O dilema de uma mãe socialista
Eu, tal
como o PS, compro tudo aos meus filhos sem vergonha nenhuma e prometo-lhes o
céu e a terra só para poder ver o telejornal descansada
INÊS TEOTÓNIO
PEREIRA
25/04/2015 / PÚBLICO
Estava eu a ler o
programa eleitoral socialista e pela primeira vez em toda a minha vida – que já
vai mais longa que o regime democrático – identifiquei-me pessoalmente com o
PS. Até à data eu tinha a convicção profunda de que em minha casa só os meus
filhos eram socialistas e apenas os pais continuavam a ser as mesmas duas
pessoas lúcidas que sempre foram. Estava enganada, o programa do PS levou--me a
concluir que afinal eu também sou uma mãe socialista. Cheguei a esta curiosa
conclusão porque percebi que o PS lida com os portugueses da mesma forma que eu
lido com os meus filhos.
O PS, segundo o
seu programa eleitoral, promete o que tem e o que não tem e com estas promessas
tem esperança de vir a ter a votos. As contas não batem certo, as previsões são
baseadas na esperança e até faz tábua rasa de tudo o que tem dito até aqui. Ora
eu sou igualzinha com os meus filhos: também lhes prometo tudo na esperança que
eles me obedeçam e cumpram as suas obrigações. Digo uma coisa num dia e outra
coisa noutro dia só para fazer chegar a água ao meu moinho e nem me preocupo
com a coerência das minhas promessas porque as batalhas diárias não dão espaço
para preocupações dessa ordem.
Nós, eu e o PS,
fazemos tudo para atingir os nossos resultados: o PS votos e eu que os miúdos
vão para a cama. Até hoje eu achava que esta não era a melhor forma de educar
crianças, que não devia prometer tanto e muitas vezes não conseguir cumprir. Achava
ingenuamente que os estava comprar e que isso era mau. Mas graças ao PS percebi
que não, que não é mau. É que segundo o economista do PS João Galamba comprar
votos é um mero exercício de democracia.
Obrigada, João
Galamba, já somos dois democratas.
Eu, tal como o
PS, compro tudo aos meus filhos sem vergonha nenhuma e prometo-lhes o céu e a
terra só para poder ver o telejornal descansada. Prometo-lhes chupas se eles
tirarem boas notas, rebuçados se se calarem, cinema se se portarem bem, a
chucha ao bebé se ele comer a sopa, etc. E a verdade é que muitas vezes não
cumpro essas promessas. Não é por mal, é que muitas vezes não tenho tempo para
os levar ao cinema, raramente tenho chupas em casa e na maioria dos casos nem
me lembro do que prometi. Enfim, vivo a subornar os meus filhos e a fazer-lhes
promessas falsas. Não por votos, como o PS, mas por causas muito menos nobres,
como seja o sucesso escolar deles, o meu sossego, eles comerem legumes, etc. A
minha veia democrata e socialista é de tal forma latejante que até lhes prometo
que se estudarem podem vir a ser economistas do PS, assinar manifestos e até
chegar a ministros.
Ora aquilo que eu
achava que era uma fragilidade maternal, um erro pedagógico, uma forma de
compensar a minha falta de autoridade e de verdade, afinal não é. Este é um dos
casos em que os fins justificam os meios, ensinou-me o PS. Eu compro os meus
filhos para eles fazerem o que eu quero, o PS faz o mesmo com os portugueses
para ganhar eleições.
São ambos bons
fins e ao que parece até são democráticos.
Mas eu ainda
tenho muito a aprender com o PS e gostava sinceramente que outro programa
eleitoral ou outra qualquer declaração do economista João Galamba me
ensinassem. O meu grande problema, que aproveito para partilhar com o PS, é que
os meus filhos já me toparam e eu sinto-me mal. Eu sei que o PS não tem esta
preocupação e já ultrapassou estes dilemas morais, mas ainda sou verde nestas
coisas do socialismo e por isso tenho uma dúvida: o PS nunca tem vergonha?
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