiliada na Transparency
International e que fundou em conjunto com Paulo Morais em 2010 – Morais tem
atualmente o seu mandato suspenso na TIAC. Conheceram-se no início dos anos
2000 e aproximaram-se por intermédio de Maria José Morgado, diretora do DIAP, e
o fiscalista Saldanha Sanches, após Luís de Sousa regressar a Portugal com uma
tese de doutoramento sobre corrupção. Amigos desde essa altura, Luís de Sousa
afirma que Paulo Morais é uma pessoa que gosta de conviver, “como qualquer bom
burguês do Porto”, gosta de bem comer, gosta de música e lê muito.
“O que lhe causa náusea brutal é
o desperdício de recursos”, diz o investigador.
Ao Observador,
Luís de Sousa questiona se os discursos de Mário Soares e Cavaco Silva também
não se pautaram sempre por “ser fácil”, afirmando que Paulo Morais é condenado
por falar sobre corrupção. “Estamos sempre a brincar e a dizer que somos o
Batman e o Robin, ele é o Batman porque está sempre a bater e eu sou o Robin,
porque sou mais suave”, diz Luís de Sousa. O investigador afirma que já recebeu
chamadas de vários visados pelas acusações de Paulo Morais, pressionando-o a
interceder junto do amigo para que se cale. No entanto, Luís de Sousa diz que a
corrupção em si é, para Paulo Morais, “um discurso instrumental para conseguir
melhorar a qualidade das instituições e libertar fundos para o desenvolvimento
do país”. “O que lhe causa náusea brutal é o desperdício de recursos”, diz o
investigador.
No entanto, há
muitas críticas às denúncias de Paulo Morais devido à falta de provas, já que
as investigações abertas no seguimento das suas acusações foram arquivadas. Mais
recentemente, a Comissão de Inquérito a BES pediu a Paulo Morais que lhe fosse
enviada uma lista que este afirmou ter em sua posse onde estavam detalhados os
clientes dos créditos de alto risco que foram concedidos pelo BESA. Paulo
Morais, disse em declarações à Renascença que Marta dos Santos, irmã do
presidente José Eduardo dos Santos, teve um crédito de 800 milhões de dólares
para desenvolver em Talatona um projeto imobiliário que teria sido promovido em
parceria com o empresário português José Guilherme, o construtor que deu uma
prenda de 14 milhões a Ricardo Salgado. Os documentos que chegaram à Assembleia
foram cópias de jornais e da gravação de um programa de televisão em que Paulo
Morais fizera as mesmas acusações.
As declarações
públicas nas televisões e na sua crónica no Correio da Manhã têm-lhe valido
vários processos nos tribunais. Paulo Morais diz que é vítima de “bullying
jurídico”, mas recusa dizer por quem está a ser processado, embora admita que
já foi ilibado em três processos de injúria caluniosa.
“Ele fala de
forma desabrida, mas é uma pessoa sólida. É uma pessoa analítica e só fala
quando tem os dados em cima da mesa. Ele expõe as coisas de forma clara e essa
é a sua força”, garante João Paulo Batalha, atual diretor executivo da TIAP que
conheceu Paulo Morais em 2010, aquando da fundação da Associação. João Paulo
Batalha afirma que há um ano, Paulo Morais lhe disse que “lhe custava ver a
degradação do país e a facilidade com que se falseiam dados no debate político”
e que por isso, já tinha ponderado emigrar com a família – Paulo Morais é
casado e tem cinco filhos.
"Instalou-se na política o
vício do consenso, uma prática agora abençoada pelo Presidente da República e
que faz lembrar os parlamentos da União Nacional fascista. Onde, como agora,
havia muito consenso, mas não havia nenhum senso."
Paulo Morais,
maio de 2013
Como será o
Presidente Paulo Morais?
“Autêntico”, diz
Carlos Brito. Considera que essa é a característica mais importante de um líder
e acredita que Paulo Morais vai incomodar os poderes instalados e utilizar o
poder de influência para “mudar as coisas que estão mal”. Mas avisa que Paulo
Morais não é uma pessoa fácil.
“É claro que ele
vai tomar posição sobre determinadas matérias. Vai maximizar os poderes de
Presidente se vir que a rota se mantém sem alteração nomeadamente a estrutura
montada para grupos económicos”, diz Luís de Sousa sobre como será Paulo Morais
como Presidente. No entanto, o investigador diz que há algum radicalismo no
discurso, admitindo já ter avisado Paulo Morais que “há tempo para a pomba e
tempo para o falcão”, mas diz que isso não o impede de criar consensos e ser
uma figura institucional – Luís de Sousa diz que Paulo Morais mantém boas
relações com muitos políticos.
Um desses casos é
Virgílio Macedo, deputado e líder da distrital do Porto, de quem é amigo. Apesar
de preferir não fazer grandes comentários sobre Paulo Morais, o deputado afirma
que não se conheceram no partido, e sim num MBA em Comércio Internacional que
ambos frequentaram no Porto. Sobre Paulo Morais como candidato a Belém, o
dirigente social-democrata disse apenas: “Considero que é uma pessoa séria e
que tem preocupação grande pela credibilidade da vida política”.
Já outro membro
da estrutura do PSD/Porto, que prefere não ser identificado disse que Paulo
Morais “tem um ego muito grande” e que “gosta muito de mediatismo”. “Adora ir à
televisão e encontrou um nicho de mercado na luta contra a corrupção”, afirma
esta fonte ao Observador. Também Rui Sá considera que Paulo Morais quer
“aproveitar o momentos para ter mais força” na luta contra a corrupção,
adiantando que se Cavaco Silva foi Presidente, “qualquer pessoa pode ser”.
Para João Paulo
Batalha, um dos aspetos mais úteis da candidatura de Paulo Morais é que “vem
alargar o leque de candidatos”. A candidatura de Paulo Morais à presidência foi
“repentina”, admite, mas compreende que para seja um “imperativo”. “Contacto
com pessoas que travaram lutas pessoas contra a corrupção e o Paulo Morais fez
isso na Câmara Municipal do Porto. Dois traços comuns a este tipo de pessoas
são, por um lado, um certo isolamento, por outro, uma força de caráter que
nasce com elas. Estas pessoas recusam-se a vergar”, diz João Paulo Batalha.
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