segunda-feira, 20 de abril de 2015

ENTREVISTA / Paulo Morais / Público. "Cavaco Silva não tem tido o cuidado de zelar pelo cumprimento da Constituição"

O aparecimento do Voto de Ruptura, do Voto - Protesto , do Voto-Contra em lugar do Voto- Pró , através de Neto / Morais vai enervar os Partidos e obrigá-los ( mesmo se lentamente ) a mudar políticas e a rever estratégias.
Os Votantes no Voto de Protesto utilizam-no como “sinal” de descontentamento dirigido à classe política. Os resultados surgirão apenas a médio e a longo prazo através das tensões implícitas e latentes instaladas no “sistema” que se tornarão impossíveis de negar pela classe política.
Este fenómeno que se está a espalhar na Europa, curiosamente, pode levar muitos que deixaram por cepticismo de votar, a retornarem às urnas.
OVOODOCORVO

"Cavaco Silva não tem tido o cuidado de zelar pelo cumprimento da Constituição"
MARGARIDA GOMES 20/04/2015 - PÚBLICO

O candidato à presidência da República Paulo Morais diz que “não é aceitável que, tendo havido todos estes escândalos – o BPN, que terá custado aos portugueses seis a sete mil milhões de euros, e o BES –, não haja bens confiscados”.

Foi militante do PSD até 2013. A experiência política com maior visibilidade foi vivida na Câmara do Porto ao lado de Rui Rio de quem foi vice-presidente e com quem se incompatibilizaria mais tarde.

Professor universitário, Paulo Morais apresentou sábado a sua candidatura a Belém e faz da corrupção, "o maior problema da política em Portugal", a sua principal bandeira eleitoral.

A candidatura vai até ao fim?
Sim.

A polémica sobre o caso dos destinatários dos empréstimos concedidos pelo BES Angola (BESA) não o descredibilizaram?
Não vejo a relação. Disse em público várias vezes e escrevi que não percebia - e ainda não percebo - que a comissão de inquérito à gestão do BES não abordasse a questão dos empréstimos do BES Angola a todo um conjunto de personalidades, cujos nomes eram conhecidos e públicos. Na sequência disso recebi uma carta do presidente da comissão, Fernando Negrão, que me pedia duas coisas: uma cópia da garantia soberana do Estado angolano dada ao BES Angola e a lista dos nomes que eu tivesse conhecimento relativamente a beneficiários de empresários do BESA.

Esperava-se que entrega-se uma cópia da garantia soberana do Estado angolano.
Não tenho a garantia. O Parlamento, se quiser, terá de a pedir talvez ao Presidente Eduardo dos Santos, que já deveria ter feito. Relativamente à lista dos nomes dos beneficiários, mandei-a. Depois, de facto, tive conhecimento de alguma polémica, porque os senhores parlamentares queriam os documentos originais. Acontece que quem tem de ter essa incumbência de procurar os documentos originais de dívida é a comissão parlamentar. Em segundo lugar, não trabalho para o Parlamento e, portanto, acho que deveriam ter aproveitado a lista de nomes que lhes mandei e inquirir essas pessoas. Lamento que não o tenham feito, porque nessa lista de beneficiários de créditos do BESA em Angola, sem garantias praticamente, está a irmã de José Eduardo dos Santos, Marta dos Santos, que beneficiou de um empréstimo de 800 mil dólares para resolver um projecto imobiliário com o construtor José Guilherme, o tal que deu a prenda de 14 milhões ao Ricardo Salgado. Estão também os filhos de José Eduardo dos Santos, o vice-presidente e membros do MPLA.

Como é que fez a lista?
Com base em informação que era pública e também através de outro tipo de fontes que não revelo ao Parlamento. Nas funções que desempenhei na Associação Transparência e Integridade [cujo mandato suspendeu para se candidatar à Presidência da República] tinha acesso a muita informação.

Criou muitas expectativas...
Mandei a lista daquilo que me pediram, mas se estavam à espera dos documentos originais de dívida terão que os ir buscar ao banco, porque eu não os tenho e se tivesse também não os passaria ao Parlamento. O que era importante era perguntar àquelas pessoas que constam da lista o que é que aconteceu. Só que para isso tinham de incomodar José Eduardo Santos e a família. Seria altura dos parlamentares da comissão de inquérito falarem com o BESA e solicitarem ao Presidente, ao Governo e ao ministro dos Negócios Estrangeiros que esclareçam este assunto, porque há uma sangria de fundos que saem de Portugal para Angola da ordem dos 4 mil milhões de euros. Todos os políticos do Parlamento têm excelentes relações com o MPLA, então, já que têm tão boas relações, que recuperem esse capital que foi investido em Angola. Quanto ao que foi investido em Portugal, através de empréstimos feitos pelo BESA, mas cujo capital foi aplicado em Portugal, nomeadamente, propriedades dos filhos de José Eduardo dos Santos, acho que essas propriedades deviam ser arrestadas já e confiscadas a seguir.

E as provas?
Provas seriam os documentos originais, mas isso acho melhor pedir a Ricardo Salgado ou ao presidente José Eduardo dos Santos. Ninguém me pediu documentos originais, pediram-me informação. Forneci uma lista dos beneficiários dos créditos BESA que, aliás, ainda não vi publicada em lado nenhum.

O cargo a que se candidata exige experiência. Está preparado?
O cargo a que me candidato exige vontade de o exercer e ter ideias claras sobre a forma como se vai exercer. Ninguém tem experiência de ser Presidente da República antes de o ser. Acho que tenho um conjunto de ideias para o exercício da função que me proponho por em prática se for eleito.

O Presidente deve ter mais poderes?
A questão dos poderes do Presidente não é uma questão presidencial, é uma questão parlamentar. Não acho que seja necessário o Presidente ter mais poderes. O que é necessário é que os exerça.

Por que é que se candidata?
O que me motiva é entender que a corrupção é o maior problema da política em Portugal, que depois acaba por ter consequências na vida económica, na vida das finanças públicas, na vida social dos portugueses. O ovo da serpente deste problema está na corrupção da política. A forma de melhor combater a corrupção na política é liderar uma estratégia global de combate à corrupção, que englobe o poder executivo, legislativo e judicial. A forma de intervir transversalmente nestes três poderes é na cabeça do regime - a Presidência da República. A corrupção não se resolve nem só mudando leis, nem só na justiça ou em termos executivos. Resolve-se em termos globais.

Como se aumenta a transparência na vida pública?
Portugal é dos poucos países do mundo desenvolvido onde os cidadãos não têm acesso à informação da sua vida pública. Os cidadãos não conhecem o Orçamento do Estado, não conhecem os orçamentos das suas câmaras municipais e têm direito a sabê-lo. Em Portugal, há muita informação que é pública, mas, formalmente, não é efectivamente escrutinada. Titulares de cargos públicos têm que depositar a sua declaração de rendimentos no Tribunal Constitucional, mas se um cidadão de Chaves quiser conhecer a declaração de rendimentos do seu presidente de câmara tem de ir ao Tribunal Constitucional a Lisboa pedir uma audiência.

Como é que isto se resolve?
Através de sites na Internet, como acontece nos países desenvolvidos, onde as pessoas têm completo acesso a todo o tipo de informação de uma forma transparente.

Qual é o papel do Presidente no combate à corrupção?
Nesta perspectiva de uma estratégia global de combate à corrupção, o Presidente tem de obrigar a que a justiça tenha meios para recapturar os activos que nos são tirados pela via da corrupção. Não é aceitável que tendo havido todos estes escândalos - o caso do BPN, que terá custado aos portugueses seis a sete mil milhões de euros, e o BES -, não haja bens confiscados. Confiscam-se bens em toda a parte do mundo, África, América Latina, mas em Portugal não se confiscam bens a quem faz esta muscambilhice.

O combate à "mentira reiterada dos políticos", para o citar, é outra das suas bandeiras?
Ando na vida pública há uns anos e, raramente, as pessoas fazem aquilo que dizem. Tem de haver uma coerência entre aquilo que se diz e o que se faz. Nos últimos anos tem sido gritante o facto de os sucessivos primeiros-ministros terem sempre sido eleitos a prometer o contrário daquilo que fazem uma vez empossados. Passos Coelho fez uma campanha eleitoral a dizer que não baixava salários, que não aumentava impostos, que não reduzia pensões, que não tirava regalias. Enfim, o resultado é o que vemos. No fundo, foi tão mentiroso como o seu antecessor, José Sócrates, que também prometeu não aumentar impostos e fez a mesma coisa. Antes, já Durão Barroso, para não falar de Santana Lopes, que esteve lá pouco tempo, tinha anunciado, na campanha de 2002, um choque fiscal, com uma brutal redução e impostos, e mal tomou posse o que é que fez? Aumentou impostos. As pessoas não podem de uma forma demagógica prometer tudo e mais alguma coisa, prometer o céu e depois dar o inferno às pessoas. A democracia não é isso.

Diz que o regime precisa de "uma enorme regeneração ao nível do poder executivo, legislativo e judicial". Que propostas para a promover?
A primeira tem a ver com o combate à corrupção, que precisa de uma estratégia global. Precisa, desde logo, do fim da promiscuidade entre os negócios e a política. A ser Presidente, uma das primeiras medidas que tomarei é convocar extraordinariamente a Assembleia da República para discutir, debater e acabar, de uma vez por todas, com esta promiscuidade absoluta no Parlamento. Nós temos dezenas de deputados que exercem o cargo parlamentar não em proveito do povo que os elegeu, mas em benefícios dos grupos económicos que lhes mantêm as suas tenças. Esta é uma primeira questão que tem de ser abordada de imediato. A segunda é que o poder legislativo tem de regressar ao Parlamento. Hoje, nas áreas de maior incidência económica - urbanismo, ambiente, ordenamento do território, contratação pública - toda a legislação é elaborada nas grandes sociedades de advogados, de Vera Jardim, Sérvulo Correia, Morais Leitão, Júdice e outros. Isto tem de acabar. A legitimidade democrática da elaboração legislativa tem de residir no Parlamento e não nas grandes sociedades de advogados.

É a favor de uma revisão constitucional?
Essa não é uma questão presidencial.

Cavaco Silva está de saída. Como avalia os seus mandatos?
Cavaco não cumpriu as funções presidenciais que lhe estavam atribuídas. Permitiu uma violação permanente de um conjunto de princípios constitucionais muito objectivos e não estou só a falar de questões mais conceptuais como a do princípio da separação de poderes. A Constituição estabelece que a nível fiscal quem tem mais património paga mais impostos, é o princípio da redistribuição. Mas quem tiver um T3 na Área Metropolitana do Porto ou de Lisboa paga mais Imposto Municipal sobre Imóveis do que um promotor imobiliário que, detendo centenas de propriedades em nome de um fundo de investimento imobiliário, está isento de IMI. Isto é claramente inconstitucional e o Presidente tem promulgado todos os Orçamentos do Estado que permitem que isto aconteça. Mas há mais. Os bens de luxo devem ser analisados pela via do imposto de consumo e, no entanto, quem tomar o pequeno-almoço num hotel de cinco estrelas é tributado com IVA a 6%, enquanto se tomar o pequeno-almoço num café da rua paga a 23%.

O Presidente não tem zelado pelo cumprimento da Constituição?
Cavaco Silva não tem tido o cuidado de zelar pelo cumprimento da Constituição, que jurou cumprir e fazer cumprir na sua tomada de posse. O Presidente tem exercido o seu mandato comentando aquilo que não lhe diz respeito e sem exercer as funções que lhe cabem.

Defende uma coligação pré-legislativas entre PSD e CDS?
Não tenho opinião sobre isso. O que defendo é que no momento em que o Presidente detecte que um primeiro-ministro está a fazer o contrário do que prometeu na campanha eleitoral, da minha parte só pode esperar uma atitude que é: obviamente, demito-o.

Qual é o seu público-alvo?
Todos aqueles que estão fartos desta podridão e acham que o regime precisa de uma regeneração devem votar em mim.

Rui Rio pode vir a entrar na corrida presidencial. Embaraça-o?
Não posso comentar não-candidatos e não-ideias. Estou desejoso de que apareçam candidatos para discutir as suas ideias. Quem achar que tem condições para ser Presidente que se apresente, mas sobretudo que diga o que vai fazer na presidência.

Está zangado com Rio?
Zangado, porquê?

Em 2005 ficou fora das listas para Câmara do Porto, onde era vereador, e esse afastamento deveu-se a ter denunciado a existência de pressões de empreiteiros sobre a autarquia.
Isso já foi há muito anos.

Esse incidente com Rio nunca foi ultrapassado?
No momento em que saí da Câmara do Porto, há nove anos, divergimos nos nossos caminhos. Na altura, na elaboração das listas para o mandato seguinte, não havia uma convergência de entendimento sobre o exercício do cargo de vereador do Urbanismo e, em particular, do combate à corrupção nessa área, entre o PSD, o partido pelo qual nos tínhamos candidatado. Não havendo essa convergência, não fazia sentido manter-me na câmara.

Acabaria por abandonar o PSD em 2013. Por que é saiu?

Saí, porque ao fim de um ano e pouco de mandato, Passos e o seu Governo estavam a fazer precisamente o contrário do que tinham dito e escrito (em livro) na campanha. Deixei de ter esperança, deixei de acreditar que aquela estrutura de poder que em 2013 estava dentro do PSD fosse regenerada e, percebendo que o PSD ia fazer tudo ao contrário do que tinha prometido, entendi sair. Fi-lo no momento em que conclui o meu mandato na Assembleia Municipal de Ponte de Lima.

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