Portugal em ruínas
Lucy Pepper
26/4/2015, OBSERVADOR
Como é possível que se tenha
tornado um hábito deixar tantos edifícios em ruína, especialmente num país onde
o desperdício é um pecado? Porque é que continua a acontecer? Porque é que não
se faz nada?
Não é possível
encontrar defensores mais ferozes da beleza da sua terra do que os portugueses.
E, já agora, podem-me incluir no grupo. A diversidade incrível de paisagens, a
possibilidade de passar da montanha ao mar, do deserto à floresta, tudo num par
de horas de automóvel, ainda continua a emocionar-me, mesmo depois de todo este
tempo.
É porém muito
menos excitante ver as coisas diversas e estranhas que foram construídas nessas
paisagens. Embora cada qual tenha o seu gosto, nunca entenderei como qualquer
pessoa de juízo nos anos 60, 70 e 80 achou que aqueles prédios e moradias iam
envelhecer bem, estética ou fisicamente. Nunca entenderei como uma coisa que
parece um bunker nuclear pode ficar bem ao lado de um solar do século XVII. Mas
admito que isso faz parte da natureza orgânica das urbanizações ao longo dos
séculos. Talvez, um dia, os nossos descendentes achem bonita e interessante a
arquitectura da segunda metade do século XX, quando ela estiver já toda escura
de caruncho, depois de duzentos anos a afogar os centros históricos das cidades
(sim, também duvido, mas quem sabe?).
Ainda hão-de
estar aí, de qualquer maneira, como ruínas, tal como tantos outros edifícios
que marcam a paisagem, deixados a apodrecer porque ninguém os quis ou porque
ninguém pôde decidir o que fazer com eles, até tarde demais.
Em Portugal, há
ruínas por todo o lado, imensas ruínas. Passe por qualquer paisagem, aldeia,
vila ou cidade, e vai encontrar uma ruína ou construção destinada a ser ruína,
quer prédios grandes, quer solares, quer moradias, quer montes, quer casinhas.
Muitas vezes encontram-se entre outras construções contemporâneas ou mais
recentes. Não são só habitações. Há fábricas e armazéns e prédios inacabados
e/ou abandonados, como vastos esqueletos depois de um bombardeamento nuclear.
Lembre-se, em
Lisboa, das ruínas que se encontram no Bairro Alto e em Alfama. Pense nos
edifícios abandonados na Baixa, ou na Avenida Fontes Pereira do Melo ou na
Avenida da República, aquela grande tragédia de uma avenida que já foi
importante e que hoje não parece nada disso. Pense em qualquer subúrbio de
Lisboa. Lembre-se de quase todas as vilas e aldeias de Portugal que já
atravessou a pé ou num qualquer tipo de veículo. Lembre-se de qualquer estrada
entre áreas industriais.
Que grande
desperdício! Um desperdício de materiais, no caso das ruínas mais novas. Um
desperdício de beleza, no caso das mais velhas. Um desperdício de espaço, no
caso de todas elas.
Em vez de
utilizarem esses espaços, as cidades espalharam-se em subúrbios, a maior parte
feitos de moradias exageradas e de mau gosto, ou de prédios sem charme nem
personalidade, e que nada têm a ver com a paisagem.
Às ruínas nem
sequer é dado o direito de morrerem uma morte digna e pitoresca. Anos, décadas,
depois de uma casa se desintegrar, alguém vem encher as janelas com tijolos.
Porquê? Estão fartos de encontrar garrafas vazias e preservativos e maços de
cigarros dentro das suas amadas ruínas? Querem impedir a entradas dos pombos?
Acham que um dia vão poder voltar e salvar as ruínas? Porque não vão. Já é
tarde demais.
E, meu Deus, tudo
tem um aspecto horrível, feio e triste. É como se Portugal quisesse manter em
todos os cantos lembranças triste de tudo que foi e já não é. O que acham que
isto tudo diz às pessoas? E não, não estou a falar dos turistas. Eles não
precisam de viver ao lado das ruínas. Estou a referir-me ao estado de espírito
das pessoas que cá vivem, obrigadas a confrontar-se diariamente com a lembrança
de planos que não se concretizaram, de famílias que desapareceram ou se
dividiram, de negócios que falharam, de pessoas que morreram ou se foram embora
–porque é isso que as ruínas significam.
Há um ar de
melancolia que envolve uma ruína, o sentido de algo perdido. E há a fealdade
dos inevitáveis graffiti que cobrem as paredes. Do lixo que se vai acumular lá
dentro e cá fora. Do bolor preto no lado dos edifícios onde o sol não bate. Das
ervas que nunca vão crescer suficientemente para consumir a construção toda.
Verdadeiramente,
isto tudo é um mistério para mim. Como é possível que se tenha tornado um
hábito deixar tantos edifícios em ruína, especialmente num país onde o
desperdício é um pecado? Porque é que continua a acontecer? Porque é que não se
faz nada?
Já é tarde
demais, de certeza, para resgatar a maior parte das ruínas. É preciso um
milionário para salvar um edifício e restituí-lo à glória anterior. O que fazer
então com as ruínas? Demoli-las a todas? Fechá-las para, pelo menos, impedir
que se tornem caixotes de lixo? Expropriar com indemnização qualquer edifício
abandonado e doá-lo a quem se proponha fazer a sua reconstrução? Há muitos
seres humanos que precisam de um lugar barato e decente para viver.
Ruínas e
quase-ruínas nas cidades, principalmente em Lisboa, podem e são aproveitadas
para criar uma quantidade exagerada de hotéis e apartamentos sobrevalorizados.
É, pelo menos, uma coisa que se pode fazer. Mas o que vai acontecer às
casinhas, montes e solares que não se podem tornar negócios lucrativos? Suponho
que Portugal manterá a nostalgia e a melancolia das suas ruínas durante muito
tempo.
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