A irresistível tentação do poder
Luís Rosa
-luis.rosa@ionline.pt
25/04/2015 in (Jornal) i online
É a partir do
pluralismo das diferentes correntes de opinião da comunicação social que os
cidadãos são esclarecidos.
Não deixa ser
irónico que no 41.o aniversário do 25 de Abril os principais partidos quisessem
regressar ao tempo do lápis azul e do visto prévio, mas, como se calculava,
PSD, PS e CDS ganharam juízo e vão meter parte da nova lei de acompanhamento
das campanhas eleitorais na gaveta após uma ameaça de boicote da comunicação
social às eleições. Era inevitável.
A principal razão
da polémica, a criação de uma comissão de visto prévio para avaliar e decidir
os planos de cobertura jornalística da campanha eleitoral, parece ter caído
definitivamente. Mas persistem outros problemas – que não são menos polémicos.
Vários exemplos: só pode haver debates televisivos entre os candidatos dos
partidos com assento parlamentar, o tratamento de todas as candidaturas terá de
ser feito em condições de igualdade (existindo o princípio de que a “idêntica importância”
deve corresponder um “relevo jornalístico semelhante”) e formatos de opinião,
de análise política ou de “criação jornalística” não podem exceder o espaço
dedicado aos formatos noticiosos e de reportagem.
Eis várias
perguntas simples sobre estas fantásticas ideias dos deputados Inês Medeiros
(PS), Carlos Abreu Amorim (PSD) e Telmo Correia. Será que os eleitores ficam
mais esclarecidos com debates a dois ou a cinco (ou a dez)? Quais sãos os
critérios para avaliar o que “tem idêntica importância” e o que deve ter
“relevo jornalístico semelhante”? Ou melhor, como é possível ter critérios
objectivos para avaliações que são subjectivas por natureza? Porque razão quer
o Estado fiscalizar o número de caracteres de peças e géneros jornalísticos?
Todas as
propostas são ridículas e, a serem aprovadas, poriam Portugal ao nível da
Hungria de Viktor Orban e no radar das organizações europeias e mundiais que
zelam pela liberdade de imprensa. É por isso essencial que todas elas sejam
retiradas da proposta final que será apresentada na próxima semana.
A relação da
classe política com a comunicação social é – e será sempre – conflituosa. Os
políticos tentarão sempre condicionar. Os jornalistas tentarão sempre
libertar-se de qualquer espécie de espartilho que os políticos queiram criar. Isso
é normal porque é da natureza do sistema democrático, desde que certos limites
sejam respeitados – o que não acontece com a proposta do PSD, do PS e do CDS
que foi conhecida.
A mesma também
mostra a tentação dos nossos políticos de tudo regular. É verdadeiramente
impressionante como Portugal (e a Europa) tenta regular e legislar todos e
quaisquer aspectos das nossas vidas, criando permanentemente e de forma
contínua novas regras, novas leis, burocratizando, complicando. Esta proposta
de lei é mais um desses exemplos, transmitindo a obsessão pelo número de
caracteres de uma notícia ou de um artigo de opinião uma pequena sensação de
déjà vu totalitarista.
Há uma última
questão. Esta proposta revela que a nossa jovem democracia ainda não consegue
lidar com uma comunicação social livre – e entenda-se a palavra “livre” na sua
verdadeira acepção. Os media existem para esclarecer a opinião pública, para
dar informação aos eleitores de forma que estes formem opinião sobre os seus
representantes no poder executivo e legislativo – é essa a sua razão de
existência. Mas só podem existir num contexto de diversidade. Isto é, não podem
ser iguais. É a partir do pluralismo das diferentes correntes de opinião da
comunicação social (uns mais à esquerda, outros mais ao centro e outros ainda
mais à direita) que os cidadãos são esclarecidos – não é a partir de uma
igualdade absoluta e totalitária. Não perceber isto é não perceber o que é uma
democracia. Quarenta e um anos após o 25 de Abril temos razões para estar
preocupados.
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