"Cavaco Silva não tem tido o
cuidado de zelar pelo cumprimento da Constituição"
MARGARIDA GOMES
20/04/2015 - PÚBLICO
O candidato à presidência da
República Paulo Morais diz que “não é aceitável que, tendo havido todos estes
escândalos – o BPN, que terá custado aos portugueses seis a sete mil milhões de
euros, e o BES –, não haja bens confiscados”.
Foi militante do
PSD até 2013. A
experiência política com maior visibilidade foi vivida na Câmara do Porto ao
lado de Rui Rio de quem foi vice-presidente e com quem se incompatibilizaria
mais tarde.
Professor
universitário, Paulo Morais apresentou sábado a sua candidatura a Belém e faz
da corrupção, "o maior problema da política em Portugal", a sua
principal bandeira eleitoral.
A candidatura vai
até ao fim?
Sim.
A polémica sobre
o caso dos destinatários dos empréstimos concedidos pelo BES Angola (BESA) não
o descredibilizaram?
Não vejo a
relação. Disse em público várias vezes e escrevi que não percebia - e ainda não
percebo - que a comissão de inquérito à gestão do BES não abordasse a questão
dos empréstimos do BES Angola a todo um conjunto de personalidades, cujos nomes
eram conhecidos e públicos. Na sequência disso recebi uma carta do presidente
da comissão, Fernando Negrão, que me pedia duas coisas: uma cópia da garantia
soberana do Estado angolano dada ao BES Angola e a lista dos nomes que eu
tivesse conhecimento relativamente a beneficiários de empresários do BESA.
Esperava-se que
entrega-se uma cópia da garantia soberana do Estado angolano.
Não tenho a
garantia. O Parlamento, se quiser, terá de a pedir talvez ao Presidente Eduardo
dos Santos, que já deveria ter feito. Relativamente à lista dos nomes dos
beneficiários, mandei-a. Depois, de facto, tive conhecimento de alguma
polémica, porque os senhores parlamentares queriam os documentos originais. Acontece
que quem tem de ter essa incumbência de procurar os documentos originais de
dívida é a comissão parlamentar. Em segundo lugar, não trabalho para o
Parlamento e, portanto, acho que deveriam ter aproveitado a lista de nomes que
lhes mandei e inquirir essas pessoas. Lamento que não o tenham feito, porque
nessa lista de beneficiários de créditos do BESA em Angola, sem garantias
praticamente, está a irmã de José Eduardo dos Santos, Marta dos Santos, que
beneficiou de um empréstimo de 800 mil dólares para resolver um projecto
imobiliário com o construtor José Guilherme, o tal que deu a prenda de 14
milhões ao Ricardo Salgado. Estão também os filhos de José Eduardo dos Santos,
o vice-presidente e membros do MPLA.
Como é que fez a
lista?
Com base em
informação que era pública e também através de outro tipo de fontes que não
revelo ao Parlamento. Nas funções que desempenhei na Associação Transparência e
Integridade [cujo mandato suspendeu para se candidatar à Presidência da
República] tinha acesso a muita informação.
Criou muitas
expectativas...
Mandei a lista
daquilo que me pediram, mas se estavam à espera dos documentos originais de
dívida terão que os ir buscar ao banco, porque eu não os tenho e se tivesse
também não os passaria ao Parlamento. O que era importante era perguntar
àquelas pessoas que constam da lista o que é que aconteceu. Só que para isso
tinham de incomodar José Eduardo Santos e a família. Seria altura dos
parlamentares da comissão de inquérito falarem com o BESA e solicitarem ao
Presidente, ao Governo e ao ministro dos Negócios Estrangeiros que esclareçam este
assunto, porque há uma sangria de fundos que saem de Portugal para Angola da
ordem dos 4 mil milhões de euros. Todos os políticos do Parlamento têm
excelentes relações com o MPLA, então, já que têm tão boas relações, que
recuperem esse capital que foi investido em Angola. Quanto ao que foi investido
em Portugal, através de empréstimos feitos pelo BESA, mas cujo capital foi
aplicado em Portugal, nomeadamente, propriedades dos filhos de José Eduardo dos
Santos, acho que essas propriedades deviam ser arrestadas já e confiscadas a
seguir.
E as provas?
Provas seriam os
documentos originais, mas isso acho melhor pedir a Ricardo Salgado ou ao
presidente José Eduardo dos Santos. Ninguém me pediu documentos originais,
pediram-me informação. Forneci uma lista dos beneficiários dos créditos BESA
que, aliás, ainda não vi publicada em lado nenhum.
O cargo a que se
candidata exige experiência. Está preparado?
O cargo a que me
candidato exige vontade de o exercer e ter ideias claras sobre a forma como se
vai exercer. Ninguém tem experiência de ser Presidente da República antes de o
ser. Acho que tenho um conjunto de ideias para o exercício da função que me
proponho por em prática se for eleito.
O Presidente deve
ter mais poderes?
A questão dos
poderes do Presidente não é uma questão presidencial, é uma questão
parlamentar. Não acho que seja necessário o Presidente ter mais poderes. O que
é necessário é que os exerça.
Por que é que se
candidata?
O que me motiva é
entender que a corrupção é o maior problema da política em Portugal, que depois
acaba por ter consequências na vida económica, na vida das finanças públicas,
na vida social dos portugueses. O ovo da serpente deste problema está na
corrupção da política. A forma de melhor combater a corrupção na política é
liderar uma estratégia global de combate à corrupção, que englobe o poder
executivo, legislativo e judicial. A forma de intervir transversalmente nestes
três poderes é na cabeça do regime - a Presidência da República. A corrupção
não se resolve nem só mudando leis, nem só na justiça ou em termos executivos. Resolve-se
em termos globais.
Como se aumenta a
transparência na vida pública?
Portugal é dos
poucos países do mundo desenvolvido onde os cidadãos não têm acesso à informação
da sua vida pública. Os cidadãos não conhecem o Orçamento do Estado, não
conhecem os orçamentos das suas câmaras municipais e têm direito a sabê-lo. Em
Portugal, há muita informação que é pública, mas, formalmente, não é
efectivamente escrutinada. Titulares de cargos públicos têm que depositar a sua
declaração de rendimentos no Tribunal Constitucional, mas se um cidadão de
Chaves quiser conhecer a declaração de rendimentos do seu presidente de câmara
tem de ir ao Tribunal Constitucional a Lisboa pedir uma audiência.
Como é que isto
se resolve?
Através de sites
na Internet, como acontece nos países desenvolvidos, onde as pessoas têm
completo acesso a todo o tipo de informação de uma forma transparente.
Qual é o papel do
Presidente no combate à corrupção?
Nesta perspectiva
de uma estratégia global de combate à corrupção, o Presidente tem de obrigar a
que a justiça tenha meios para recapturar os activos que nos são tirados pela
via da corrupção. Não é aceitável que tendo havido todos estes escândalos - o
caso do BPN, que terá custado aos portugueses seis a sete mil milhões de euros,
e o BES -, não haja bens confiscados. Confiscam-se bens em toda a parte do
mundo, África, América Latina, mas em Portugal não se confiscam bens a quem faz
esta muscambilhice.
O combate à
"mentira reiterada dos políticos", para o citar, é outra das suas
bandeiras?
Ando na vida
pública há uns anos e, raramente, as pessoas fazem aquilo que dizem. Tem de
haver uma coerência entre aquilo que se diz e o que se faz. Nos últimos anos
tem sido gritante o facto de os sucessivos primeiros-ministros terem sempre
sido eleitos a prometer o contrário daquilo que fazem uma vez empossados. Passos
Coelho fez uma campanha eleitoral a dizer que não baixava salários, que não
aumentava impostos, que não reduzia pensões, que não tirava regalias. Enfim, o
resultado é o que vemos. No fundo, foi tão mentiroso como o seu antecessor,
José Sócrates, que também prometeu não aumentar impostos e fez a mesma coisa. Antes,
já Durão Barroso, para não falar de Santana Lopes, que esteve lá pouco tempo,
tinha anunciado, na campanha de 2002, um choque fiscal, com uma brutal redução
e impostos, e mal tomou posse o que é que fez? Aumentou impostos. As pessoas
não podem de uma forma demagógica prometer tudo e mais alguma coisa, prometer o
céu e depois dar o inferno às pessoas. A democracia não é isso.
Diz que o regime
precisa de "uma enorme regeneração ao nível do poder executivo,
legislativo e judicial". Que propostas para a promover?
A primeira tem a
ver com o combate à corrupção, que precisa de uma estratégia global. Precisa,
desde logo, do fim da promiscuidade entre os negócios e a política. A ser
Presidente, uma das primeiras medidas que tomarei é convocar
extraordinariamente a Assembleia da República para discutir, debater e acabar,
de uma vez por todas, com esta promiscuidade absoluta no Parlamento. Nós temos
dezenas de deputados que exercem o cargo parlamentar não em proveito do povo
que os elegeu, mas em benefícios dos grupos económicos que lhes mantêm as suas
tenças. Esta é uma primeira questão que tem de ser abordada de imediato. A
segunda é que o poder legislativo tem de regressar ao Parlamento. Hoje, nas
áreas de maior incidência económica - urbanismo, ambiente, ordenamento do
território, contratação pública - toda a legislação é elaborada nas grandes
sociedades de advogados, de Vera Jardim, Sérvulo Correia, Morais Leitão, Júdice
e outros. Isto tem de acabar. A legitimidade democrática da elaboração
legislativa tem de residir no Parlamento e não nas grandes sociedades de
advogados.
É a favor de uma
revisão constitucional?
Essa não é uma
questão presidencial.
Cavaco Silva está
de saída. Como avalia os seus mandatos?
Cavaco não
cumpriu as funções presidenciais que lhe estavam atribuídas. Permitiu uma
violação permanente de um conjunto de princípios constitucionais muito
objectivos e não estou só a falar de questões mais conceptuais como a do
princípio da separação de poderes. A Constituição estabelece que a nível fiscal
quem tem mais património paga mais impostos, é o princípio da redistribuição. Mas
quem tiver um T3 na Área Metropolitana do Porto ou de Lisboa paga mais Imposto
Municipal sobre Imóveis do que um promotor imobiliário que, detendo centenas de
propriedades em nome de um fundo de investimento imobiliário, está isento de
IMI. Isto é claramente inconstitucional e o Presidente tem promulgado todos os
Orçamentos do Estado que permitem que isto aconteça. Mas há mais. Os bens de
luxo devem ser analisados pela via do imposto de consumo e, no entanto, quem
tomar o pequeno-almoço num hotel de cinco estrelas é tributado com IVA a 6%,
enquanto se tomar o pequeno-almoço num café da rua paga a 23%.
O Presidente não
tem zelado pelo cumprimento da Constituição?
Cavaco Silva não
tem tido o cuidado de zelar pelo cumprimento da Constituição, que jurou cumprir
e fazer cumprir na sua tomada de posse. O Presidente tem exercido o seu mandato
comentando aquilo que não lhe diz respeito e sem exercer as funções que lhe
cabem.
Defende uma
coligação pré-legislativas entre PSD e CDS?
Não tenho opinião
sobre isso. O que defendo é que no momento em que o Presidente detecte que um
primeiro-ministro está a fazer o contrário do que prometeu na campanha
eleitoral, da minha parte só pode esperar uma atitude que é: obviamente,
demito-o.
Qual é o seu
público-alvo?
Todos aqueles que
estão fartos desta podridão e acham que o regime precisa de uma regeneração
devem votar em mim.
Rui Rio pode vir
a entrar na corrida presidencial. Embaraça-o?
Não posso
comentar não-candidatos e não-ideias. Estou desejoso de que apareçam candidatos
para discutir as suas ideias. Quem achar que tem condições para ser Presidente
que se apresente, mas sobretudo que diga o que vai fazer na presidência.
Está zangado com
Rio?
Zangado, porquê?
Em 2005 ficou
fora das listas para Câmara do Porto, onde era vereador, e esse afastamento
deveu-se a ter denunciado a existência de pressões de empreiteiros sobre a
autarquia.
Isso já foi há
muito anos.
Esse incidente
com Rio nunca foi ultrapassado?
No momento em que
saí da Câmara do Porto, há nove anos, divergimos nos nossos caminhos. Na
altura, na elaboração das listas para o mandato seguinte, não havia uma
convergência de entendimento sobre o exercício do cargo de vereador do Urbanismo
e, em particular, do combate à corrupção nessa área, entre o PSD, o partido
pelo qual nos tínhamos candidatado. Não havendo essa convergência, não fazia
sentido manter-me na câmara.
Acabaria por
abandonar o PSD em 2013. Por que é saiu?
Saí, porque ao
fim de um ano e pouco de mandato, Passos e o seu Governo estavam a fazer
precisamente o contrário do que tinham dito e escrito (em livro) na campanha. Deixei
de ter esperança, deixei de acreditar que aquela estrutura de poder que em 2013
estava dentro do PSD fosse regenerada e, percebendo que o PSD ia fazer tudo ao
contrário do que tinha prometido, entendi sair. Fi-lo no momento em que conclui
o meu mandato na Assembleia Municipal de Ponte de Lima.
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